O IPCA de maio, com alta de apenas 0,23%, após 0,61% em abril, surpreendeu o mercado financeiro, que esperava em média 0,33% (o Itaú previa 0,31%, o Bradesco 0,32% e a LCA Consultores 0,35%). Alimentação e Bebidas, que subiu só 0,16%, após 0,71% em abril, e Transportes (-0,57%, contra +0,56% em abril), por influência de passagens aéreas (-17,73%) e Combustíveis (-1,82%, sendo de -1,93% na gasolina), seguraram a inflação, que caiu de 4,18% para 3,94% em 12 meses, a menor taxa desde os 3,92% de outubro de 2020.
Isso coloca mais pressão na reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, dia 21. Os números baixos da inflação corrente batem de frente com a posição defensiva dos membros do Copom, que insistem em manter a Selic em 13,75% ao ano desde 3 de agosto de 2022, temendo um repique inflacionário de julho a setembro, já que houve deflação de 1,32% neste período em 2022 quando o governo cortou os impostos federais e estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações para tentar reeleger Bolsonaro.
O repique não veio na reoneração dos impostos, que foi parcial, desde março, e não se desenha para o próximo trimestre. Nas projeções do mercado financeiro (antes do IPCA de maio), o repique da inflação em 12 meses não passaria de 5,70%. Além da queda dos preços dos alimentos (óleo e gorduras -10,45% no ano; carnes – 3,87% em 2023; aves e ovos -1,60%, sendo que o frango inteiro baixou 1,80% em maio; e frutas – só o preço do mamão caiu 11,8% mês passado) o fato de a Petrobras ter batido em maio, com 95%, o recorde na capacidade de utilização de suas refinarias (desde 2015), corrobora a visão de que a estatal não medirá esforços para ajudar a segurar a inflação.
Com a inflação sob controle não haverá mais desculpa para o Banco Central protelar a queda dos juros, sobretudo se o Senado aprovar o Arcabouço Fiscal antes da reunião do dia 21 de junho, quando se espera que o Federal Reserve dê uma trégua no processo de alta dos juros americanos, diante dos sinais de queda da inflação. Se lá eles estão visíveis, imagine aqui.
A verdade é que a inflação tem caído desde fevereiro, com o impacto da safra e do não reajuste integral dos impostos, quando chegou a 5,60%. Entretanto, com a Selic estacionada em 13,75%, o juro real, que fechou em 2022 em 7,52% (descontada a inflação de 5,79%), sobe mensalmente. Agora está em absurdos 9,43%, descontada a inflação de 3,94% em 12 meses. Para não ficar feio na fita, o Copom deveria dizer no comunicado ao final da reunião que os sinais da biruta mudaram para ventos favoráveis e que há condições de reduzir os juros numa próxima reunião, em 2 de agosto. Eu faria baixa de 0,50%, já.
Os números da inflação de maio mostraram ainda forte desaceleração no índice de difusão, de 66% em abril para 56% em maio, a menor taxa em três anos. O mercado financeiro gosta de dividir a composição da inflação por núcleos: o IPCA-EX3, núcleo de industriais e serviços subjacente, atingiu 6,0% na média móvel de três meses dos dados dessazonalizados e anualizados (MM3M SAAR), segundo o Itaú, que se mostrou surpreso pela desaceleração dos preços da alimentação em domicílio (depois de +0,73% em abril, o índice ficou estável). A alimentação fora também desacelerou, de 0,66% para 0,58%.
Influência das safras
O custo da alimentação no Brasil guarda referência com as safras de grãos e o clima. Quando há uma grande colheita, caem os preços dos cereais (caso da soja e do milho), que impactam os preços dos óleos e gorduras e influenciam para baixo os preços das rações animais, baixando os custos da criação de aves, suínos e gado leiteiro. Mas os impactos do clima (chuvas em excesso no verão estiagem e frio) são de curto prazo e sazonais. Hortaliças, legumes e frutas também sofrem com o clima.
No ano passado, de janeiro a maio, o item Alimentos e Bebidas subiu 7,55% e, junto com a escalada dos combustíveis, levou a inflação a bater em 4,78% em maio. Este ano, os alimentos acumulam alta de apenas 1,69%, ajudando a segurar o IPCA em 2,95% nos primeiros cinco meses do ano.
