A direita radical brasileira, reunida em torno do ex-presidente Bolsonaro, foi amplamente derrotada na votação do Arcabouço Fiscal, por 372 votos a 108. Houve mais uma demonstração de negacionismo em massa dos bolsonaristas do PL, Republicanos, MDB, União, Patriota, Podemos e Novo, aos quais se juntaram 10 votos contrários da esquerda radical do PSOL (9) e da Rede (1).
Mas, a comemoração, no mercado financeiro, da ampla vitória do governo Lula e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que dá maior previsibilidade aos gastos e projeta escore favorável para a reforma tributária, acabou freada pelas incertezas causadas pela direita dos Estados Unidos. Uma facção do partido Republicano trava a ampliação do teto de gastos do governo Biden (Democrata) e ameaça o calote dos títulos do Tesouro de Tio Sam.
Com os mercados de ações e “commodities” impactados pelo impasse nos EUA (o “dead line” é 1º de junho), o dólar segue em queda no mundo, o que afeta cotações dos títulos do Tesouro (“treasurys”), ações e contratos futuros de mercadorias, além de moedas. Aqui, houve reflexos baixistas no Ibovespa, que caiu mais de 1%, mas valorização do real (queda do dólar, de 0,48%) e desvalorização dos juros futuros (a reação mais sensível ao novo arcabouço.
Agentes veem sinais positivos
De um modo quase geral, os departamentos de estudos econômicos dos bancos e consultorias reagiram bem ao que se passou na Câmara:
LCA Consultores: “O relator do novo arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou realizou mudanças redacionais feitas no substitutivo da matéria. A principal se refere ao crescimento das despesas em 2024. Inicialmente, Cajado propôs que as despesas primárias crescessem 2,5% acima da inflação. Pela proposta aprovada ontem, o limite de despesas para 2024 será calculado com base nos 70% da receita acumulada em 12 meses até junho (julho de 2022 a junho de 2023).
Além disso, em maio de 2024, na 2ª avaliação da receita, o governo vai estimar a receita de 2024 e aplicar a regra de 70%, limitado a 2,5%. A diferença na estimativa da receita pode ser incorporada no limite da despesa de 2024, por crédito adicional. Se o limite de 2024 superar o que seria obtido pela regra normal, o excesso será deduzido do limite de 2025.
O relatório definiu que o resultado da diferença medida entre a variação acumulada do IPCA em 12 meses, de julho a junho, e o efetivamente apurado em 12 meses no final do exercício poderá ser utilizado para ampliar o limite autorizado para o Poder Executivo na Lei Orçamentária Anual (LOA) só em 2024.
O substitutivo manteve que o governo poderá contingenciar até o limite de 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), como investimentos e gastos com o funcionamento da máquina pública. No entanto, o texto estabelece que as despesas de investimentos “poderão ser reduzidas em até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das demais despesas discricionárias”. Esse trecho visava proteger as emendas dos deputados”.
Bradesco: “A Câmara aprovou ontem à noite o texto-base do projeto de lei 93/23, que estabelece uma nova regra fiscal. Globalmente, a proposta manteve o conteúdo central da versão apresentada pelo relator há uma semana. É importante ressaltar que o crescimento da despesa pública para 2024 será agora limitado a 70% do aumento da receita, em oposição à versão anterior, que fixava o crescimento da despesa em 2,5% (em termos reais).
Na nossa visão, isso poderia reduzir o gasto público do ano que vem em cerca de R$ 20 bilhões. No entanto, a mudança pode ser de curta duração. Em maio de 2024, o governo apresentará uma previsão de receita atualizada para o ano. Se essa estimativa for revista em alta, o mesmo acontecerá com o crescimento da despesa pública, pelo que o limite poderá voltar a ser fixado em 2,5%.
A Câmara deve votar as emendas pendentes para o projeto hoje, antes de seguir para o Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, indicará um relator para a proposta nos próximos dias, que analisará a proposta e, em seguida, apresentará uma minuta com uma avaliação sobre o assunto”.
