XADREX DE UMA HISTÓRIA INCOMPLETA DO IMPEACHMENT

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Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha, diz como enfrentava a mídia: não há nada mais forte que a caneta de um presidente.

Lançamento celebrado do cientista social Fernando Limongi, o livro “Operação Impeachment, Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato” defende uma tese interessante: Dilma Rousseff caiu exclusivamente por não ter impedido a Lava Jato e insistido no “combate incessante e implacável à corrupção” e não pela soma de fatores, como a inabilidade política e os problemas administrativos.

A fonte de Limongi é a mídia, com sua cobertura essencialmente superficial. Como ainda estou no início da leitura do livro, vou comentar as imprecisões que notei de cara.

O combate ingênuo à corrupção

O primeiro problema do livro, foi não entender como a ênfase de Dilma no combate à corrupção, sem malícia política, tornou-a presa fácil da mídia e da oposição.

Dilma sempre foi visceralmente contrária a toda forma de corrupção, é fato. Mas a maneira como caiu no canto da mídia foi bisonha. Ela queria se distanciar da imagem de Lula, criar sua própria imagem, a da gestora profissional. A mídia percebeu essa tendência e passou a se valer de denúncias para desmontar, peça por peça, a arquitetura política deixada por Lula. Enaltecia a imagem de saneadora e Dilma acatava todas as denúncias divulgadas pela mídia.

Sua ingenuidade já era clara em outubro de 2011. No dia 30 de outubro de 2011 alertei no artigo “A estratégia política do denuncismo“. E Dilma ainda estava no auge da sua popularidade.

“É curioso como está se processando o xadrez político. Em muitos aspectos, lembra bastante o pré-64 – o que não significa necessariamente que o desfecho será o mesmo. 

Dilma assumiu pretendendo acabar com a polarização política dos últimos anos. Fez acenos em direção aos jornais, colocou-se acima dos partidos e do próprio PT, afastou-se dos sindicatos – no início, com imprudência, depois com cuidado – e da blogosfera. 

Um dos pontos centrais da sua estratégia foi o de aceitar as denúncias contra Ministros. Fez como o lutador de judô que calibra o golpe aproveitando o embalo do adversário. 

Nas primeiras rodadas, acumulou pontos. Na sequência, o jogo está indefinido. Essa estratégia fortaleceu o denuncismo de forma nunca vista desde a campanha do “mensalão”. Aparentemente a presidente saiu ilesa, por não estar no centro do fogo que está consumindo seus ministros. 

Só aparentemente. O ímpeto redobrado com que a velha mídia coloca os ministros em fila e os vai fuzilando conseguiu criar no seio da classe média midiática o mesmo clima do “mar de lama” de Getúlio e Jango. 

Repito: não significa que o desfecho será o mesmo. Significa que o cadinho de cultura para um golpe é o mesmo”

(…)”Numa ponta tem-se o avanço das novas mídias, novos grupos jornalísticos tirando a influência da velha mídia, novos jornais de papel, os portais exercendo um contraponto ao menos no reino da audiência e da publicidade. 

Mas é inegável que a ideologia predominante do jornalismo formal ainda é pautado pelo pacto dos quatro – Globo, Abril, Folha e Estadão. E, fora de períodos eleitorais, a opinião pública midiática permanece com inegável influência. 

Por seu lado, a blogosfera ainda fala para uma militância. Faz o contraponto, desconstrói factóides, mas não forma opinião ainda, a não ser a dos convertidos”.

O que a mídia plantava – e Dilma colhia – era um denuncismo feroz, prontamente endossado por ela, que erodia sua base política e abria campo para outras quadrilhas, que ocupavam o espaço aberto pela derrocada dos adversários.

Em 2 de abril de 2012 mostrei esse jogo, na parceria Carlinhos Cachoeira-revista Veja. A CPMI de Cachoeira revelou a cumplicidade criminosa entre o bicheiro e a revista. Ela se baseou nos áudios da Operação Monte Carlos, que grampeou o bicheiro em seu quartel general. 

