O Banco Central divulgou nesta 6ª feira, 30 de junho, as estatísticas fiscais consolidadas do setor público em maio, compreendendo o governo central (que inclui o Banco Central, o INSS e o Tesouro Nacional), os governos estaduais e municipais e as estatais. Houve um déficit primário (receitas menos despesas, sem considerar os juros da dívida pública) de R$ 50,172 bilhões, um aumento de 52% frente ao déficit de R$ 32,993 bilhões de maio de 2022.
O déficit maior, de R$ 43,2 bilhões, foi no Governo Central, seguido pelos R$ 6,8 bilhões nos governos regionais e de R$ 168 milhões nas empresas estatais. Nos 12 meses até maio, o setor público consolidado obteve superávit de R$ 39,0 bilhões, equivalente a 0,38% do PIB, ainda com efeitos da alta arrecadação do 1º semestre de 2022. Já no 2º semestre, com os cortes temporários e eleitoreiros (até 32.12.2022) dos impostos federais e do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, a arrecadação caiu, o que se agravou com a desaceleração da economia, causada pelos altos juros, situação que perdura até o momento.
Examinando as contas pelo resultado nominal, que inclui os juros, os números são assustadores. O déficit de R$ 119,2 bilhões em maio mais do que dobrou em relação a maio de 2022 (+137,6%). No acumulado em 12 meses, o déficit nominal alcançou R$ 656,5 bilhões, num aumento de R$ 156 bilhões frente ao montante acumulado nos 12 meses encerrados em maio de 2022.
O assustador é que os juros são os números das contas públicas que mais crescem no país. Com a desaceleração econômica causada pelo freio de mão puxado do Banco Central, na tentativa de acertar a inflação dentro do teto da meta (3,25% este ano + 1,50% de tolerância = 4,75%), o BC provocou o encolhimento do PIB (o crescimento de 1,9% do 1º trimestre veio da colheita da supersafra plantada em 2022 e seus efeitos nos transportes e serviços em geral, além da redução da inflação).
Com os juros crescendo em termos reais e o PIB desacelerando, as relações dívida/PIB pioraram: o peso dos juros de janeiro a maio de 2021 (a Selic subiu em 5 de maio de 2,75% para 3,50% e chegou a 13,75% em agosto de 2022, sendo mantida até 21 de junho) era de 3,75% do PIB, salta para 4,873% do PIB em maio de 2022 quase dobra para 6,87% em maio deste ano.
1% de Selic custa R$ 42,9 bilhões
O Banco Central informa em nota técnica em anexo do resumo sobre o resultado fiscal de maio que cada 1 ponto percentual de aumento da Selic a cada 12 meses representa um custo de R$ 42,9 bilhões para a dívida líquida do setor público total (estão excluídos do cálculo, os papéis do Tesouro Nacional e dos estados e municípios em poder da carteira de “open market” do Banco Central). Em cada um ponto a mais de IPCA, o impacto nos papéis com juros e correção pela inflação aumenta em R$ 17,4 bilhões a dívida líquida.
O aumento brutal da taxa Selic gera um endividamento em bola de neve que deteriora todos os indicadores de sustentabilidade da dívida. De certa forma, o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, percebeu isso no desespero de tentar medidas eleitoreiras para reverter o avanço de Lula nas pesquisas frente ao presidente Bolsonaro a partir de abril do ano passado. Por isso, Guedes passou a tesoura nos impostos da gasolina, diesel, GLP e energia elétrica. A arrecadação crescera muito pela inflação decorrente da guerra na Ucrânia.
INSS reage, juro cresce
Entre as medidas eleitoreiras tomadas pelo governo Bolsonaro no fim de 2021, antes de a Rússia invadir a Ucrânia, em 24 de fevereiro, estava o calote nos precatórios (sentenças judiciais, transitadas em julgado contra a União), que foram suspensos em 2021 e 2022, com protelação nos pagamentos, para garantir mais gastos em ações eleitoreiras.
Parte do forte crescimento do déficit federal em maio, que atingiu R$ 45 bilhões, aponta o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, ”reflete o aumento de despesas, com destaque para os gastos com precatórios – que em 2023 se concentraram em maio. Apesar dos efeitos de alteração de calendário, a despesa tem ficado em linha com o esperado e deve acelerar nos próximos meses”, diz o banco, que aponta boa arrecadação de receitas ligadas ao avanço da massa salarial e à regularização do emprego com carteira.
A recuperação das contas da Previdência Social mostra não os efeitos da reforma previdenciária de 2019, mas a recuperação dos empregos com carteira assinada em 2022 e 2023. O aumento do déficit em 2021 atesta isso. Mais importante, contudo, é examinar dentro dos gastos públicos o que foi economizado com corte nos gastos sociais (retomados no governo Lula). A comparação entre o avanço dos gastos com juros da dívida (pagos aos bancos e aos rentistas das classes A, B e C), contrasta com o corte das despesas nos gastos destinados às mais numerosas classes D e E.
A opção preferencial pelos mais ricos da gestão Bolsonaro, pela dedicação de mais programas sociais à faixa da população mais pobre e carente, segue incompleta porque a resistência do Banco Central em baixar os juros faz os gastos com os juros engolirem todo o esforço fiscal. E a reforma tributária, com o redesenho da tributação (hoje concentrada no consumo) para a renda e o patrimônio, será o grande eixo da mudança.
Campos Neto “Rolando Lero”
Seria cômico se não fosse trágico o esforço do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para tentar explicar ontem, quando da divulgação do Relatório Trimestral de Inflação do 2º trimestre, o desencontro entre o Comunicado do Comitê de Política Monetária do BC, após a reunião de 21 de junho, que manteve a Selic, “por unanimidade”, em 13,75% ao ano, e a Ata divulgada na 3ª feira, 17 de junho, que indicou “tendência predominante” de posições a favor de início de baixa dos juros em agosto”.
Uma conclusão de tal importância não devia ser guardada para a Ata e sim revelada no comunicado. Ficou um vácuo de quatro dias úteis propício ao uso de informações privilegiadas. Afinal, cerca de 50 funcionários do BC participaram da reunião.
Para explicar a mancada do BC, Roberto Campos Neto fez tal ginástica retórica que parecia o “Rolando Lero” criação do saudoso Rogério Cardoso.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)