Itaú: “O texto base foi aprovado com 372 votos favoráveis, 108 contrários e uma abstenção. Em relação ao último parecer do relator (deputado Cláudio Cajado), o texto trouxe mudanças marginais. Chamamos atenção para alguns elementos que tornam o orçamento menos rígido, como a possibilidade de contingenciamento de investimentos, limitado a 25%.
Em relação às despesas de 2024, o texto manteve a possibilidade de um aumento acima da regra de 70% da receita líquida. Esse aumento dependerá, agora, da projeção de aumento de receitas do governo para o próximo ano. Por fim, seguirá o contingenciamento obrigatório das despesas e alguns gatilhos ao não cumprimento da meta de superávit primário.
Em resumo, a redação manteve os elementos do texto anterior, com algum reforço para o cumprimento das regras e uma flexibilização maior do gasto no curto prazo. O texto agora segue para o Senado.
Santander: “Ontem à noite a Câmara dos Deputados aprovou, por 372 votos a 108, o texto-base da nova regra fiscal. Antes da votação, foram feitos ajustes no texto, incluindo a condição de aumento da arrecadação para garantir o crescimento de 2,5% nos gastos públicos em 2024, mas ainda há uma brecha para aumentar o gasto ao longo do ano que vem.
Antes, o texto estabelecia que haveria o aumento real dos gastos no teto de 2,5% independentemente da receita no ano que vem. Nos demais anos, a regra permanece a mesma proposta pelo governo, de crescimento das despesas equivalente a 70% do crescimento das receitas. Os deputados ainda precisam votar as emendas que foram apresentadas ao texto do relator, antes de o projeto de lei ser enviado ao Senado”.
Impulso para economia mais forte
GILBEA aprovação da 1ª parte do Arcabouço Fiscal deve pavimentar o cenário para o maior crescimento da economia no 2º semestre, com a possível aprovação da Reforma Tributária e os primeiros movimentos do Banco Central para reduzir os juros (em 2 de agosto ou em 20 de setembro).
A LCA observou ontem, na atualização do cenário de maio, que “a resiliência da atividade tem contrariado expectativas de que o aperto nas condições de crédito poderia esfriar a maioria dos setores – o que vem resultando em revisões para cima nas projeções de alta do PIB em 2023 (por ora não acompanhadas por redução das projeções de alta do PIB nos anos seguintes).
Do lado da inflação, a descompressão de custos – resultante da moderação nos preços internacionais das commodities combinada à descompressão do câmbio doméstico – tem provocado forte deflação nos índices de preços no atacado, tanto agropecuário como industrial.
Isso tem contribuído para uma incipiente (mas modesta) melhora nas expectativas para a trajetória da inflação no varejo, em que pese a resiliência das medidas de núcleo dos índices de preços ao consumidor.
Parte recente da melhora de expectativas pode ser creditada ao avanço do arcabouço fiscal, que reduziu (mas não eliminou) incertezas quanto à condução da política econômica e à dinâmica da dívida pública. Uma melhora mais consistente de expectativas ainda está condicionada a diversos fatores, externos e domésticos.
Mas a LCA assinala que está elevando as projeções do PIB e sublinha que a “atividade resiliente poderá vir a alterar o horizonte previsto para o início dos cortes de juros, apesar dos sinais de desinflação (ora mais consistentes no atacado do que no varejo)”. Ou seja, admite que o Banco Central queira esperar para ver.
Já a Genial Investimentos, ao analisar os balanços trimestrais de 11 companhias do varejo sob sua cobertura, considera que o cenário dos últimos três meses “tem se mostrado desafiador para as operações de varejo. Frente a um núcleo de inflação persistentemente alta e uma taxa Selic em 13,75% a.a., e sazonalmente afetada, sentimos que este foi um trimestre de desaceleração de demanda”. Para a Genial, as varejistas precisaram equilibrar o seu fraco crescimento de receitas, sem perder a margem operacional. Ela viu 55% das empresas com resultado em linha ao esperado e 27% abaixo da estimativa.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)