“As digitais do bicheiro e seus associados, incluindo o senador Demostenes Torres, estão nos principais furos da Sucursal de Brasília ao longo do governo Lula: os dólares de Cuba, o dinheiro das FARC para o PT, a corrupção nos Correios, o espião de Renan Calheiros, o grampo sem áudio, o “grupo de inteligência” do PT”. 

O que essas matérias têm em comum:

1) A origem das denúncias é sempre nebulosa: “um agente da Abin”, “uma pessoa bem informada”, “um espião”, “um emissário próximo”.

2) As matérias sempre se apoiam em fitas, DVDs ou cópias de relatórios secretos – que nem sempre são apresentados aos leitores, se é que existem.

3) As matérias atingem adversários políticos ou concorrentes nos negócios de Cachoiera e Demóstenes Torres (o PT, Lula, o grupo que dominava os Correios, o delegado Paulo Lacerda, Renan Calheiros, a campanha de Dilma Rousseff)

4) Nenhuma das denúncias divulgadas com estardalhaço se comprovou (única exceção para o pedido de propina de 3 mil reais no caso dos Correios).

5) Assim mesmo, todas tiveram ampla repercussão no resto da imprensa”.

O caso Pasadena

Outro engano é sobre o suposto escândalo da compra da refinaria de Pasadena. Limongi endossa integralmente a tese de que a compra foi um escândalo e que a denúncia inicial visava enquadrar Dilma, impedindo o trabalho de saneamento da empresa já que, na época da compra, ela era presidente do Conselho Deliberativo da empresa.

Diz Limongi:

O jornal O Estado de S . Paulo publicou documentos que atestavam que , em 2006 , Dilma Rousseff , então presidente do Conselho de Administração da Petrobras , havia autorizado a compra da refinaria , um negócio injustificável .

“A construção do escândalo de Pasadena tomou tempo . Os avisos de que o caso poderia ser explorado foram pingando , uma notícia aqui , outra ali , um pedido de investigação protocolado nessa ou naquela comissão do Legislativo ,até tomar forma e explodir .

Como em diversos casos análogos , os responsáveis por armar a denúncia não se puseram a campo para defender a Petrobras e o erário . Pelo contrário . Eram defensores do status quo , da preservação do esquema , avisando que não cairiam sozinhos , que sabiam o que Dilma havia feito no verão passado , que se insistisse em limpar a Petrobras ela também seria vítima da faxina .

Em linhas gerais , o caso é o seguinte . Em 2006 , a Petrobras pagou 360 milhões de dólares para ficar com metade das ações da refinaria de Pasadena . O apelido da refinaria , a “ ruiva ” , dá ideia de quão enferrujada ela estava . [ 60 ] Sua compra era tecnicamente injustificável” .

Quem acompanhou a história de perto sabe que havia motivos muito mais prosaicos para a criação do escândalo.

Havia um procedimento administrativo no Tribunal de Contas da União para analisar a compra da refinaria. Baseava-se na diferença de preços entre o que foi pago pela Petrobras e o que a refinaria passou a valer.

O Estadão deu a notícia. Depois, tentou turbinar com repercussões. Nada conseguiu. A notícia terminaria na vala comum não fosse o fato de Dilma ter encaminhado uma nota à sucursal do jornal em Brasília.

Na carta enviada ao Estadão, Dilma Rousseff dizia que, na apresentação feita ao Conselho de Administração faltaram duas informações relevantes: as cláusulas put (pela qual um sócio tem o direito de vender sua parte para o outro) e a cláusula Marlim (que garantia uma remuneração mínima à Astra sobre os investimentos novos).

Aí, detonou o escândalo.

O ponto central da denúncia, no entanto, era a constatação de que a empresa, naquele momento, valia uma fração do que foi pago pela Petrobras. Havia explicações técnicas para isso.

Mas como a própria presidente colocou a compra sob suspeita, onde há fumaça, há fogo. Aqui mesmo, no GGN, tratei de levantar hipóteses de onde poderia ter havido o escândalo. Cada hipótese que publicava recebia um telefonema do ex-presidente Sérgio Gabrielli, desmontando a suspeita

Havia explicações técnicas para o episódio, mas a mídia tratou de esconder – e como Limongi baseou-se exclusivamente na cobertura dos grandes veículos, acabou embarcando em informações incompletas.

