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Creio que Patativa do Assaré, Rolando Boldrin, Boi Bumbá e Vaca Estrela, na canção, já deixaram claro sobre o que veio para mim, após 2016.
Depois de uma fase difícil nos primeiros anos do século, entre 2009 e 2016, as coisas melhoraram, tendo o ápice no último ano, quando realizei um dos meus sonhos. Lancei meu primeiro livro de crônicas: “Dominó de Botequim”. Há sete anos, pois. Período, em que diz a lenda, se revezam anos de vacas magras e gordas. Verdade, pois, dali em diante, a sorte foi desmilinguindo até entrarmos neste ano.
Até o final do século XX, tudo pareceu correr bem e em perspectiva morro acima. Dali pra mió. Tanto nos campos políticos, econômico-financeiros, sociais e familiares, vivia em paz, ou não prestava muita atenção nos ciclos magros. Mesmo nas frustrações pessoais, levava bem. Uma delas, não ter escolhido estudar a profissão dos meus coração e vocação: escritor e jornalista.
Ainda em 1985, uma boa surpresa. Meu amigo de infância Fritz Utzeri, do Rio de Janeiro, um dos maiores jornalistas investigativos do Brasil (JB e O Globo), lançava seu samizdat eletrônico, o Montbläat, e me convidava para lá manter uma coluna.
Pai falecido em 1965, mãe viúva, filho único, 20 anos de idade, precisava estudar e começar a trabalhar imediatamente, ganhar dinheiro. Fui dar no curso noturno da EAESP, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Arrumei emprego, apaixonei, casamento, três filhos maravilhosos, e o fim da ditadura. Comecei a formar humilde patrimônio, aquele que a classe média, no Brasil, sempre almeja. Tudo indicava caminho árduo, percalços, mas acreditava o morro acima ser eterno. Piscava quando lembrava da lenda dos sete anos, mas ia em frente.
Sou um bobinho meio ousado, como vaticinou uma psicóloga que frequentei por uns anos e disse “Rui, você é aquele cara que, pilotando um teco-teco, próximo ao World Center, em Manhattan, no 11 de setembro de 2001, brada, fiquem calmos, conseguirei pousar no Rio Hudson”. Digno de um Exército de Brancaleone.
Dei um jeito. Ao mesmo tempo em que, durante o dia, trabalhava como executor de ordens capitalistas que trazia dos tempos de GV, à noite, estudava Ciências Sociais, na USP. Todas as noites minha mulher, num fusca branco, às vezes carregando nossa primeira filha, Mariana, ia me buscar na Cidade Universitária.
Mais tarde, há mais ou menos 15 anos, viriam GGN e CartaCapital acalmar meu saco cheio com o labor executivo. Tanto tempo de morro acima e vacas gordas, era de se desconfiar que o morro abaixo das vacas magras se aproximava.
Nem precisam de minha narrativa, né? Seria enfadonha. Creio que Patativa do Assaré, Rolando Boldrin, o Boi Bumbá e a Vaca Estrela, na canção, já deixaram tudo claro sobre o que veio para mim, após 2016.
Nem todos esses anos, no entanto, foram completamente morro acima ou abaixo. Hoje sei que, alternadamente, vêm os bois gordos e as vacas magras. Só que os bois gordos, vez ou outra, emprenham as vacas magras e procriam bezerros saudáveis.
Para saber de mim, aprendi a olhar primeiro para o meu País, o próximo, os compatriotas, Salve Jorge da Capadócia!
Venho olhando o Brasil, em 2023, e vejo bezerros gordos ao meu redor, até mesmo quando anunciados, de forma meio envergonhada, pela mídia corporativa.
De minha parte, vou deixando para trás cirurgias do coração, bariátrica, cervical e medula com repercussão grave em minha mobilidade; na pequena empresa, a desistência do investidor capitalista e o caminhar solo junto a um anjo da guarda mulher, CEO valente; na família, acostumo-me ao desmame dos três amados filhos que foram morar em outras plagas para viver melhor; na política, o sofrimento desde o impeachment de Dilma Rousseff, a dessalinização Michel Temer, e os quatro anos de “Imbecilato” do Regente Insano Primeiro, parecem que logo irão desanuviar meu sofrimento.
Claro que a octogenária idade chegando, os tantos gênios de minha geração partindo, sem ver reposição qualificada, aqui ou mesmo no mundo – guerra e miséria onde sempre esteve – comecei um processo de desistência. Temo o morro abaixo voltar ou a ciranda dos ciclos terminar para mim.
Mas não, jeito nenhum. Guentei sete anos após 2016. Não cairei agora que um fio de esperança se fortalece, eu me fortaleço para voltar a visitar os campos do país. Vou viver de minhas boas lembranças, dos perrengues que venci e de um povo que logo poderá voltar a sorrir.
Vai que estou no sopé para começar a caminhada morro acima? Sigo as folhas e telas cotidianas e percebo um País em reconstrução, uma equipe jovem, alegre e competente de fisioterapeutas e um treinador que viraram amigos começando a me reabilitar, médicos que se mostram dedicados, a empresa navegando esperançosa, os filhos felizes onde estão, a mulher dedicada, amigos (poucos) que não me abandonaram, e volto a querer ver as vacas gordas, novamente, morro acima.
Para vocês que fizeram o ginasial na minha época: Inté o Ludus Secundus!
RUI DAHER ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Rui Daher – administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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