O arcabouço fiscal, criado por Haddad e chancelado por Lula, é complexo e polêmico. Por novo, não dá pra saber ainda se seu efeito será o desejado: apaziguar os agentes econômicos, forçar a queda dos juros e, o mais importante, abrir os cofres do Tesouro
O arcabouço fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, inova ao indicar uma trajetória de gasto público como indutor crescimento da economia. Assim, um esforço para zerar o déficit primário das contas públicas até 2024 com tolerância do equivalente de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), para mais ou menos, terá que ser obtido com aumento da arrecadação de impostos.
O corte de despesas como instrumento para busca de equilíbrio das contas públicas é coisa ultrapassada pelos manuais da equipe econômica do governo. O governo quer gastar mais para estimular o consumo e o crescimento da economia. Com este adicional de arrecadação, devido ao crescimento da economia e recuperação de créditos tributários, o déficit público desapareceria e poderia ter até mesmo superávit primário a partir de 2025.
O destino do dinheiro deste esforço fiscal é para pagar parte dos juros dos papéis do Tesouro Nacional e evitar um aumento explosivo da dívida pública, que anda em R$ 5,8 trilhões.
Invenção tupiniquim
A exclusão do desembolso com juros das despesas do Tesouro Nacional do superávit primário é uma invenção brasileira na tentativa de ampliar o gasto público com outras despesas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) utiliza o conceito nominal para apurar as contas públicas de todos os países do mundo onde o desembolso com juros faz parte do conceito na avaliação do endividamento.
O receituário do FMI para situação de desequilíbrio fiscal sempre feito em torno de corte de gastos, o que leva na maioria dos casos a uma redução da atividade da economia. O arcabouço fiscal, nova jabuticaba, construído coletivamente, como como disse Haddad, tem as digitais de André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real. O negócio é gastar.
O orçamento da União, de acordo com o arcabouço fiscal do Governo Lula, deve crescer no mínimo 0,6% e no máximo 2,5% acima da inflação, um indicador de previsibilidade que tranquilizou alguns segmentos do mercado preocupados com a determinação do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de incluir as demandas dos pobres no orçamento. O sucesso deste objetivo depende de outra promessa de campanha de Lula, a de colocar os ricos no Imposto de Renda e a de aumentar a arrecadação de tributos. Hoje, a carga tributária equivale a 33,7% do PIB. Fernando Haddad anda animado com a cobrança de tributos sobre jogos eletrônicos e outras atividades do e-commerce. Espera acabar com benefício fiscais de diversos segmentos da economia o que lhe frenderia cerca de R$ 150 bilhões – volume extra de arrecadação que poderia viabilizar o pacote fiscal do governo.
Gasto tributário, o nó górdio
É mais que razoável tentar eliminar parte dos R$ 450 bilhões de renúncia fiscal da União em favor de empresas, a exemplo de segmentos organizados como a Zona Franca de Manaus, que já cumpriu seus objetivos há muito tempo. Só que o fim deste benefício levará a disputas ferrenhas no Congresso Nacional. O segmento do agronegócio, que paga pouco imposto e recebe benefícios fiscais, tem uma bancada poderosa na Câmara dos Deputados.
É verdade que seria justo que este segmento da economia que mais cresceu no Brasil devesse pagar mais impostos. A realidade é que as regiões onde a produção agrícola é expressiva as economias locais estão bombando, com muitos negócios em outras áreas e falta de mão de obra. Cidades como Toledo e Cascavel, no Paraná, Rondonópolis e Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, hoje são exemplos de que os ganhos dos produtores rurais acabam contribuindo para gerar outros negócios com distribuição de renda. O fenômeno de crescimento destas regiões está dentro da visão teórica dos textos de economia, segundo a qual quanto menor a carga tributária maior a propensão de investimento dos agentes privados.
Caso o arcabouço de Haddad estimule de fato o crescimento da economia com ganho de receita, as despesas de custeio do Governo poderão aumentar em 70% no orçamento do ano seguinte. A diferença, estes 30%, iria contribuir para o superávit primário e o pagamento de parte dos juros da dívida pública. Digo parte, uma vez que é praticamente impossível pagar o montante dos encargos financeiros sobre a dívida com as taxas atuais de 13,75%, fixadas pelo Banco Central.