No dia 2 de abril de 2014 levantei parte da história.

O que levou a Petrobras aos Estados Unidos foi a super-oferta de petróleo pesado, na ocasião, que derrubou seu preço em relação ao petróleo leve. Com isso, refinarias que estivessem preparadas para refinar petróleo pesado teriam uma boa margem de rentabilidade – referente à rentabilidade normal mais o diferencial de preços do pesado em relação ao leve.

Até então, a maior parte de sua produção brasileira era de petróleo pesado. O pré-sal ainda não havia sido descoberto. E Pasadena era uma refinaria própria para o petróleo brasileiro. Portanto, havia interesses próprios da Petrobras que não eram os mesmos dos demais acionistas. Daí o fato de ser lhes dado uma porta de saída. Ora, tratava-se de uma cláusula compreensível em acordos dessa natureza. Onde estaria o escândalo, então?

A cláusula Marlim nunca foi acionada, mesmo porque os sócios não fizeram nenhum investimento na companhia.

E havia explicações técnicas para a queda de preço da refinaria:

O mercado mudou totalmente com a crise de 2007 e com o fenômeno do óleo e do gás de xisto. Inverteram-se os preços e o óleo leve passou a ser mais barato que o pesado.

Com isso, a Petrobras decidiu não mais investir na reestruturação da refinaria e ainda obteve ganho de rentabilidade, quando o barril de petróleo leve caiu para US$ 85/90 e o de refinado de petróleo subiu para US$ 105/110.

Houve um erro que atingiu praticamente todos os mercados de commodities. Quando os preços explodiram, houve uma caça ao Tesouro, sem levar em conta que poderia haver uma reversão futura nas cotações. Mas, no caso da Pasadena, tratou-se o erro estratégico, que foi tratado como corrupção, conforme artigo de 21 de abril de 2014.

Adquiriu-se a refinaria em pleno boom do mercado de commodities. Os dados apresentados, inclusive sobre o preço das refinarias, mostrava um aquecimento incomum do mercado em relação aos anos anteriores. O preço pago era inferior a média das negociações do período. Mas em 2005 a média das negociações era muito superior à média dos anos anteriores, sinal nítido que o setor passava por um momento de especulação.

(…) Presidente da Vale, Roger Agnelli foi demitido pelo Bradesco devido às suas aventuras temerárias na aquisição de grandes minas com alto teor de risco. Na época, a velha mídia em bloco sustentando que sua cabeça tinha sido pedida por Lula. E bastaria conversar com os dirigentes do Bradesco para saber que foi a aventura de Simandou – muito pior que o caso Pasadena – que determinou seu fim.

No exterior, a Anglo American e a Rio Tinto meteram-se em desastres semelhantes, movidos pela corrida louca que marca tempos de especulação.

A história não ficou nisso. O valor contábil de uma refinaria é função direta dos preços internacionais do petróleo. Se os preços despencam, há a necessidade de um ajuste contábil – o chamado impairment. Se as cotações de petróleo despencam, cai também o valor contábil da refinaria. No caso de Pasadena, o valor contábil caiu para US$ 573 milhões, metade do que foi gasto com a compra e reforma da refinaria.

Aí ocorreu algo curioso. Com o impairment, lançou-se a diferença de preços na conta de prejuízos, zerando o balanço. Significava que, dali para frente, o resultado da refinaria corresponderia à parte operacional – o valor das vendas do produto refinado, menos o custo do refino e a depreciação. Operacionalmente, portanto, estaria dando lucros. Na época, entrei em contato com a empresa – já sob a direção de Graça Foster, indagando sobre o balanço da refinaria pós-impairment. A resposta foi que era informação sigilosa. O sigilo foi decretado para não enfraquecer a presidente, nos embates com Gabrielli.

Se Limongi tivesse consultado seu colega de USP. Ildo Sauer, teria entendido melhor o caso Pasadena.

Quando presidente do Conselho da Petrobras, Dilma havia se atritado várias vezes com Gabrielli. Em uma das vezes, Dilma tentou impor seu ponto de vista invocando sua condição de presidente do Conselho de Administração. Gabrielli jogou seu crachá na mesa e respondeu que, se a decisão defendida por Dilma fosse adotada, ele pediria demissão. Dilma foi obrigada a recuar. Mas, segundo Ildo, a partir daí criou-se um clima de guerra pessoal.

