CAMPOS NETO VERSUS KEYNES, FAÇA SUA ESCOLHA

CHARGE DE AMARILDO

O presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos Neto, deu mais uma demonstração de insensibilidade, em palestra, na 2ª feira, perante líderes do comércio varejista no Instituto de Desenvolvimento do Varejo. Diante das exortações para a baixa imediata dos juros (o piso do juro fixado pelo BC, a Selic, está estacionada em 13,75% ao ano desde 3 de agosto de 2022, mesmo com as sucessivas quedas da inflação, o que gera alta do juro real), Campos Neto disse que os indicadores de inflação estão cedendo, mas é preciso ter paciência. E arrematou:

“Quando voltar aqui, em 2024, e que “a avaliação, olhando em retrospectiva, das senhoras e senhoras vai ter sido positiva”.

Foi imediatamente atalhado pela empresária Luiza Trajano. A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e membro do “Conselhão” do governo Lula, que reúne empresários e sindicalistas para amplas discussões de projetos nacionais, repetindo o papel crítico do vice-presidente de Lula em seus dois mandatos anteriores, José Alencar Gomes da Silva, fundador da Coteminas, a maior indústria têxtil e de confecções do país, que vivia martelando pela baixa dos juros, defendeu a baixa imediata da Selic e advertiu:

“Vai ter muita gente quebrada [até 2024]”.

De fato, os indicadores da Pesquisa Mensal de Varejo de abril, divulgada nesta 4ª feira pelo IBGE, apontaram aumento de 0,1% no volume do varejo em abril (4ª alta seguida), acumulando alta de 1,9% no ano. Entretanto, as vendas de móveis e eletrodomésticos (especialidade da Magalu) e que dependem de crédito, caíram 0,5% em abril.

Pior comportamento foi do Varejo Ampliado, que encolheu 1,6% no mês, mas ainda ostenta alta de 3,3% no ano. As vendas de veículos, motos e autopeças caíram 5,9% diante da espera pelas medidas de incentivo ao carro popular, e as vendas de materiais de construção encolheram 0,8%. Só o volume das vendas no Atacarejo (que envolvem alimentação) cresceu 3,1% no ano.

“A médio prazo, estaremos mortos”

O pedido de paciência do presidente do Banco Central, me lembra uma das famosas frases do genial economista inglês, John Maynard Keynes: “A médio e longo prazos, estaremos todos mortos”. Se Campos Neto tivesse convivido mais com seu avô, Roberto de Oliveira Campos, um dos fundadores do BNDE, em 1952, e do Banco Central, criado em 31 de dezembro de 1964, quando ministro do Planejamento, em companhia do ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, entenderia a urgência das políticas econômicas, que devem visar o bem comum das sociedades.

Keynes nasceu em 1883 e morreu em 1946. Roberto Campos nasceu em 1917 e faleceu em 2001, com tempo suficiente para absorver os ensinamentos econômicos keynesianos, que foram a inspiração do “New Deal” do presidente Roosevelt, que tirou os Estados Unidos da grande depressão de 1929-32. Os maciços investimentos em infraestrutura modernizaram a economia e a sociedade americanas. Aqui, serviu de inspiração ao BNDE, à criação da CSN, à Petrobras, todas no governo Vargas, e ao Plano de Metas do governo JK.

Já Campos Neto, nascido em 1969 (completa 54 anos dia 28 de junho) se formou em Economia em 1993 na Universidade da Califórnia (Los Angeles), onde foi professor adjunto em 1992, e concluiu a pós-graduação na mesma universidade em 1995. No ano seguinte iniciou carreira de operador de títulos públicos e privados no Banco Bozano, Simonsen, onde conheceu Paulo Guedes e chegou a operador de títulos de renda fixa internacional em 1999.

Neste ano, o Bozano é comprado pelo espanhol Santander e Campos Neto prosseguiu sua carreira de “trader” na filial brasileira do banco de Ana Botin. Ele passa dois anos no Claritas, grupo financeiro internacional (2004 a 2006), e volta ao Santander em 2006, onde vira diretor de Tesouraria nacional e para toda as Américas após a compra do Banco Real/ABN Amro pelo banco espanhol em 2008. Uma carreira mais de operador que de estudioso.

Mercado prevê baixa em agosto

O Fed deve hastear a bandeira branca dos juros hoje, o que dará espaço de uma semana (e não as habituais três horas) para o mercado brasileiro reagir (no dólar, sobretudo, que caía mais 0,41% a R$ 4,84, por volta das 12h30). Isso amplia o diferencial dos juros favorável às operações de arbitragem de juros no Brasil (a especulação de investidores estrangeiros, sobretudo capitais de brasileiros em empresas “off-shore” de paraísos fiscais que lucram muito).

Para a LCA Consultores a ”Selic deverá será mantida nos atuais 13,75% na reunião do Copom do próximo dia 21”, mas a consultoria “espera que a autoridade comece a abrandar sua retórica, reconhecendo a melhora na evolução da inflação”. [já não era sem tempo]. Continuamos a projetar que um ciclo de gradativa flexibilização monetária será iniciado no 3º trimestre do ano, provavelmente já na reunião do Copom do começo de agosto. Os desenvolvimentos alvissareiros recentes têm reforçado perspectivas de “aterrisagem suave” no ambiente global e doméstico”, diz a LCA

Para a LCA, “a perspectiva de “pouso suave” nos EUA é um dos fatores que tem ajudado a aliviar o câmbio doméstico nas últimas semanas. Mas a moeda brasileira vem apresentando valorização mais expressiva em comparação com a média de outras economias emergentes. Avaliamos que essa maior valorização relativa de nossa moeda ocorre por dois motivos principais: (i) pelo elevado diferencial de juros doméstico-externo, que, num contexto de contida aversão global ao risco, tende a atrair capitais de curto prazo; e (ii) pela diluição, ainda que parcial, das incertezas fiscais – reflexo do avanço na tramitação do arcabouço fiscal, que reduz o risco de uma dinâmica explosiva da dívida pública”.

Essa apreciação da moeda brasileira vem se somar à consistente descompressão de custos que vem sendo observada nas cadeias globais de produção para suscitar um expressivo alívio da inflação no atacado doméstico – que nos últimos meses vem registrando deflação de intensidade inédita na série histórica iniciada em meados da década de 1990. O varejo também vem mostrando sinais algo mais consistentes de desaceleração. As medidas de núcleo da inflação ao consumidor seguem resilientes, mas começam a mostrar alguma descompressão – o que, junto com a forte deflação no atacado e a valorização cambial, tem suscitado revisões para baixo nas projeções de inflação, sobretudo para 2023, mas também, em menor medida, para os anos seguintes.

A LCA assinala que os setores econômicos mais sensíveis às condições monetárias e à política fiscal vêm perdendo fôlego, sinal de que a expressiva elevação da taxa básica Selic promovida entre março de 2021 e agosto de 2022 vem exercendo pressão contracionista sobre a atividade.

Nesse contexto, reforçam-se as apostas de que o Copom deverá começar a reduzir a taxa básica Selic em horizonte não muito distante. A perspectiva consensual nos mercados é de que a Selic será mantida nos atuais 13,75% na reunião do Copom do próximo dia 21 de junho – perspectiva que partilhamos. Mas há expectativa de que a autoridade comece a abrandar sua retórica nos documentos de política monetária, reconhecendo desenvolvimentos favoráveis no campo da inflação e preparando o terreno para o início de uma flexibilização”.

O Banco Central está parecendo o bombeiro que só chega para os trabalhos de rescaldo.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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