OS DESAFIOS PARA O SEGUNDO SEMESTRE PARA O GOVERNO LULA

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

O segundo semestre tem tudo para garantir intensas atividades políticas, sem que falte a previsão de serem muitas delas desafiadoras, tanto para o governo como para a oposição. De forma alguma insinua ser período de grandes descansos, muito menos de ociosidade, a começa pelo fato de que, a partir de então, qualquer coisa que se fizer, no campo político-partidário, já exigirá olhares voltados para a campanha eleitoral que virá em 24. Dispensável lembrar que, com razoável antecedência, os atos dos governantes, sejam presidente, governadores e prefeitos, condicionam-se aos projetos de conquista do eleitorado futuro. Por exemplo, para citar caso imediato, diante dessa prioridade discute-se a ocupação de cargos do segundo e terceiro escalões, e por eles centenas engalfinham-se com entusiasmo. No âmbito federal anda pela casa dos 300 os cargos prontos para o acerto com quem tem os votos no Congresso; antes mesmo de chegarem as urnas, porque o peso de hoje já pode ser aferido para as convenções partidárias.

1 – São também de cobranças os próximos meses. O primeiro semestre do presidente Lula permitiu-se embalar expectativas, e é chegada a hora de resultados esperados para logo, como as responsabilidades no campo ambiental, que nos colocam sob holofotes de todo o mundo. Pois estão aí razões para perturbar o sono do governo, sem que tenhamos conseguido honrar a prometida e não alcançada estagnação das derrubadas e dos incêndios nas florestas, que, além de não interrompidos, escapam do Amazonas e avançam sobre o Mato Grosso. Acenos bem generosos foram feitos às populações indígenas, que chegaram a ganhar um ministério, mas vêm delas queixas sobre as explorações que praticam algumas ONGs estrangeiras. Questão delicada para o Planalto, que tem preferido ser simpático a ambas.

2 – No rastro das cobranças há um credor renitente, o Centrão, de fatura à mão, que sabe a força parlamentar que tem, decisiva nas votações, como ficou demonstrado recentemente na reforma tributária. Já se disse, sem contestação, que ele assumiu para si um papel suprapartidário, com capacidade para aprovar, derrotar ou obstruir, exercendo poder que as legendas tradicionais, isoladamente, não lograriam conseguir. Eficiente na prestação, não é menos ágil na cobrança de reciprocidades. Decorre disso uma dupla preocupação para o presidente, porque, além de prestigiar e contemplar novos e antigos apoiadores, incluídos agora bolsonaristas remidos, Lula ainda tem o trabalho de confortar companheiros radicais, teimosos em não aceitar que a vitória eleitoral de novembro não foi só deles, mas de uma ampla aliança. Têm de se convencer agora do que não se convenceram no primeiro semestre: o poder é do Centrão.

3 – Mas as relações com o Centrão, sempre pragmáticas, têm outra implicação, com tudo para se agravar nos meses que antecedem as eleições. Decorre que, por mais acessível e prestativo que seja o governo na hora de serem votadas matérias de seu interesse, chega o momento que as concessões balançam demais o erário. Como ficar comprando e pagando indefinidamente? Não há país que aguente esse escalpelo. Viu-se na semana passada, para azeitar a tramitação da reforma tributária: de um só lance, R$ 2,1 bilhões para emendas parlamentares, mas já com a futura cobrança de mais R$ 10 bi. O mal foi a criação desse custoso modelo de negociação, num balcão em que também fica exposta a cabeça de ministros mais vulneráveis. Rápido no gatilho, pede mais duas cadeiras no primeiro escalão, e vai ao segundo, para anunciar que também quer Correios e Embratur, numa agressão frontal ao PT, que para ali estendeu seus domínios. Parece inevitável que no semestre de grandes desafios para o presidente um deles é encontrar a forma de estabelecer dietas para controlar o apetite dos parlamentares.

4 – Arrastado, semanas a fio, já não há mais como preterir solução para o embate que o governo trava com a presidência do Banco Central, escudado em sua autonomia, mas acusado por manter taxas de juros num patamar impraticável, inibindo e comprometendo o desenvolvimento e as bases da política econômica. No impasse que se criou na relação com o gabinete de Campos Neto, se o objetivo é removê-lo, é prudente considerar as implicações. Não é algo que se esgota na canetada. Políticos responsáveis, quando criticam a rigidez dos juros salgados como forma de segurar a inflação, lembram ao Palácio do Planalto, em nome da contrapartida, que se contém o processo inflacionário também com o controle e o equilíbrio das contas do próprio governo. O que quer dizer: o Banco Central pode pecar numa postura inflexível, mas a gastança dos palácios tem sua parte na culpa do descontrole que se teme. Quantas semanas o país ainda terá de consumir essa discussão?

5 – Para rechear o novo semestre, não há quem negue o imperativo de linhas melhor definidas em relação à política externa. Nesta, é claro, o presidente Lula terá de ser mais cuidadoso com os pronunciamentos, nem sempre adequados quando ecoam mundo afora, já conhecidos certos tropeços que não fizeram bem à nossa diplomacia. Foi o que se deu em sua breve incursão na complexidade da guerra da Ucrânia e na inoportunidade das honras prestadas ao venezuelano Maduro, ditador que o mundo detesta.

Há quem sugira não levá-lo a sério, porque fala para o agrado de uma plateia cativa, que raramente se espanta com suas inconfidências. Mas há declarações que, mesmo cercadas de ressalvas e tentativas de serem espirituosas, podem espantar. Como também aconteceu ao se confessar orgulhoso por ser considerado comunista, a despeito de nenhuma vocação distributivista em relação aos bens pessoais. Só ingênuos e oposicionistas maldosos levam a sério a bravata, querendo saber quando Lula pensa inaugurar a estátua de Karl Marx na Praça dos Três Poderes?…

6 – Estando em pauta várias questões, algumas delas inevitáveis no correr dos próximos meses, vale acrescentar a previsão de que o presidente terá pela frente remover preocupações dos governadores nordestinos sobre o artigo 151 da reforma tributária. Criou-se um órgão para regular e julgar a distribuição dos recursos arrecadados, ante o evidente poder de pressão dos sulistas. Como convencê-los de que não se atenta contra a autonomia dos estados e nem manda para o espaço nosso já periclitante federalismo?. Tarefa difícil para qualquer eloquência.

7 – Tem mais. Consta que o vice Geraldo Alkmin manifestou simpatia aos empresários que pretendem entrar vigorosamente na exploração de jogos de azar e dos cassinos, ideia que há mais de três décadas escorrega nos gabinetes do Congresso. Não consegue prosperar por causa das resistências religiosas. Cabe lembrar que, além de óbices no campo legal, a proposta reacende protestos e excita a bancada evangélica, que nem aceita conversar sobre o assunto. Para quem sempre tem maiorias apertadas nas casas legislativas pode ser mais um problema a enfrentar.

WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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