O escândalo acabou impedindo a Petrobras de pagar o put para os sócios, que levaram o caso para uma arbitragem que elevou substancialmente o valor pago pela Petrobras.

 Em 2019, a S&P Global, Marketing Intelligence publicou estudo mostrando a relevância estratégica de Pasadena – mas que, àquela altura do campeonato, havia sido adquirida pela Chevron.

Segundo o estudo, a Chevron pretendia alavancar a produção expandindo seus ativos de refinaria na Costa do Golfo para processar petróleo bruto mais perto de suas operações de extração de óleo de xisto. Como parte desse plano, dizia o trabalho, “a Chevron comprará a Pasadena Refining System Inc., braço de refino da estatal brasileira Petróleo Brasileiro SA – Petrobras, com sede no Texas, em um negócio que inclui a refinaria de Pasadena ao longo do Houston Ship Channel, no Texas”.

“Um grande ponto de venda para [a refinaria de Pasadena] é sua localização adjacente ao Houston Ship Channel, que hospeda quatro refinarias e tem excelente acesso ao fornecimento doméstico de petróleo bruto e distribuição de produtos refinados”, dizia Sandy Fielden, consultor do projeto.

Os problemas gerenciais

Limongi minimiza os problemas provocados pelo estilo de gestão de Dilma. Atribui as resistências a ela ao não atendimento das demandas fisiológicas dos aliados – no que está certo. Mas não foi apenas isso.

Por exemplo, considera acertada a escolha de Graça Foster para a presidência da Petrobras, em substituição a Gabrielli.

Graça teve a incumbência – e o mérito – de demitir os diretores envolvidos com corrupção. As estripulias de Paulo Roberto Costa já eram conhecidas há tempo. Mas, como gestora, foi um desastre. Sem experiência administrativa, sem nenhuma noção sobre modelos de compliance, passou a centralizar todas as liberações de pagamentos da empresa – como se a corrupção fosse identificável na liberação do dinheiro. Muitos pequenos fornecedores quebraram no período, devido aos atrasos de pagamento.

Assim como em Pasadena, a Petrobras precisou também fazer seu impairment, que foi de R$ 44,6 bilhões em 2014. Com a Lava Jato sendo deflagrada, permitiu que o ajuste contábil fosse explorado como sendo o resultado da corrupção na empresa.

Todos esses fatos não são perceptíveis ao pesquisador que se baseia exclusivamente em uma cobertura enviesada. Limongi chega a situar, na indicação de Graça Foster, o início do grande pacto político, reforçado pelo elogio de Dilma Roussef a Fernando Henrique Cardoso.

Dilma aproveitou as comemorações dos oitenta anos do ex – presidente para devolver a mesura , ressaltando que Fernando Henrique fora um “ acadêmico inovador ” , um “ político habilidoso ” , e , contrariando a tese da “ herança maldita ” , afirmou que ele fora o “ ministro – arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação ” .

Se não era de congraçamento , o clima era de paz . Não por acaso , Dilma fechou seu primeiro ano de governo com popularidade acima da alcançada por seus predecessores no mesmo período de seus governos , Lula incluído .

Em fins de 2012 , voltou a quebrar o recorde . O viés de alta e os recordes perduraram até março de 2013 , quando 79 % dos consultados afirmaram aprovar seu governo . Collor , Fernando Henrique e Lula não eram páreo para Dilma . Nesse período , a palavra impeachment foi banida do léxico político brasileiro . Dilma , para dizer com todas as letras , começou bem . Seus dois primeiros anos no governo foram um verdadeiro sucesso .

Ora, em 11 de dezembro de 2012 já havia indícios suficientes do novo pacto desestabilizador que se formava, entre mídia, Supremo e Procuradoria Geral da República.

De 2005 para cá, muita água rolou. Inicialmente havia uma aliança mídia-PSDB. Agora, como se observa, um arco  mais amplo, com Ministros do STF, PGR e setores da PF. E muito bem articulado agora porque, pela primeira vez, a mídia acertou na veia. A vantagem de quem tem muito poder, aliás, é essa: pode se dar ao luxo de errar muitas vezes, até acertar o caminho.

