As Forças Tarefas como a do Banestado, embrião da Lava Jato, transformaram-se numa Polícia Federal à parte, desgarrada da instituição
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Peça 1 – os abusos da Polícia Federal
No decorrer da Operação Lava Jato, os delegados da Polícia Federal comportaram-se como os procuradores, mas sem Operação Spoofing. É uma corporação armada que, nos últimos anos, deu margem a toda sorte de arbítrios
As Forças Tarefas como foi a do Banestado, embrião da Lava Jato, acabaram se transformando numa Polícia Federal à parte, desgarrada da própria instituição, e dos sistemas de freios internos.
Em 2013 e 2014, trouxeram seus vícios pra dentro do Órgão, blindados pela Justiça, pela Mídia e pelo Ministério Público Federal, com quem se promiscuíram.
Os casos de abuso tornaram-se clássicos da violência irracional:
Caso 1 – Operação Carne Fraca
Deflagrada pela Polícia Federal do Brasil em 17 de março de 2017, transformou um caso de propina a fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em um escândalo mundial, comprometendo as exportações brasileiros. A operação mirou 21 frigoríficos e teve um enorme impacto negativo na imagem do setor de carnes do Brasil no exterior e ponto de diversos países, incluindo a China, os Estados Unidos e a União Europeia, suspenderam a importação de carne brasileira. Mobilizou 1.100 policiais federais.
Foram emitidas 91 ordens judiciais nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e São Paulo, sendo 11 mandados de prisão temporária, 27 de condução coercitiva e 53 de busca e apreensão
O único punido foi o delegado Mario Renato Castanheira Fanton, por supostamente ter revelado informações ao ex-deputado federal André Vargas.
A operação foi duramente criticada pelo delegado Carlos Eduardo Sobral, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
“Mas isso foi um problema sistêmico? Não vi os colegas da operação dizendo isso. Mas quando se coloca que foi a maior em operação da história da polícia leva ao entendimento de que é algo muito maior do que pode ser na prática”, disse.
Só, então, a PF tratou de desmentir a versão de que se tratava de uma corrupção sistêmica.
O responsável pela operação, delegado Maurício Moscardi Grillo, foi o mesmo que prendeu o ex-Ministro Guido Mantega em um hospital onde acompanhava a esposa com câncer. Foi também punindo pela PF em setembro de 2019 por ter falsificado sindicância que apontava escuta instalada na cela do doleiro Alberto Youssef.
Caso 2 – Grampo ilegal na cela da Lava Jato
Os delegados responsáveis foram Igor Romário de Paula e Márcio Anselmo. Responsável por um inquérito falsificado, e suspenso por isso, mais tarde Moscardi Grillo tornou-se chefe do Núcleo de Inteligência Policial da PF.
Caso 3 – Operação Ouvidos Moucos
Em 14 de setembro de 2019, 115 policiais de todo o país foram convocados para a invasão da Universidade Federal de Santa Catarina. Chefiados pela delegada Erika Merena, prenderam e humilharam números professores, mentiram sobre o montante envolvido na suspeita e levaram ao suicídio do reitor Cancellier.
Caso 4 – Operação Esperança Equilibrista
Deflagrada em 6 de dezembro de 2017, a operação tinha por objetivo investigar supostos desvios de recursos na construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, localizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A operação resultou na prisão temporária de 11 pessoas, incluindo o reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez.
A operação envolveu 84 policiais federais e 15 auditores da Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo a PF, oito mandados de condução coercitiva – quando o suspeito é levado para depor – e 11 de busca e apreensão.
A operação foi suspensa pela Justiça Federal em 11 de dezembro de 2017. A decisão foi tomada após a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmar que a operação foi realizada de forma irregular e que não havia indícios de crime.
A corregedoria da PF passou a investigar o comportamento dos agentes policiais.
Após três anos, a investigação foi arquivada.
O responsável pela operação da PF foi o delegado Leopoldo Soares Lacerda. A autoridade que deflagrou a violência foi Torquato Jardim, Ministro da Justiça da época.
Caso 5 – prisão de Sérgio Cabral
No dia 17 de novembro de 2016, o governador do Rio Sérgio Cabral foi preso pela força tarefa da Lava Jato de Curitiba.
A operação envolveu 230 policiais federais, 38 mandatos de busca e apreensão, dez mandados de prisão e 14 mandados de condução coercitiva.
O inusitado da operação foi a exposição de Cabral algemados nos pés e nas mãos, um absurdo que acabou em uma investigação ordenada por Gilmar Mendes e endossadas pelos demais colegas da 2a Turma do STF.
A alegação da PF foi a de que as algemas visavam garantir a segurança de Cabral.
O responsável pela operação foi o delegado Igor Romário de Paula.
Peça 2 – o corporativismo perigoso da Polícia Federal
Dias atrás, o Tribunal de Contas da União considerou improcedentes as acusações da Operação Ouvidos Moucos em relação ao aluguel de carros pelo Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina. Mesmo assim, vários professores foram presos, humilhados e mantidos na prisão por vários dias.
No mesmo dia, o Ministro Flávio Dino declarou que seriam apurados os abusos da Operação Ouvidos Mouros. A reação da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (FENADEPOL) foi um desafio ao Ministro.
Em nenhum momento fazem qualquer autocrítica.
“Essas atribuições são pautadas na legalidade e na constitucionalidade, tendo como finalidade o esclarecimento de fatos, em tese, criminosos. Assim, não existe compromisso dos Delegados Federais com a acusação ou com a defesa, mas sim com o sistema de justiça criminal, entendido como um todo”.
