O FED AMERICANO TEM DIVERGÊNCIA; SÓ O COPOM É UNÂNIME

CHARGE DE MOISÉS

Nelson Rodrigues costumava dizer: “Toda unanimidade é burra”. Sem dúvida, nada pior no mercado financeiro que o comportamento de manada. Como o mercado financeiro costuma operar muito alavancado nos contratos futuros, quando há um movimento brusco que altera as perspectivas de inflação (e de juros, que estão embutidos nos contratos futuros), se o sentido é de alta dos juros, dado o caráter eletrônico, das operações, a precipitação de ordens de venda provoca uma baixa exponencial acima do planejado por todos.

Por isso, para evitar passos em falso, o mercado financeiro gosta quando é a autoridade monetária que se comporta como manada: todos marchando juntos, sem discordância. O Comitê de Política Monetária do Banco Central tem se manifestado com unanimidade desde março de 2021 (na 1ª reunião do BC independente), quando a taxa Selic foi elevada de 2% para 2,75% ao ano. O ciclo de alta prosseguiu até os 13,75% na reunião de agosto de 2022 e se manteve estável e unânime até maio deste ano.

Mas a indicação de dois novos diretores para o Copom pelo governo Lula pode mudar o cenário de unanimidade. Sobretudo porque para a diretoria de Política Monetária, antes ocupada por Bruno Serra, (o mandato expirou em 28 de fevereiro e ele foi exonerado em 24 de março), deve ser preenchida pelo economista Gabriel Galípolo, com experiência no mercado financeiro (presidiu o Banco Fator) e que é atualmente secretário executivo do Ministério da Fazenda. O 2º indicado, para a Diretoria de Fiscalização do BC, é Ailton Aquino dos Santos, funcionário de carreira do BC e 1º negro a integrar a diretoria.

Campos mostra resiliência

Com a tramitação favorável do Arcabouço Fiscal na Câmara (aprovado por 372 votos a 108), é previsível que o governo Lula queira instigar o Banco Central, a partir da nomeação de Galípolo e de Aílton Santos (que ainda precisam passar por sabatina no Senado), a discutir quando haverá flexibilização na política monetária. Na defensiva, o presidente do BC, Roberto Campos Neto tem sublinhado em recentes apresentações que as pressões inflacionárias seguem presentes no horizonte temporal da política monetária (12 a 18 meses).

Campos Neto fez longa apresentação em evento organizado nesta 2ª feira, 22 de maio, pelo jornal “Folha de S. Paulo”. Entretanto, no mesmo dia, a Pesquisa Focus, do Banco Central, com coleta de projeções de uma centena e meia de instituições financeiras, institutos de pesquisa e consultorias, apontou a primeira projeção em três meses de IPCA abaixo de 6% em dezembro de 2023 (5,80%, sendo que as projeções nos últimos 5 dias úteis baixaram para 5,75%). E o fator de otimismo foi a nova política de preços da Petrobras.

A Pesquisa do IBGE sobre o IPCA-15 de maio, uma prévia do índice cheio) apontou nova baixa da inflação, para 0,51% (0,57% em abril), o que reduziu a taxa em 12 meses de 4,16% para 4,07%. Os impactos negativos das baixas dos combustíveis nas refinarias: GLP (21,3%), gasolina -12,8% e diesel -12,5% ainda não se fizeram sentir no IPCA-15 (para a LCA Consultores, haverá fortes impactos no IPCA cheio de maio). Seria bom se isso ocorresse.

Uma baixa no item Transporte, que já conta com redução de 17,26% em passagens aéreas, graças à queda da gasolina, do diesel e do GNV, pode neutralizar a alta do etanol e dos alimentos. Os preços seguem caindo na cadeia derivada da safra de grãos, em especial arroz, soja (o óleo de soja baixou 4,13% para o consumidor) e milho.

Os dois últimos são ingredientes de rações que impactam a produção de aves e ovos, suínos e gado de leite. Mas, os impactos climáticos nas lavouras de tomate, que subiu 18,82%, da bata inglesa (+6,60%) e nas pastagens, que reduz a produção de leite, provocaram alta de 6,03% no leite longa vida e de 2,42% no queijo. A queda do GLP (gás de botijão, deve impactar para baixo os custos da Habitação.

A saudável divergência no Fed

A ata da última reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), órgão colegiado da Junta da Reserva Federal, integrado por representantes de alguns dos 12 bancos centrais regionais dos Estados Unidos e que serviu de inspiração ao Copom brasileiro, divulgada ontem pelo Federal Reserve Bank, mostra uma saudável divergência de opiniões dentro do comitê.

Não é preciso ressalvar a enorme diferença entre o alcance das tomadas de decisão do Fed, responsável pela moeda que responde por quase 40% das transações financeiras mundiais. Não se pode esquecer que o Fed ainda analisa os impactos da crise bancária. E resta o impasse entre o governo Biden e o Congresso sobre o teto de gastos do Tesouro que pode impactar os títulos do Tesouro e a liquidez dos mercados financeiros internacionais.

No documento, divulgado ontem, foi observado que os membros seguem divididos em relação à continuidade ou interrupção do ciclo de altas de juros adiante. A divergência de opiniões é compatível com pronunciamentos recentes de dirigentes do Fed. A maior parte dos membros do Fomc se mostrou flexível às opções, sinalizando que suas decisões serão tomadas oportunamente a cada reunião, a depender da evolução dos dados.

Essa flexibilidade se justifica pelo elevado grau de incerteza quanto à evolução do cenário econômico, bem como pela falta de clareza nas assimetrias de risco.

Segundo a ata, “diversos” membros observaram que altas adicionais não seriam apropriadas caso a economia evoluísse conforme suas expectativas, e “alguns” mencionaram que apertos adicionais provavelmente serão necessários. Apesar das divergências, os membros reiteraram a defasagem nos efeitos de política monetária, e apenas “alguns” notaram evidências concretas de que as altas de juros já realizadas estão surtindo os efeitos esperados sobre a economia. Houve também algum grau de consenso de que o ciclo de cortes não deve se iniciar tão cedo.

Ou seja, antes as taxas ficarão estáveis para o Fed observar a evolução da economia e da inflação. Nos Estados Unidos, o mandato do Fed compreende a manutenção do poder de compra da moeda, a higidez do sistema financeiro e a preocupação com o crescimento da economia e do mercado de trabalho.

GILBERTO MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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