Daqui para frente, o jogo está dado: um processo interminável de auto-alimentação de denúncias. Vaza-se um inquérito aqui, monta-se o show midiático, que leva a desdobramentos, a novos vazamentos, em uma cadeia interminável.

Em março de 2013, período em que Limongi situa o auge da popularidade de Dilma, já havia no ar todos os sinais de que sua imagem seria corroída em pouco tempo. No primeiro capítulo – ainda não li os demais – Limongi vê as disputas apenas da lógica político-partidária, dos órfãos de Lula contra Dilma. Mas já havia em curso um desgaste de imagem que, mais à frente, desmoronaria os índices de popularidade de Dilma.

Em fevereiro de 2013 escrevi um artigo sobre isso. Fui convidado por Helena Chagas, Secretária de Comunicação, para uma conversa com Dilma. Nela, alertei para uma queda drástica de sua popularidade, em pouco tempo, devido ao engessamento do governo. O estilo centralizador de Dilma havia paralisado totalmente a administração pública. Alguns episódios que mostrei na conversa\:

  1. As redes sociais, inicialmente, tinham uma forte militância progressista, Agora, a cada dia que passava observava-se um predomínio c ada vez maior da direita. Atribui o fato à falta de bandeiras mobilizadoras da parte do governo. Ainda não havia se tornado público o sistema de algoritmos das redes.
  2. Dilma previu a maior verba da história para as TICs ( Tecnologia da Informação e Comunicação). Mas o setor todo a criticava porque o projeto ficou paralisado por quase um ano, aguardando a revisão de Dilma.
  3. O TRF3 (Tribunal Regional Eleitoral da 3a Região) estava em franca oposição à Dilma pela demora em indicar três desembargadores para vagas abertas. Foi preciso uma viagem dela para que o vice, Michel Temer, assinasse as nomeações.
  4. O movimento de educação inclusiva desembarcara do apoio a Dilma por sua insistência em abrir brechas para as APAEs (Associação de Pais e Amigos do Excepcional) no Plano Nacional de Educação. E outros movimentos sociais deixaram de apoiar o governo por falta de eco às suas reivindicações.

No dia 4 de março de 2013, publiquei o terceiro de uma série de artigos em torno das guerras políticas.

Nele, montei um fluxograma para tentar destrinchar os diversos campos de luta política.

As batalhas se desenvolvem em duas frentes: Congresso e Judiciário.

O Congresso tem o poder de decretar impeachments de presidentes. Lá, o desafio consiste em manter a base aliada consolidada. Já o STF (Supremo Tribunal Federal) tem o poder de intervir, também. E, como se observou no julgamento do “mensalão”, o chamado “clamor da opinião publicada” tem enorme influência sobre o plenário.

O fator deflagrador de crises é o chamado Clamor da Mídia.

O contraponto central é a expectativa de Reeleição do presidente.

Reeleição mantém a base unida, esvazia as tentativas de reeditar movimentos de Clamor da Mídia e dilui intenções golpistas de membros do STF. E aí depende fundamentalmente do fator econômico.

No dia 1o de julho de 2013, após as manifestações de junho, julguei que Dilma tivesse acordado para o quadro político que se desenhava.

Ingressando no segundo tempo do jogo, haverá um duplo sentimento da opinião pública. Terá condescendência com o inevitável; e será rigorosa com tudo o que soe teimosia. 

Tenderá a apoiar Dilma nos grandes embates. Mas será implacável se persistirem alguns dos aspectos criticados da sua personalidade: teimosia, centralização administrativa, espírito autocrático, condescendência com auxiliares medíocres. 

Para se fortalecer, paradoxalmente Dilma terá que abrir mão de poder. Não se entenda por tal reduzir seu poder de governar, mas o de intervir no dia-a-dia dos Ministérios. Necessitará de Ministros com luz própria para restabelecer a interlocução com os diversos setores da sociedade. Ministros que recebam as orientações de Dilma, agreguem sugestões e se ponham a campo. Em suma, um exército composto por generais com luz própria obedecendo ao comandante maior. 

Terá que trazer empresários de peso, figuras de peso do meio jurídico, interlocutores de peso dos movimentos sociais, articuladores de peso nas relações políticas. Especialmente, economistas de peso na área econômica. E pessoas que saibam dizer não, quando necessário. 

Não se pode tergiversar com nenhuma vulnerabilidade, por menor que seja, porque a grande batalha ainda nem começou: a da economia. Nos próximos meses, haverá deterioração ainda maior das contas externas. Dilma terá que enfrentar opções complexas, entre crescimento magro, inflação alta e contas externas em deterioração. 

Não haverá opção indolor

As realidades complexas

Limongi tem toda razão em identificar na não-ação de Dilma frente a Lava Jato um motivo relevante na montagem do impeachment. Provavelmente no decorrer do livro deverá dar o devido destaque às manifestações populares mobilizadas pela Globo e à onda da Lava Jato, ao protagonismo político do Ministério Público Federal e do Supremo Tribunal Federal.

Mas o ponto central foi a ingovernabilidade, o isolamento político e administrativo do governo Dilma. Ela interrompeu os trabalhos do conselhão, das conferências nacionais, não tinha elos com o empresariado, com o Judiciário.

Logo após as eleições de 2014, um alto personagem jurídico me abordou em um evento, disse que o terceiro turno já estava em andamento – no próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no processo politizado de análise das contas de campanha – e que alguma coisa precisava ser feita.

  • Vocês precisam fazer alguma coisa.

“Vocês”, no caso, eram quatro ou cinco blogs que faziam o contraponto à conspiração. Indaguei qual a razão de comentar aquilo com um jornalista de blog e não com o Ministro da Justiça e a Presidente. E ele:

  • Lá, não adianta nada. Eles não ouvem.

No julgamento das contas, Dilma escapou do impeachment por pouco. O resultado foi 4 x 3 porque, no último momento, o relator Gilmar Mendes votou contra a cassação da chapa.

Cumpri minha parte, batendo sem parar todo dia, antecipando os passos que seriam dados para a cassação da chapa. E recebi, em troca, acusações furibundas de Gilmar, na entrevista coletiva logo depois do resultado da votação, na qual chegou a afirmar até que eu era achador.

Tempos depois, contei bastidores da votação no TSE com um erro de informação: não foi Luiz Fux quem desempatou impedindo o impeachment, mas o próprio Gilmar, que entendeu os riscos da fogueira que alimentou com suas análises enviesadas das contas de campanha. Ele pretendia apenas aumentar o desgaste do PT, não um golpe de Estado.

“O objeto desta questão é muito sensível e não se equipara com qualquer outro, porque tem como pano de fundo a soberania popular. Por isso é que a Constituição estabelece limites […] Não se substitui um presidente da República a toda hora, ainda que se queira. E a Constituição valoriza a soberania popular a despeito do valor das nossas decisões”, ressaltou Gilmar.

Tem-se, em uma das pontas, um exército disposto a tudo para derrubar o governo. Fazem parte dele uma oposição que perdeu o rumo, autoridades judiciais, como Gilmar Mendes, falsos varões de Plutarco como Aécio Neves e Agripino Maia, uma mídia enlouquecida, disposta a tudo, até a desorganizar totalmente a economia por um governo que a salve de uma crise estrutural.

Na outra ponta, tem-se um governo politicamente tão incompetente e sem ação como nunca se viu na história do país após a Segunda Guerra.

Os golpes são anunciados com meses de antecedência e não se vê uma medida sequer da parte do Palácio, quanto mais uma estratégia pensada.

A manutenção de José Eduardo Cardozo no cargo de Ministro da Justiça é incompreensível. Trata-se do pior Ministro da Justiça da história em uma das fases politicamente mais conturbadas.

A resultante óbvia foi o impeachment, com as maiores demonstrações de cafajestice da história da Câmara Federal.

No auge da campanha da mídia entrevistei Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha, e indaguei dele como enfrentava as campanhas de mídia. Ele foi direto:

  • Não existe nada mais forte que a caneta de um presidente. Desde que saiba utilizar

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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