Diálogos interceptados pela PF, por meio da quebra de sigilo das comunicações de Mauro Cid, apontam dinâmica suspeita sobre os pagamentos
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Conversas em áudio, por meio de um aplicativo de mensagens, entre o então ajudante de ordens do Palácio do Planalto, o tenente-coronel Mauro Cid, e assessoras do governo de Jair Bolsonaro (PL) apontaram que havia uma orientação para o pagamento em dinheiro vivo das despesas da então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
De acordo com informações da coluna de Aguirre Talento, no portal Uol, duas assessoras da primeira-dama, Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, conversaram entre si e com Mauro Cid manifestando preocupação sobre irregularidades nos tais pagamentos, que poderia ser caracterizado como um esquema de rachadinha.
Os diálogos foram interceptados pela PF, por meio da quebra de sigilo das comunicações de Mauro Cid, preso no último dia 3 por suspeitas de fraudar certificados de vacina da Covid-19.
Segundo a PF, as conversas apontam a existência de uma “dinâmica sobre os depósitos em dinheiro para as contas de terceiros e a orientação de não deixar registros e impossibilidades de transferências“.
A investigação apurou que a ex-primeira-dama usava um cartão de crédito de uma amiga, Rosimary Cardoso Cordeiro, que era assessora do senador bolsonarista Roberto Rocha (PTB-MA). A PF apontou que os pagamentos das despesas feitas com o cartão de Rosy eram feitos em depósitos, para tentar ocultar a origem dos recursos.
Ex-funcionários palacianos já relataram a suspeita de que Rosy repassava parte do salário a Michelle, prática conhecida como rachadinha.
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Os diálogos
No dia 30 de outubro de 2020, Cintia enviou um áudio à Giselle. “Então, hoje é essa situação do cartão realmente é um pouco preocupante. O que eu sugiro para você é o seguinte. No momento que você for despachar com ela, é esse assunto. Você pode falar com ela assim sutilmente, né? (…) Mas eu acho que você poderia falar assim: dona Michelle, que é que a senhora acha da gente fazer um cartão para a senhora? Um cartão independente da Caixa. Pra evitar que a gente fique na dependência da Rosy. E aí a gente pode controlar melhor aqui as contas. (…) Pode alertá-las o seguinte, que isso pode dar problema futuramente, se algum dia, Deus o livre, a imprensa descobre que ela é dependente da Rose, pode gerar algum problema”.
Giselle, então, conversou com Mauro Cid. “Coronel, bom dia. Ontem eu conversei com a senhora Adriana para saber se ela tinha falado com a dona Michelle, né. Ela falou que conversou. Explicou, falou todos os problemas, preocupações, né. Mas então o resultado foi que a dona Michelle ficou pensativa. Segundo a dona Adriana, ficou pensativa, mas que vai continuar com o cartão. E ela falou que tem, tem os comprovantes assim, né? Que esse cartão já era bem antes do presidente ser eleito. Mas de qualquer maneira, a dona Adriana falou que ela ficou pensativa, né? Ontem mesmo já fizemos uma compra, mas foi em outro cartão. Então, eu estou vendo que realmente tá sendo de pouco uso o da Caixa. Mas por enquanto é isso. Obrigada, tchau“.
No dia 25 de novembro de 2020, Cid firmou à Giselle que a situação dos gastos de Michelle poderia ser alvo de investigações, assim como ocorreu com o filho 01 do então presidente, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “Giselle, mas ainda não é o ideal isso não, tá? O Cordeiro conversou com ela, tá, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas“.
“Se ela perguntar pra você ou falar alguma coisa ou comentar, é importante ressaltar com ela que é o comprovante que ela tem. É um comprovante de depósito, é comprovante de pagamento. Não é um comprovante dela pagando nem do presidente pagando. Entendeu? É um comprovante que alguém tá pagando. Tanto que a gente saca o dinheiro e dá pra ela pagar ou sei lá quem paga ali. Então, não tem como comprovar que esse dinheiro efetivamente sai da conta do presidente. O Ministério Público, quando pegar isso aí, vai fazer a mesma coisa que fez com o Flávio, vai dizer que tem uma assessora de um senador aliado do presidente, que está dando rachadinha, tá dando a parte do dinheiro para Michelle“, acrescentou o coronel.
“E isso sem contar a imprensa que quando a imprensa caiu de pau em cima, vai vender essa narrativa. Pode ser que nunca aconteça, pode? Mas pode ser que amanhã, um mês, um ano ou quando ele terminar o mandato dele, isso venha à tona“, prosseguiu.
Já em 4 de outubro de 2021, novo áudio foi enviado por Cintia e Giselle: “E sobre as flores da Patrícia Abravanel, ela falou que é para o Cid fazer o pagamento. Mas ele tinha me falado na semana passada que quando for esses pagamentos de terceiros, é pra gente pegar o dinheiro com ele e fazer o pagamento por aqui, tá? Então eu vou pedir para ele para sacar esse dinheiro e peço o Vanderlei para pegar lá para a gente fazer o… Vai ter que ser feito um depósito, né? No número daquela conta que você me passou, tá?”.
Subordinado a Cid também participava das conversas
Em 8 de novembro de 2021, um subordinado de Cid, militar Osmar Crivelatti, também encaminhou um áudio a Giselle. “Giselle, bom dia! É, é esse, esse pagamento, o coronel tinha passado para a gente, mas eu acho que esse banco digital a gente não consegue fazer pagamento. E transferência nós não podemos fazer. Então vê o que que nós podemos fazer. Se entregamos o dinheiro para vocês. Ou se você tem alguma outra conta, Banco do Brasil, alguma coisa que a gente possa fazer o depósito, tá bom Giselle? Bom dia aí, obrigado“.
Mais 20 dias depois, em 30 de novembro de 2021, Giselle enviou novo áudio para Cíntia e a uma pessoa de nome Vanderlei. “Boa noite, Vand e Cintía. PD (Primeira-dama) falou, eu perguntei para ela se ela queria transferir Pix, né? Tanto para Bia. Daí ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito. Só que ela não falou como conseguiu o dinheiro, se o dinheiro está com ela, se a gente pega na AJO. Não falou, tá? Ela falou que assim não fica registrado nada, vamos fazer depósito. Então, a gente tem que começar a ter esse hábito do depósito, então, né?“.
ANA GABRIELA SALES ” JORNAL GGN” ( BRASIL)