‘O presidente será protagonista destacado e aproveitará para avançar com temas de interesse brasileiro e do Mercosul’, escreve a colunista Tereza Cruvinel
A Europa redescobre a América Latina e está empenhada em recuperar o relacionamento que praticamente abandonou desde 2015. Este é o sentido da reunião que acontece amanhã e terça-feira, em Bruxelas, entre governantes dos 33 países da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe) e os 27 da União Europeia. O presidente Lula será um protagonista destacado e aproveitará para avançar também com temas de interesse estritamente brasileiro e do Mercosul.
Depois da cúpula de 2015 a Europa viu-se às voltas com muitos problemas do bloco, como a onda migratória, o Brexit e a saída do Reino Unido do bloco, a pandemia e finalmente a Guerra na Ucrânia, entre outros.
Estourada a guerra, com as conhecidas consequências econômicas para os europeus, eles não encontraram nos países latino-americanos o apoio que buscaram. No âmbito da ONU quase todos votaram a favor de moções condenando a invasão russa mas não se engajaram (e alguns votaram contra) a aprovação de sanções à Rússia. Negaram-se, como fez o Brasil, a fornecer armas e munições à Ucrânia.
A guerra e o apoio europeu à Ucrânia já se constituíram no primeiro ponto de divergência da cúpula. Os da Celac têm objeção a que o tema figure no Comunicado final do encontro.
A falta de sintonia neste assunto foi uma consequência do distanciamento mas tem outras.
De 2015 para cá, a China expandiu sua influência nos países africanos, ex-colônias europeias, e vem consolidando também sua presença e seus investimentos em países sul-americanos. Por isso a “redescoberta” da América Latina está no radar dos europeus e também no da diplomacia norte-americana.
Mas como a Celac não é um organismo, um bloco econômico com personalidade jurídica e regras econômicas próprias, como o Mercosul e a União Europeia, a cúpula vai discutir muito e decidir pouco. Estão na agenda temas como retomada da cooperação regional, clima e meio ambiente, inclusão social, retomada do crescimento pós-pandemia, migrações, regulação digital, enfim, tudo que importa no momento. Mas para que houvesse a discussão de um acordo comercial, a Celac teria primeiro que se constituir num bloco, e hoje isso é ainda uma utopia.
Lula tem a integração regional como linha forte de sua política externa e vai, é claro, defender um relacionamento mais efetivo entre Celac e Europa. Mas vai também fazer sua própria diplomacia presidencial. Há dezenas de pedidos de encontros bilaterais, alguns já acertados, entre eles com o rei e o primeiro-ministro da Bélgica. Outros estão sendo acertados. Ele terá também um encontro com um grupo chamado de “governantes progressistas”, que inclui Argentina, Chile, Colômbia, Portugal, República Dominicana, Alemanha, Dinamarca e Espanha.
Uma prioridade de Lula será aproveitar a cúpula para, no paralelo, impulsionar as conversas com Bruxelas sobre o acordo de livre comércio UE-Mercosul. Como é sabido, recentemente os europeus apresentaram uma lista de exigências que Lula rejeitou peremptoriamente na última reunião do Mercosul.
Afora exigências de natureza ambiental, eles querem, por exemplo, que não haja a exclusividade para empresas do Mercosul nas compras governamentais dos quatro países. Lula quer concluir o acordo logo, numa fórmula que ele chamou de “ganha-ganha”, que seja boa para os dois lados. E tem pressa porque hoje conta com o apoio do presidente do governo espanhol, Pedro Sanchez, estando a Espanha na presidência rotativa da EU. As eleições espanholas, entretanto, podem tirar Sanchez do cargo.
E haverá, finalmente, ganhos concretos. Em sinal de sua nova boa vontade, a UE anunciará a destinação ao Brasil, Chile e Argentina, pelo Banco Europeu de Investimentos, de 800 milhões de euros (cerca de R$ 4,8 bilhões) e projetos relacionados ao clima, como mudança energética, políticas para resíduos, modernização dos transportes públicos, entre outros. Isso fora os 35 milhões de euros anunciados há alguns dias para projetos brasileiros de preservação da Amazônia. É impressionante a capacidade de Lula para, aos 77 anos, fazer tantas viagens internacionais. Mas a diplomacia presidencial lhe importa tanto que parece não sentir. Importa a ele e deve importar ao Brasil, que voltou com tudo à cena internacional. Só temos a ganhar com isso.
TEREZA CRUVINEL ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)