Dizem haver mecanismos de controle e de cobrança direcionados à função dos policiais. A nota traz algumas pistas sobre esse superpoder:
“A atividade policial, em especial a de Delegado de Polícia Federal, tem no seu cerne um imensa responsabilidade, consubstanciada na condução e presidência do Inquérito Policial”.
Quanto aos exageros, nenhuma autocrítica, mas apenas
“Assevere-se, ainda, que é exigência da atividade investigativa a tomada de diversas decisões cruciais, muitas vezes em tempo limitado em decorrência dos princípios da eficiência e da oportunidade”.
Peça 3 – o poder da corporação
O poder absurdo da corporação foi conquistado entre 2013 e 2016, quando o lobby da ADPF encontrou pela frente a leniência do Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso.
O embrião desse poder veio do instituto das Forças Tarefas, a partir do Caso Banestado. As FT acabaram se transformando numa Polícia Federal à parte, desgarrada da própria instituição, e dos sistemas de freios internos.
Em 2013 e 2014, quando trouxeram seus vícios pra dentro do Órgão, blindados pela Justiça e MPF com quem se promiscuíram, deu no que deu, rachou. Mas ja tinham a mídia na mão.
O trabalho de lobby ficou a cargo dos delegados Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da ADPF, Anderson Torres, Sandro Avelar e, especialmente o deputado-delegado Luis Felipe Francischini e outros delegados que atuavam como assessores parlamentares. Transitavam pelo Congresso com “pastichas azuis”, deixando rolar a suspeita de que seriam dossiês contra parlamentares.
Seja como for, os delegados conseguiram aprovar tudo o que desejavam, com a presidente Dilma Rousseff sem ser devidamente orientada pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso.
Foram 6 leis que deram superpoderes aos delegados da PF e às forças tarefas.
O ponto central do poder do delegado da PF: o novo formato do inquérito policial. A lei dá exclusividade da condução do inquérito ao delegado de polícia. Caberá a ele, individualmente, investigar, julgar e indiciar quem ele quiser. Não precisará ouvir a perícia e outras carreiras auxiliares. É decisão individual que, mais tarde, poderá ser revista na Justiça, mas condenará eternamente os indiciados no tribunal da mídia.
A lei também definiu que o cargo de delegado será privilégio do bacharel em Direito, “devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.
Com isso, ficaram de fora dos inquéritos os EPAs (Escrivães, Papiloscopista e Agentes da PF).
Esta é a lei que define organização criminosa e dispõe sobre investigação criminal. Além de conceituar organização criminosa, a lei prevê penas severas a “quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”
A lei prévio instituto da colaboração premiada, a escuta ambiental e quebra de qualquer forma de sigilo, telefônico, bancário, fiscal, previu a infiltração de agentes.
Dispõe sobre destruição de drogas apreendidas.
Reorganização das classes da carreira Polícia Federal.
Separa os funcionários em várias carreiras. No topo, o delegado de PF, com formação de advogado e participação em concurso com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil.
O cargo de Diretor-Geral torna-se privativo dos delegados.
Dispõe sobre atos terroristas e define o modelo de investigação.
Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal .
Peça 4 – o poder da corporação
Toda essa estratégia de empoderamento da PF foi relatada aqui no GGN, no artigo “O xadrez da Polícia Federal na era das corporações”, de 30 de março de 2016.
Nela, conto sobre a fundação da SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência), que criou uma super-estrutura para o combate ao crime do colarinho branco, mas sem que se avaliasse as consequências desse superpoder, sem sistemas adequados de freios e contrapesos.
Depois, há dois episódios emblemáticos. O primeiro, o afastamento do delegado Paulo Lacerda, da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). Lacerda era a grande liderança madura da PF, administrando conflitos e impedindo abusos. O segundo, foi a indicação de Joisé Eduardo Cardozo para o Ministério da Justiça.
De um lado, com sua ojeriza às funções burocráticas, Cardozo deixou a PF às moscas. Para aplacar a ira dos delegados, passou a ceder em tudo.
Dizia o artigo:
“Para manter-se no cargo sem ser incomodado, Cardozo entregou todos os anéis e dedos para a corporação, trouxe cerca de dez policiais federais para sua assessoria, garantiu à tropa a ampliação do poder, mantendo a presidente desinformada sobre a marcha do golpe. E há suspeitas de que tenha sido responsável por parte dos vazamentos que inundaram a imprensa no período.
Semanas atrás, policiais da PF fizeram chegar à Casa Civil um material que mostraria aparelhamento da Lava Jato pelo PSDB do Paraná. Junto com o material, o alerta para não passar o material para o Ministério da Justiça, “senão mela”. Dias depois o dossiê saiu publicado na revista Veja. Questionadas, as fontes da Casa Civil confirmaram que o MJ havia tido acesso aos documentos. Pode ter sido coincidência; pode ser que não
A lei 12.830 garantiu controle total sobre inquérito policial. Agora, tudo passa pela PF, desde inquéritos do IBAMA, INSS. Imagine-se um delegado comandando 400 investigações.
Outra foi a lei 12.850, de combate ao crime organizado e à delação premiada. Em qualquer país do mundo, a delação é acompanhada pelo Ministério Público. A nova lei dá agora essa exclusividade aos delegados.
Costa e Cardozo tiveram papel central na aprovação dessas duas leis. E se aliaram aos delegados nas discussões sobre a MP 650, que pretendia definir uma carreira única para o órgão.
Na verdade, os delegados colocaram uma faca no pescoço do governo e saíram vitoriosos.
Agora, o longo caminho da reinstitucionalização da Polícia Federal passa pela revisão dos poderes absolutos dos delegados, pela mudança no formato dos inquéritos e pela correição dos abusos cometidos em um período em que um grupo de delegados emporcalhou a imagem da instituição.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)