O CAPITALISMO FINANCEIRO TARDIO

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Comecei com uma pesquisa bibliográfica sobre o aparecimento do tema “moeda, bancos e crédito” na historiografia clássica brasileira.

Meus artigos semanais se desdobram, reunidos dentro de uma linha de pesquisa, e se convertem em livros digitais. Para socialização do conhecimento descoberto, eu os distribuo de maneira gratuita. É uma motivação para eu prosseguir em intensa atividade intelectual dedicada exclusivamente à docência e pesquisa.

O colocado para download no fim deste artigo foi se desdobrando naturalmente. Comecei com uma pesquisa bibliográfica sobre o aparecimento do tema “moeda, bancos e crédito” na historiografia clássica brasileira. Os resultados são apresentados no capítulo inicial: (Falta de) Dinheiro na Historiografia Brasileira.

A releitura de clássicos da história socioeconômica do Brasil propiciou-me a maior pista para explicar por qual razão o dinheiro não ter com papel explícito nas narrativas históricas brasileiras. Foi dada, indiretamente, no livro de Sérgio Buarque de Holanda “Raízes do Brasil” (1936). Ele identifica a autoridade do patriarca ultrapassar a esfera doméstica e estender-se ao domínio público.

O tradicional comportamento patriarcal e personalista dificulta o estabelecimento não só do Estado democrático, mas também a impessoalidade exigida no trato das relações públicas com o pagamento monetário devido, independentemente de com quem for o (con)trato. Depois da extinção (tardia) da escravidão, os trabalhadores livres deveriam trocar sua força de trabalho por dinheiro.

Infelizmente, por muitos anos, perdurou desde “a troca de favores” clientelista até a protelação dos pagamentos, tipo “devo, não nego, pagarei quando puder”… no dia do São Nunca!

Por exemplo, o meeiro ocupava-se de todo o trabalho, e repartia com o dono da terra o resultado da produção, devido pelo pequeno lote cedido para o cultivo pelo agricultor e sua família. Praticamente, o dinheiro não entrava nessa relação pré-capitalista.

Submisso à pregação do catolicismo crítico da usura, “o brasileiro” despossuído e sem posse recebeu, em lugar da impessoalidade do dinheiro, as falsas promessas das “relações de simpatia”. Avanço seria a obtenção de empréstimo bancário de capital de giro para pagamento do trabalho assalariado em uma relação contratual impessoal onde se troca uma atividade laboral por dinheiro.

As relações pessoa a pessoa, como fossem um favor e não uma obrigação, diante de um direito da cidadania, dificultam se ter uma ordem social mais impessoal e racional no país. Todos os trabalhadores demandam remunerações justas em dinheiro para poderem planejar a aplicação financeira de uma parcela da renda no sentido de obter reservas de segurança, comprar moradia, complementar a previdência e fazer um planejamento sucessório patrimonial.

No segundo capítulo, de início, recuperei a premonição de Ignácio Rangel. Defendia, para o nosso desenvolvimento independente, o centro da luta, antes vista para “a estruturação do parque industrial”, deveria se deslocar para “a estruturação do mercado interno de valores”.

Anunciava no livro publicado em 1963: “o Brasil entra em novo estágio, no qual o desenvolvimento não será mais comandado pelo capital industrial, mas pelo capital financeiro”.

Maria da Conceição Tavares observava também o dinamismo institucional indo além da estagnação e defendia o mesmo argumento: se a esquerda quisesse entender essa passagem do capitalismo brasileiro, teria de estudar o capital financeiro. Assim foi feito por alguns de seus alunos das primeiras turmas no mestrado do DEPE-IFCH-UNICAMP, a partir de meados dos anos 70s.

Muitos viraram professores no IE-UNICAMP, fundado em 1984, e em outros centros de Ensino. Formaram as gerações futuras de economistas já com essa abordagem sistêmica econômico-financeira.

Entre os quais, destacou-se a defesa da tese por José Carlos de Souza Braga de o movimento sistêmico do capitalismo estar sob uma dominância financeira, desde quando houve o esgotamento do quadro regulatório instaurado após a Grande Depressão dos anos 30 e a adoção neoliberal da desregulamentação do sistema financeiro. Nessa etapa do capitalismo, segundo sua hipótese, “a financeirização é o padrão sistêmico de riqueza como expressão da dominância financeira”.

Seu incômodo é quanto à crescente e recorrente defasagem, por prazos longos, entre os valores dos papéis, representativos da riqueza financeira – moedas conversíveis internacionalmente e ativos financeiros em geral –, e os valores dos bens, serviços e bases técnico-produtivas. Evidentemente, aqueles são fontes de financiamentos fundamentais para a alavancagem financeira destes.

