A “Fuga de Varennes”, tentativa frustrada de evasão de Luiz XVI entre 20 e 21 de junho de 1791, é cheia de significados e cabe nos últimos dias de Bolsonaro
Com todos os bilhões investidos, o avanço sobre o teto de gastos, a compra de votos pelo interior do país, via Ministério do Desenvolvimento Social – conforme denunciou o jornalista Caco Barcellos -, e o jorro de “auxílios” a caminhoneiros, taxistas e benefícios a outras camadas da população, Bolsonaro tinha a sua reeleição como favas contadas. Ainda assim, na encolha, providenciava um golpe que envolvia, como último recurso, um plano de fuga. O enredo fica cada vez mais claro, na medida em que avançam as investigações sobre seus últimos passos no governo, e as “providências” tomadas pelo grupo que o cercava.
Eles tentaram no dia 12, não deu certo. Se arriscaram no dia 24, malograram. Cogitaram o dia da posse, em 1º de janeiro: a realidade se impôs, quando a multidão fez um cinturão de segurança em torno de Lula. E, por fim, numa última cartada, apostaram as fichas no dia 8. Mas o que importa aqui é a correria para a fuga, até Miami. “Recolham o máximo de dinheiro e bens que conseguirem”, parece ter sido a última ordem do ainda presidente, para os “súditos”. (Devia ser assim que ele os tratava). Em tempos de espetáculos de monarquia em manchetes, é lícito o paralelo. E foi assim que o “atrapalhante” de ordens, o tenente-coronel da ativa, Mauro Cid, não teve tempo de se desvencilhar de R$ 190 mil amealhados em casa, talvez para serem repassados ao seu verdadeiro dono.
“E os comprovantes de vacina?” Pareceu bradar o chefe, numa espécie de checklist, dias antes do embarque. Queria o golpe (nos faz crer), mas é covarde o suficiente para não desejar estar na cena do crime, no momento do seu desenrolar. Melhor não. Sairia para Miami e voltaria como um Jânio Quadros bem-sucedido, nos braços do povo. Faltou combinar com: parte do Exército, com uma parcela significativa do empresariado e a mídia tradicional, sempre disposta a “comprar” o discurso golpista, mas dessa vez, – gato escaldado -, não topou o flerte com o fascismo, por demais perigoso. Havia experimentado em 2016 e o preço foi alto.
Sem esses atores, não há golpe que se sustente, mas Bolsonaro é megalômano e tosco o suficiente para considerar que, iniciado o “movimento”, o restante das fileiras militares e da sociedade o seguiria. Basta ver a troca de mensagens tresloucadas, que misturam desde morto-vivo, até desníveis geográficos e temporais que deixaram à mostra as incongruências de datas, lotes de vacinas e inserção e retiradas atabalhoadas de atestados no sistema de Saúde do SUS, – o que é mais grave – no Palácio do Planalto, nos computadores da presidência.
Qualquer semelhança com a fuga de Luiz XVI, de Paris, não é mera coincidência. É a história em ondas de repetição, desta vez como farsa. Na verdade, uma comédia burlesca, repleta de erros, em ambos os casos.
A chamada “Fuga de Varennes”, tentativa frustrada de evasão de Luiz XVI de França e sua família, entre 20 e 21 de junho de 1791, é cheia de significados e se encaixa – ainda que jocosamente, em nossos últimos dias de Bolsonaro.
Um, temia o destino que acabou tendo: a guilhotina – a cabeça antes coroada -, rolando para dentro de um cesto vulgar. O outro, temendo as batidas na porta, bem cedinho, e os motores dos carros pretos, rumando para a sede da Polícia Federal, e dali para a Papuda, não necessariamente nesse intervalo de tempo, mas futuramente.
O episódio da Revolução Francesa é cheio de significado e foi determinante para o fim dos reis de França. A fuga da família real, cujos planos já eram arquitetados por certos conselheiros desde os acontecimentos de 6 de outubro de 1789, e retomados diversas vezes depois disso, desta vez foi minuciosamente preparado por Hans Axel von Fersen, uma espécie de “Mauro Cid” de Luiz XVI e, diga-se, o favorito da rainha.
O séquito do Rei e de Maria Antonieta, sua esposa, tendo à frente Axel de Fersen, planejou Montmédy como destino, onde encontrariam o Marquês de Bouillé, general em chefe das tropas do Meuse, Sarre e Moselle e encarregado do plano de fuga.
Esse plano incluía disfarçar o rei de intendente, acompanhado por três cavalheiros (antigos guardas do corpo licenciado de 1789: Senhores de Moustier, de Valory et de Malden). Porém, a cor escolhida para as librés era a dos príncipes de Condé, que partiram para o estrangeiro no início da Revolução. O que só gerou suspeitas. Juntando a isso o fato de que a partida na noite de 20 para 21 de Junho não fora feita dentro do mais completo segredo, vazando para todos que a fuga da família real se daria numa a “berlinda” – uma espécie de carruagem, camuflada, pintada de verde escuro.
Só esqueceram um detalhe: um veículo puxado por seis cavalos era privilégio apenas do rei. Assim, por onde passavam atraíam a atenção do populacho e a notícia corria. Há detalhes que tornariam o texto longo por demais, como trocas de “veículos” até todos se encontrarem e se dividirem na tal “berlinda” e num cabriolé com a criadagem.
Ao pararem em um posto em Varennes, para uma troca dos cavalos, os dois veículos da família real foram imobilizados, sob pressão dos patriotas, reunidos na taverna do “Bras d’or” (“Braço de Ouro“). Os populares obrigaram os viajantes a descer dos carros e os fizeram entrar na casa, a alguns passos. Os sinos soaram, despertando a atenção da Guarda Nacional, que retornou com os fugitivos para Paris. Depois de julgado, o rei foi guilhotinado, em 21 de janeiro de 1793, aos 36 anos.
Quanto a nós, estamos aguardando o reconhecimento da “berlinda” de Bolsonaro, até que ele seja conduzido à Papuda, depois de ter passado por um processo legal, dentro dos trâmites jurídicos corretos.
DENISE ASSIS ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)