Antes da difusão do confinamento de bois na engorda (com uso de subprodutos das lavouras no Centro-Oeste) e da expansão da silagem para vacas leiteiras, os preços tendiam a subir desde o final do ano anterior, com a frustração das safras (colhidas no 1º trimestre). A influência do clima era muito maior no passado sobre os preços da carne bovina (e as de frango e porco). O preço da alimentação no varejo se mantinha mais em alta que em baixa. Este ano mudou e, junto com a contenção dos preços dos combustíveis pela nova política de preços da Petrobras, pode ter efeitos psicológicos importantes.
Minha experiência indica a forte influência na formação dos preços dos serviços (núcleo pelo qual o Copom costuma se guiar para medir a temperatura da inflação) por dois indicadores: 1 – o preço do prato feito, o popular PF; 2 – o preço da gasolina. Quando ambos sobem, pedreiros, eletricistas, gasistas, manicures, cabelereiros, enfim, uma miríade de prestadores de serviços sobe imediatamente suas tabelas. Quando o PF e a gasolina caem, mesmo que os serviços não sejam aumentados, sua estabilidade já ajuda a conter a inflação.
Inflação corrente X passada
Sem dúvida os preços correntes estão em baixa. Então, por que a inflação não desaba? É que um outro fator limita a queda geral da inflação: o ainda alto grau de indexação da economia brasileira, com muitos preços, sobretudo os monitorados, itens que obedecem a calendário mensal de reajustes pela inflação passada. Em abril, na inflação de 0,61%, os preços monitorados subiram 0,86%; no IPCA de 0,23% em maio, os monitorados subiram 0,72%.
Os maiores fatores de alta na inflação de maio foram os reajustes vinculados a reajustes de tarifas pela inflação passada. Os Planos de Saúde, que tiveram reajuste autorizado de 15,50% a partir de maio do ano passado, estão tendo os aumentos apropriados na base de 1/12. Por isso, subiram 1,20% e o Item Saúde e Cuidados Pessoais ficou 0,93% mais caro e liderou as altas.
Em Habitação, que subiu 0,67%, a maior contribuição (0,05 p.p.) veio da taxa de água e esgoto (2,67%), com aumentos anuais em Recife (10,79%); São Paulo (6,17%); Aracaju (4,60%); Curitiba (3,44%); Belém (0,54%); e Goiânia (0,44%). O aumento nacional (ponderado) de 0,92% na energia elétrica, pesou 0,04 p.p.), com altas captadas em Salvador (5,95%); Recife (5,18%); Fortaleza (3,71%); Campo Grande (2,47%); Belo Horizonte (1,48%); e Aracaju (1,47%).
Mas o reajuste de 15 nas apostas da Loteria Federal, que foi captado em 12,18% no IPCA de maio, impactou em 0,05 ponto percentual o índice do mês. Em Transportes, as tarifas de metrô (0,91%) sofreram reajuste de 6,15% no Rio de Janeiro (2,53%), a partir do dia 12 de abril. A alta de 2,83% em ônibus urbano deve-se ao reajuste de 33,33% em Belo Horizonte (25,00%), a partir de 23 de abril. Em ônibus intermunicipal (0,15%), houve reajuste médio de 5,77% em Campo Grande (0,78%), a partir de 1º de abril.
São Paulo lidera na inflação
O efeito calendário deixou São Paulo, a cidade que tem o maior peso (32,28%) composição do IPCA, na liderança da inflação brasileira em 12 meses: 5,03, muito acima dos 3,94% da média nacional. Brasília, que tem peso de 4.06% ficou com a 2ª maior taxa: 4,49%. Vitória, com 4,32%, Salvador, com 4,21%e Rio Branco, com 3,97% ficaram acima da média nacional.
O Rio de Janeiro, que tem estranhamente peso de 9,43%, menor que os 9,69% de Belo Horizonte, embora tenha mais do que o dobro da população, registrou índice de 3,64% em 12 meses, contra 3,07% de BH. Espero que a conclusão (ufa) do Censo de 2022 do IBGE, junto com uma nova Pesquisa de Orçamento Familiar, ajude a corrigir o que considero uma inconsistência. Porto Alegre, que tem menos de 30% da população do Rio e perde para Curitiba, tem peso de 8,61% (próximo ao Rio) contra 8,09% da capital do Paraná. A menor inflação foi registrada em São Luiz, 2,26%.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL Do BRASIL” ( BRASIL)