Identificar os objetos vistos, analisar as relações espaciais entre os objetos, lembrar o visto em uma imagem e compará-lo com o apreendido
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Eu não apreciei o conteúdo da reportagem de Diego Viana no Valor-Eu& (09/06/23): O que está por trás da cultura de juros altos? Macroeconomistas buscam correlações doutrinárias com a variável-chave dos seus credos, recontam a conhecida história anterior à adoção do regime de metas de inflação e nada dizem sobre o posterior conflito de interesses dos membros do COPOM em suas decisões arbitrárias: 1% de juros ao mês sobre suas fortunas de Private Banking é superior a renda do trabalho deles… Autonomia para determinar seu maior enriquecimento pessoal é bom, né?
No meu livro Métodos de Análise Econômica (Contexto, 2018), eu analisei a sete hipóteses usuais sobre a disparatada taxa de juro básica brasileira, levantadas no debate público midiático. Costumeiramente, ele não é plural por não incluir economistas social-desenvolvimentistas ou “petistas”.
Uma divertida analogia seria com “o jogo dos 7 erros”, onde diversas funções cognitivas estão envolvidas em um tipo de exercício mental para aplicar várias aprendizagens. Tem de identificar os objetos vistos comparativamente, analisar as relações espaciais entre os objetos, lembrar o visto em uma imagem (no caso, “corrente de pensamento econômico”) e compará-lo com o apreendido na outra, usar sua memória periférica (de curto prazo) e, finalmente, anotar os locais (ou as causas) onde você vê a diferença.
1º Erro (dos “fiscalistas”): a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa da “crise fiscal” e consequente dívida pública. A correlação entre política de juro e gasto com os encargos financeiros, exigidos pelos títulos de dívida pública (TDP), despertou a imaginação criativa de alguns colegas no sentido de inverter a relação causa-efeito.
A receita definitiva seria superar o déficit nominal do setor público. Sem elevação da carga tributária e monetização fica difícil buscar a queda da relação dívida/PIB. Tenta-se, em vão, obter superávit primário suficiente para resgatar TDP e/ou cobrir os encargos com os juros. Em um círculo vicioso, com os apertos na política fiscal e monetária, ficam difíceis conceder incentivos fiscais aos investimentos com a finalidade do crescimento do PIB e da arrecadação fiscal.
Atacando o efeito (déficit nominal), resolveria a causa (juros elevados)? Possibilitaria a redução da taxa básica de juros, devido à melhoria do poder de barganha do Tesouro Nacional diante dos carregadores de TDP nos leilões primários? Os “fiscalistas” focam esses leilões como determinantes do juro alto em vez de responsabilizar os leilões secundários (open-market), realizados pelo Banco Central para colocar a Selic-mercado no nível da Selic-meta anunciada.
Os “fiscalistas” propõem o gradual alongamento do prazo médio da dívida pública, reduzindo então o risco de refinanciamento. Com a consequente redução da SELIC se criaria um círculo virtuoso, dada a menor necessidade de emissão de novos TDP curtos, gerando novas ampliações no prazo da dívida pública federal.
2º Erro (dos “novos monetaristas”): a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa do histórico de alta volatilidade da taxa de inflação. Dada a memória inflacionária, por causa do trauma social de convivência em regime de alta inflação durante três décadas (1964-1994), há correlação causal entre inflação alta e juros altos.
A taxa de juros sempre foi elevada em nome de controle da demanda agregada para puxar a inflação para baixo. Antes, a estratégia monetarista de programação da oferta monetária não servia para o combate ao elevado patamar da inflação inercial, muito menos contra a inflação acelerada, resultante das tentativas e erros com choques de estabilização via realinhamentos compulsórios seguidos de congelamentos de preços.
Com reservas cambiais, para estabilização da taxa de câmbio, e troca de moedas houve, através do Plano Real, a queda da taxa de inflação. Há quase três décadas, eleva-se a taxa de juros a níveis muito altos todas as vezes quando há qualquer leve ameaça de retomada do processo inflacionário. O trauma virou “ganha-pão” de muitos.
3º Erro (dos “neoclássicos”): a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa da esterilização do impacto monetário da ampliação das reservas cambiais em situação de escassez de poupança governamental. Para evitar a apreciação excessiva da moeda, o Banco Central esteriliza a moeda emitida, para a compra de reservas internacionais, por meio de operações compromissadas lastreadas em TDP colocados em circulação.
