Um dos grandes heróis da Europa que se bateu contra o nazifascismo, durante a Segunda Guerra, foi, com certeza, o mítico Marechal Josip Broz Tito (1892 – 1980), comunista histórico, nascido na pequena localidade croata de Kumrovec, quando a Iugoslávia ainda fazia parte do Império Austro-Húngaro. Tito e seus ‘partisans’, sem ajuda dos aliados, contando apenas com a simpatia e solidariedade do premier britânico Winston Churchill (1874 – 1965), conseguiu expulsar dos territórios iugoslavos da Península dos Bálcãs as tropas de ocupação da Alemanha – para além de derrotar as fortes milícias nacionais, sobretudo croatas, que combatiam ao lado dos germânicos.
Tito reconstituiria, ao final do conflito, o Reino da Iugoslávia, proclamando, porém, a República da Iugoslávia, integrada pela Sérvia, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Bósnia-Herzegovina e Macedônia (atual Macedônia do Norte). O líder iugoslavo esteve na Grande Guerra defendendo o Império Austro-húngaro e acabara prisioneiro em Moscou, onde, com a Revolução de 1917, passaria a lutar pelos bolcheviques e se tornaria comunista. Governaria com mão de ferro a Iugoslávia até sete de janeiro de 1980, quando, por problemas renais, enquanto visitava Liubliana, capital da Eslovênia, foi internado às pressas, vindo a falecer, quatro meses depois.
Houve uma comoção mundial e o seu sepultamento, em Belgrado, reuniu chefes de estado de todos os continentes. Só superado, decorridos 25 anos, nas exéquias do Papa João Paulo II (1920 – 2005). Eu era correspondente em Roma de O Globo e havia sido designado pelo meu querido Editor Internacional, Guilherme da Cunha, para cobrir o calvário do Marechal Tito. Por isso, muitas vezes, naquele período, permanecia semanas inteiras entre Liubliana e Belgrado – acompanhando a condição de saúde do comandante iugoslavo e especulando, junto a fontes do regime, sobre o que aconteceria no país após sua morte.
Liubliana é uma cidade preciosa e distante 100 quilômetros da adorável e cosmopolita italiana Trieste. Sabíamos que a federação de repúblicas remontada por Tito se equilibrava precariamente e poderia explodir, como explodiu, depois seu desaparecimento. O velório durou cinco dias e foi realizado na sede do Parlamento na capital iugoslava – após o corpo ter viajado de trem desde Liubliana. Todos os enviados especiais, como eu, registrávamos, dia e noite, a passagem de autoridades estrangeiras que desfilavam em torno do esquife. Escrevíamos os artigos, geralmente, ao cair da tarde, e despachávamos, via telex.
Numa dessas noites, na véspera do enterro, logo depois do jantar, fumando um legítimo charuto cubano, comprado em Lisboa, eu e o saudoso amigo Pedro Del Picchia, da Folha de S. Paulo, fomos ver as enormes filas formadas para a última despedida. Fomos surpreendidos por uma patrulha do exército. Os soldados falavam somente servo-croata e nós respondíamos com a única frase que conhecíamos no idioma deles, algo como, “somos brasileiros”. Eles, em seguida, nos puseram num jipe e nos levaram para dentro do Parlamento. Quando percebemos, estávamos diante do caixão. Foi hasteada a bandeira brasileira e soaram os acordes do Hino Nacional. Fomos apresentados como a delegação do Brasil.
Del Picchia e eu, àquela hora, cerca de meia-noite, não estávamos completamente sóbrios. Eu tentava esconder entre os dedos o ‘habano’ e impedir que o meu colega da Folha, entusiasta do regime titoísta, cantasse a Internacional Comunista. Por sorte, ficamos só dois minutos em frente do corpo de Tito e o cerimonial fez sinal para que deixássemos o local. Ufa! Respirei fundo e voltamos ao hotel. Tínhamos, no dia seguinte, afinal, uma longa jornada, com a cobertura do funeral. A aventura daquela noite em Belgrado permaneceria inédita até a publicação desta coluna.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador