“O que impressiona é que o lavajatismo se vale da mesma tática de Bolsonaro de usar teses claramente desonestas para se defender”, diz Eduardo Guimarães
É absolutamente escancarada a passada de pano da mídia para o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público, Deltan Dallagnol. Em um contorcionismo retórico repugnante, a mídia lavajatista pede que todos ajam como imbecis ante a tentativa de trapaça do malandrão curitibano.
Dallagnol pediu exoneração do Ministério Público enquanto ainda respondia a 15 processos disciplinares internos, que poderiam resultar em aposentadoria compulsória ou demissão. Ora, a Lei da Ficha Limpa e a da Inelegibilidade não permitem que um indivíduo que deixou o Judiciário ou o Ministério Público para escapar de uma punição possa se candidatar a um cargo eletivo.
Simples assim.
Todavia, a mídia vem dando espaço desproporcional a uma tese igualmente malandra que você pode conferir em trecho de matéria do site mais lavajatista do Brasil, o Antagonista:
“(…) É inaceitável a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (foto). Eleito em outubro de 2022 com mais de 344 mil votos, sendo o deputado federal mais votado do Paraná (…) A tese jurídica que fundamenta a acusação de Deltan é a Lei da Ficha Limpa, que afirma que membros do Ministério Público não podem concorrer a eleições caso peçam a exoneração enquanto tiverem algum Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em vigência. Ocorre que não há PAD algum em vigor contra o Deltan. No dia 14 de dezembro de 2021, após o deputado já ter pedido a exoneração do cargo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) enviou uma certidão que comprova que os únicos dois procedimentos administrativos que Deltan havia sofrido já tinham sido finalizados. Ou seja, o deputado estava dentro da lei e tinha o total direito de ser candidato e ser eleito (…)”
O que impressiona é que o lavajatismo se vale da mesma tática de Bolsonaro de usar teses claramente desonestas para se defender, partindo do princípio de que, além de si, todo o resto da humanidade é composto por idiotas funcionais.
Antes de explicar por que Dallagnol mente sobre a forma da Lei da Ficha Limpa, vale lembrar que a mídia esgrime com os seus 344 mil votos como veto à sua cassação. E com uma suposta tecnicidade dessa lei que o autorizaria a renunciar ao cargo para escapar da inelegibilidade. Todavia, essa mesma mídia ignora que ele só renunciou porque corria esse risco.
Essa lembrança de Dilma, porém, se deve ao fato de que alguém que teve uma 150 vezes mais votos que Dallagnol foi cassado à revelia do que diz a Lei que cassou esse alguém. E o que a lei diz é que era preciso provar que ela cometeu o crime do qual foi acusada.
Dilma Rousseff foi cassada à revelia de ter ficado provado que não havia “pedalado”. A comissão do impeachment recebeu perícia nos documentos do processo que mostrou que as chamadas pedaladas fiscais não tiveram a participação da presidente afastada. Porém, o que se dizia, nas entrelinhas, era que as pedaladas não eram a razão real para ela ser defenestrada da Presidência.
A mídia dizia que Dilma não tinha sido afastada pelas pedaladas, mas pelo que chamava de “conjunto da obra”, que englobaria suposta ruína financeira causada por ela. Será que foi mesmo causada por ela?
Por decisão da Justiça Federal do Distrito Federal, ano passado o ex-juiz Sergio Moro virou réu em uma ação popular por prejuízos causados à Petrobras e à economia brasileira por “manipular a maior empresa brasileira, a Petrobras, como mero instrumento útil ao acobertamento dos seus interesses pessoais”.
Segundo reportagem do portal G1, da Globo, de 11/08/2015, os impactos diretos e indiretos da Operação Lava Jato na economia tiraram R$ 142,6 bilhões da economia brasileira em 2015, o equivalente a uma retração de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo estudo da consultoria GO Associados antecipado ao G1 naquela época.
Nada disso evitou que Dilma fosse responsabilizada por problemas econômicos que, na verdade, quem causou foi a Lava Jato, que sabotou a economia brasileira para viabilizar a derrubada do governo dela.
Agora, a mídia pede para Dallagnol o que negou a Dilma, que tecnicidades atenuantes de uma lei sejam valoradas por as acusações contra o alvo dessa lei serem de menor potencial danoso e gravoso.
Editorial da Folha de São Paulo desta sexta-feira 19/05, publicado para defender Dallagnol, ilustra bem essa malandragem. Diz que “Neste universo em que vivemos, o Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD [Processo Administrativo Disciplinar] contra Deltan no momento de sua exoneração, e a lei menciona de maneira explícita justamente esse tipo de processo”.
Chamemos agora, então, o criador da Lei que fundamentou a cassação de Dallagnol.
O ex-juiz eleitoral e idealizador da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis, defendeu a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou Dallagnol . Segundo ele, a sentença – que teve placar unânime dos sete ministros – é baseada em “fundamentação profunda”. O hoje advogado afirmou que a tese documentada e apresentada pelo ministro e relator Benedito Gonçalves foi “muito clara e atenta” em relação a como as previsões de inelegibilidade devem ser interpretadas.
Ora, será que a Folha de São Paulo e o resto da mídia lavajatista não poderiam usar para Dallagnol a mesma desculpa que deram para cassar Dilma?
Para ela, citaram o tal “conjunto da obra” para justificar a cassação por infração “pequena” que nem sequer provaram que cometeu e que FHC e Lula também “cometeram” — e não foram cassados. Para Dallagnol, acharam uma “vírgula” em meio a uma “Bíblia” para desqualificar a decisão do TSE.
Como diz o dito popular, esperteza demais acaba engolindo o dono. Por isso Dallagnol foi defenestrado do mandato popular que auferiu ilegitimamente.
EDUARDO GUIMARÃES ” BLOG CIDANIA” / ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)