O governo tem todas as condições de recuperar os pontos perdidos e de ir até um pouco além daquele patamar inicial.
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A terceira pesquisa do IPEC, divulgada na semana passada, que mostra uma queda de 4 na avalição de bom e ótimo em relação a primeira pesquisa divulgada em março, passando de 41% para 37%, e o ganho de 4 pontos de ruim e péssimo, passando de 24% para 28%, não é nem satisfatória e nem desastrosa. Está dentro de certa razoabilidade. Não pode ser comemorada e deve servir de alerta. Também não dá para comemorar o regular de 32%, como fizeram alguns ministros.
Os números, de fato, permitem várias leituras. Em parte, expressam a divisão política do país que se consolida nos três terços, mas cujo terço do meio vem sendo polarizado pela extrema direita e pela centro-esquerda. Esta divisão sinaliza que as avaliações positivas superlativas que Lula alcançou no passado dificilmente se repetirão. Muita coisa mudou: mudou a forma de fazer política agora mais intensa nas redes sociais, mudou o Congresso que ganhou mais autonomia em relação ao Executivo, mudaram os partidos que passaram a ter interesses próprios e mais fortes pelo domínio recursos públicos e mudou a conformação espacial do espectro ideológico, que agora tem uma direita extremada que veio para ficar.
Por outro lado, os números indicam também a conjuntura difícil e complexa deste início de mandado de Lula, em parte definida pelos ingredientes apontados acima, em parte pela tentativa golpista e em parte por um horizonte mais limitado do próprio governo e de alguns erros que cometeu. Nesses quase seis meses, o governo se empenhou numa agenda restauracionista de políticas públicas e sociais do passado. Políticas necessárias, mas que tiveram pouco impacto em termos de apoio popular, em parte porque incidiram sobre apoiadores consolidados de Lula e, em parte, porque não representaram grandes inovações em relação a expectativas novas.
Quanto aos erros, alguns se referem ao fato de que o governo comprou algumas pautas que, se sabia previamente, seriam derrotadas no Congresso. Outros consistiram em transformar agendas positivas em negativas: defender a paz na guerra na Ucrânia era e é positivo, mas a forma como feito, se transformou em algo negativo; realizar a reunião dos presidentes sul-americanos em Brasília e reintegrar a Venezuela era positivo, mas o tratamento dado a Maduro resultou num desfecho negativo.
O governo tem todas as condições de recuperar os pontos perdidos e de ir até um pouco além daquele patamar inicial. Basta se ajudar, pois tudo indica que nos próximos meses haverá uma conjuntura mais positiva. Claro, iniciativas como o programa Desenrola, a reativação e ampliação da Farmácia Popular, a reestruturação do Minha Casa Minha Vida, o salário mínimo com ganhos reais, o reajuste da tabela do IR, etc., também ajudarão.
Mas a ajuda maior virá da economia. A feroz tacha de juros praticada pelo Banco Central está fazendo com que a inflação comece a ceder. Aqui as vantagens serão duas. A primeira, em relação à própria inflação. Hoje as famílias gastam 65% de sua renda com itens essenciais. A redução da inflação deverá reduzir essa porcentagem e melhorar o gasto das famílias. Em segundo lugar, a queda da inflação permitirá uma queda sustentável também da taxa de juros, o que incidirá positivamente sobre a economia e sobre o próprio consumo.
Por outro lado, o crescimento econômico deste ano e do próximo ano deverá ser maior do que vinha sendo projetado. O crescimento econômico deverá ser favorecido também pelo ambiente externo: a recessão nas principais economias globais que vinha sendo projetada não deverá acontecer. Desta forma, a exportação de commodities deverá ser favorecida, o que provocará um impacto positivo na balança comercial do Brasil e na conta corrente, com robustos superávits. O próprio investimento estrangeiro direto (IED) deverá crescer significativamente.
Quer dizer, o governo precisa se aproveitar desse novo ambiente econômico que se vislumbra com dois movimentos. O primeiro diz respeito a sanar os erros que vêm sendo cometidos: azeitar melhor a relação com o Congresso, melhorar a articulação política e a comunicação, não apostar em pautas que serão derrotadas, adotar avaliação de risco tanto em relação às apostas político-administrativas, quanto aos discursos retóricos.
A política não comporta nem ações, nem discursos e condutas de natureza espontânea. A política sempre foi associada com direção e sentido, com escolhas estratégicas. O governo, o presidente e seus ministros precisam evitar erros e maximizar acertos. Quem comanda deve orientar-se por esta diretriz. O governo deve saber que seus inimigos sempre estarão a espreita para se aproveitarem dos mínimos erros. Vivemos em tempos conturbados e sombrios, cheios de riscos, que não permitem erros.
O segundo movimento que o governo deveria fazer consiste em ser mais proativo em políticas inovadoras e indutoras de desenvolvimento tecnológico, cientifico e educacional orientadas pela mudança do paradigma energético, do modo de produzir e de viver em sociedade. A intensificação das tragédias ambientais obrigará as economias dos países a desencadearem corridas aceleradas rumo a essas mudanças. A chamada política de reindustrialização também deveria orientar-se por essa mudança de paradigmas. Estamos assistindo uma nova revolução tecnológica baseada nas transformações digitais e na inteligência artificial. O governo parece ter poucas ideias para ingressar com força nessa corrida. Não basta defender a preservação da Amazônia, pois isto seria apenas um ativo passivo.
As mudanças dos paradigmas energético, produtivo e social são irreversíveis. O sentido de urgência dessas mudanças é desesperador. Nos últimos dias a face ameaçadora do apocalipse ambiental se fez visível em Washington e Nova York. O Brasil precisa sair da letargia e ingressar com urgência, ativismo e competência nessa corrida pelas mudanças. É aqui o lugar onde o governo precisa mostrar que a sua fantasia está no futuro e não no passado.
ALDO FORNAZIERI ” BLOG JORNAL GGN” / ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.