Cofre fechado, pero no mucho
É importante lembrar ao leitor que esta regra que limita o crescimento do gasto em 70% será aplicada sobre a menor parte do orçamento da União. É que a folha de pessoal da União de funcionários da ativa, aposentados, da Previdência Social, emendas parlamentares não têm restrições de gastos. Da mesma forma os recursos vinculados à educação e à saúde deverão ser aplicados de acordo com um percentual de arrecadação.
O orçamento de investimentos, que de fato tem um grande potencial de estímulo à atividade produtiva, pouco foi falado. A Casa Civil da Presidência da República tenta retomar o projeto antigo do primeiro governo de Lula, que não deu certo, de parcerias público privadas (PPPs). Diante do baixo interesse dos empresários pelas PPPs, Lula criou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que ficou sob o comando da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O PAC de fato contribuiu para a retomada do crescimento da economia no segundo governo de Lula, pois havia recursos do Tesouro Nacional para colocar de pé os principais projetos de infraestrutura. Hoje, não há estes recursos para investimentos. O pouco dinheiro que tem vem sendo usado para atender as populações mais carentes do País, como o Bolsa Família.
Forma engenhosa
O reforço do caixa da União com arrecadação de impostos, não há dúvida, depende do crescimento da economia. O aumento da carga tributária, como alternativa, só iria sufocar ainda mais a economia. Assim, a engenhosa norma do arcabouço de gastos, de qualquer forma, é bem vista por importantes segmento do mercado por dar previsibilidade sobre a evolução da dívida pública, o que contribuiu para melhorar as expectativas sobre a capacidade de rolagem dos papéis do Tesouro Nacional com taxas de juros mais civilizadas.
O impacto do arcabouço sobre a política monetária do Banco Central neste momento é mínimo para justificar uma redução das taxas de juros em um patamar que possa contribuir com o crescimento da economia. Como foi claramente explicitado na última ata do Copom, a inflação que está sendo enfrentada nos Estados Unidos e Europa é feita com um único remédio: aumento das taxas de juros. O Copom vai acompanhar com cautela este cenário externo e interno para definir o que fazer.
É fato, também, que esta política monetária mais restritiva lá de fora vem contribuindo para a redução dos preços de algumas commodities, como soja, trigo e milho. Por tabela os preços internos destes produtos estão em queda, tirando alguma pressão sobre a inflação. Mas aqui, o BC deixou em aberto a possibilidade de até mesmo aumentar mais juros.
O que pode de fato contribuir para redução dos juros é este ganho de receita esperado por Fernando Haddad, pois seria dinheiro que sairia da mão do setor privado para os cofres públicos. Os R$ 150 bilhões deixariam de fazer parte dos agregados monetários controlados pelo BC. Com menos dinheiro em circulação, o efeito das atuais taxas de juros para controlar a inflação seria potencializado. Ou seja: o BC poderia começar a reduzir os juros.
Mais arrecadação, mesmos impostos
Um aumento da carga tributária com criação de impostos, por outro lado, acaba retirando dinheiro do setor privado e reduzindo o potencial de crescimento da economia. Quando maior a carga tributária menor são os estímulos em investimentos. É verdade que alguns setores da economia conseguem repassar aos consumidores de seus produtos os custos tributários, o acaba alimentando a inflação.
Mesmo com este aumento dos gastos do governo e um processo de queda das taxas de juros, o cenário para retomada do crescimento da economia do Brasil ainda é incerto, não só pelo grave desequilíbrio das contas públicas, mas pelo desempenho da economia mundial que está entrando em um processo de encolhimento para enfrentar o fenômeno da inflação, resultado da grande injeção de recursos no enfrentamento dos efeitos da Covid-19, além do incremento dos preços de energia e das commodities devido, consequências da guerra da Rússia com a Ucrânia.
A retomada do crescimento da economia envolve outros parâmetros macroeconômicos, como a reforma tributária, controle dos gastos obrigatórios, aumento dos investimentos privados e públicos, controle da inflação, exportações e confiança nos fundamentos da economia. A queda dos juros é importante, mas vale lembrar que o atual Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez a façanha de reduzir para 2% as taxas nominais de juros no Brasil, o que levou ao crescimento da economia de forma consistente no governo de Jair Bolsonaro. Como os juros reais ficaram abaixo da inflação por longo tempo, um dos poucos benefício ao Tesouro Nacional foi a redução dos custos da rolagem da dívida pública, o que resultou em uma tungada aos poupadores de pequenos, médios e grandes, fundo de pensão
IVANIR JOSÉ BORTOT ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)