Segundo os adeptos da “doutrina da poupança forçada”, a poupança externa aliviaria a restrição de poupança governamental interna caso a moeda pudesse flutuar livremente sem intervenção esterilizadora para evitar a sua apreciação. Se a moeda nacional fosse apreciada, ampliaria o recurso à “poupança externa” (déficit no balanço de transações correntes) e abriria espaço para a redução da taxa de juros. É simples assim…
Em economia plenamente aberta, a competição com produtos importados mais baratos frearia a inflação brasileira à custa da queda da produção nacional e da elevação do desemprego no País. Essa estratégia desnacionalizante tem viabilidade política?
4º Erro (dos “cambistas”): a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa da necessidade de regular a expectativa dos investidores quanto à taxa de câmbio. O cupom cambial é a expectativa de depreciação da moeda nacional, provocada pela saída líquida de capital. Para o Brasil não virar a Argentina, há disparidade dos juros internos.
Não somente os fluxos de entrada e saída de capital, muitas vezes por fatores alheios a aspectos domésticos, tais como as mudanças nos ciclos de liquidez internacional, são exigentes de maior diferença entre o juro interno e o juro internacional. Tem de haver um expressivo custo de oportunidade para quem deixar de aplicar em TDP para aplicar em dólar. O juro disparatado evita a dolarização dessa economia subalterna.
Outra fragilidade institucional apontada era a falta de completa independência do Banco Central. É o argumento de PhDeuses neocolonizados com viés de admiração por instituições estrangeiras. Expressam seu desejo de mimetismo brasileiro do 1º mundo.
6º Erro (dos “neoliberais”): a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa da overdose necessária para sobrepor-se ao crédito direcionado. A taxa de juros básica fixada pelo Banco Central não atinge as principais linhas de créditos direcionados, como no caso do crédito imobiliário e à infraestrutura, e mesmo o consignado. No crédito com recursos livres, para os consumidores brasileiros importa não tanto a taxa de juro, mas sim “se a prestação cabe no bolso”, ou seja, o prazo do financiamento.
O crédito direcionado com taxas subsidiadas fomentaria a demanda agregada, daí a taxa de juros controlada pelo Banco Central necessita ficar ainda mais alta para conter a demanda por crédito e a demanda agregada em um nível consistente com a meta de inflação. Essa hipótese neoliberal é paradoxal: a taxa de juros (básica) é alta porque existem (outras) taxas de juros baixas!
7º Erro (dos “financistas”): a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada é por causa da dependência de trajetória do resultado não operacional ou renda do capital.
Não há possibilidade real de um definitivo realinhamento dos preços relativos básicos Câmbio-Lucro-Juro-Tributo-Salário (CLJTW), mas sim um processo contínuo, dinâmico e complexo de busca de um idealizado e jamais alcançado “equilíbrio geral estável” com perene estabilização inflacionária. Esta é a eterna responsabilidade dos policy-makers.
Os agentes econômicos teriam, então, se viciado em operar com juros elevados, tornando-se dependentes dessa droga, cuja desintoxicação é penosa, mas imprescindível para se levar uma vida normal. Essa “crise de abstinência”, porém, não ocorrerá enquanto seu abastecimento for providenciado pelo pool COPOM-Mercado.
O setor produtivo, estrategicamente, opera com elevados recursos líquidos em caixa para autofinanciamento – e não depender de crédito bancário. Sua receita financeira contribui para a viabilidade de muitos negócios.
É possível obter um “reequilíbrio estável” entre CLJTW sem elevação da taxa de inflação? Ora, esses preços relativos básicos nunca se mantiveram em equilíbrio estável, mesmo porque os juros elevados aguçam o conflito distributivo.
Caso contrário, os demais recebedores de renda (salários, lucros, aluguéis etc.) teriam de se conformar com a perda de posição relativa em status social e/ou padrão de vida. Os próprios membros da casta dos sábios tecnocratas de passagem pela diretoria do Banco Central do Brasil não teriam um conflito de interesses? Não deviam se declarar eticamente impedidos de fixarem a disparatada taxa de juros em relação às do resto do mundo a seu favor e contra o crescimento da renda e dos empregos dos demais?
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.