É tradicional na literatura marxista apresentar o “capital fictício” como um desdobramento lógico-genético do capital financeiro portador de juros, definido a partir do valor presente de sua esperada renda futura ou do valor do ativo corresponde no mercado secundário – “uma inexistência real”! Ora, se inexiste, por qual razão se preocupar com esse fantasma?!

“Eu não creio em fantasmas, mas que existem… existem”. Taxa de retorno de uma ação, em dado período, depende do valor dos dividendos líquidos, distribuídos durante o período, e do valor do ganho ou perda de capital, no mercado secundário, resultante da alteração de sua cotação no fim do período diante da cotação no início do período.

Cotações dependem da predominância entre diversas especulações sobre futuro na bolsa de valores. Os acionistas acham a precificação refletir, de imediato,
as expectativas dos especuladores quanto
aos dividendos e 
aos ganhos futuros. Uns buscam se antecipar aos outros, afinal, a cotação de qualquer ação dependerá das expectativas correntes dos participantes do mercado de ações sobre suas próprias expectativas futuras. Essa retroalimentação é fantasmagórica?

Merece uma crítica essa definição marxista do “capital fictício” como sendo uma categoria associada ao grau de distanciamento entre o seu valor de mercado esperado e o valor do capital da empresa fundamentado em análise microeconômica, setorial e macroeconômica. O mercado de ações é volúvel, a opinião ou o ponto de vista predominante muda com facilidade a todo instante, devido a rumores ou boatos, ele é inconstante e/ou volátil.

Obviamente, a volatilidade das cotações dos ativos provoca variações do valor das garantias patrimoniais oferecidas na tomada de empréstimos. Mas, fazer o que? A vida (capitalista) é difícil… é necessário lidar bem com ela.

O valor presumido de todos os ativos globais, em relação ao PIB, elevou de cerca de 470% do PIB mundial em 2000 para mais de 600% em 2022. Os mercados imobiliário e de ações cresceram em ritmo superior ao da economia “real” para um valor de estoque (US$ 160 trilhões segundo a consultoria McKinsey) naturalmente descolado do fluxo de renda anual.

Com juros rebaixados, houve fuga de capital para essas especulações, provocando inflação de ativos, e não para a economia produtiva com capacidade produtiva ociosa. O preço de ativos existentes (estoques) superou o preço de ativos novos, mas não houve estímulo para investimentos produtivos, criando novos ativos, dada a capacidade ociosa no mundo ocidental, tendo perdido a competividade diante o mundo oriental.

A “financeirização” refere-se a um processo no qual o sistema financeiro envolve a economia e a sociedade como um todo. É um fenômeno caracterizado pelo aumento da importância das instituições financeiras, onde se faz a gestão do dinheiro e a eventual tomada de empréstimos, além dos pagamentos digitais ou escriturais.

Os críticos da “financeirização” acusam-na de ter levado a uma economia mais instável, desigual e orientada para o curto prazo, com menos ênfase na economia produtiva e no bem-estar social. Não deveriam confundir a “financeirização” com o ciclo de acumulação de reservas financeiras, perante a ociosidade da capacidade produtiva, para futuro autofinanciamento na fase de retomada do crescimento.

Além disso, pecaram por terem abandonado a abordagem estruturalista e não perceberem a profundidade das mudanças estruturais provocadas pelo neoliberalismo, pela [auto]destruição da socialdemocracia sem defesa de seu Estado de bem-estar social, pela globalização e pela nova divisão internacional do trabalho com o ganho de competitividade industrial pela Ásia.

Fariam uma análise mais correta, intelectualmente, caso se dedicassem a interpretar com maior atenção o ocorrido desde a adoção do neoliberalismo no ocidente e do planejamento estatal no oriente, em especial, na China e na Coreia do Sul. Lá houve industrialização, cá houve predomínio de serviços urbanos – e exportação para lá.

Para repensar a crítica leviana à “financeirização”, nos capítulos terceiro e quarto, fiz uma comparação entre uma economia pressuposta “embarcada nessa canoa” e outra à margem. A diferença atual entre a economia brasileira e a economia argentina pode ser explicada pela não “bancarização” desta. A fuga de capitais de depósitos ou investimentos em seus bancos para o dólar como reserva de valor é muito prejudicial à Argentina, levando-a à hiperinflação.

FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos”, premiado pelo COFECON como o Melhor Livro de Economia no ano de seu lançamento (2012). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

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