Quando Roberto de Oliveira Campos fundou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, no governo Vargas, nos anos 50 (o S de Social veio no governo Sarney, em 1985), ele atuava no Ministério do Planejamento, em dupla com Octávio Gouvêa de Bulhões no Ministério da Fazenda. Entre as várias novidades da dupla, que tratou de recuperar o crédito público no país, introduzindo a correção monetária (para fomentar o crédito de maior prazo e evitar que os devedores do fisco ganhassem com a inflação), estava a criação do Banco Central do Brasil, em 31 de dezembro de 1964.
O Banco Central começou a operar, de fato, em meados de 1965, retirando do Banco do Brasil o monopólio da emissão da moeda (quando fazia crédito). Com o freio de mão do Banco do Brasil puxado pelo presidente Luiz Moraes Barros (ele foi o único a fazer os empréstimos do BB não crescerem em 1965 e 1966, ganhando o apelido de “Luiz Bobo”, entre os funcionários da instituição), houve uma tremenda quebradeira no país.
Campos e Bulhões eram fustigados pelas classes empresariais e pela imprensa (mas também tinha defensores ardentes). Um deles, dentro do próprio governo, era o ministro da Indústria e do Comércio, Paulo Egydio Martins. Numa entrevista, Martins quis minimizar a quebradeira de empresas com o arrocho do crédito, levando à perda de milhares de empregos, dizendo que “as falências são purificadoras” (…) do “tecido econômico”.
Roberto Campos comungava da mesma ideia e chegou a ser acusado de ser o autor, mas a verdade é que a frase foi proferida pelo ministro da Indústria e do Comércio. Quase 60 anos depois, o instrumento da Recuperação Judicial” evita a falência das empresas e os estragos nos empregos e na cadeia de fornecedores (ainda que em muitos casos só protela o desfecho de uma crise).
Mas o atual presidente do Banco Central do Brasil, Roberto de Oliveira Campos Neto, não deve imaginar que o avô esteja aplaudindo o seu trabalho à frente do Banco Central. Por dois anos seguido não “passou de ano”: teve de escrever cartas aos presidentes do Conselho Monetário Nacional porque não cumpriu sequer o teto das metas de inflação em 2021 e 2022.
Mas o pior é que querendo mostrar serviço (mesmo com os choques externos que dobraram a inflação), continua perseguindo um teto de meta irreal para este ano (4,75%), sem perceber os sinais de quebradeira (via RJ) à sua volta.
O BC finge que não vê o juro alto
Continua me espantando a atitude do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). Na íntegra da Ata referente às reuniões de 21 e 22 de março, quando foi mantida a taxa Selic de 13,75%, o Copom fez uma crítica velada à possibilidade de o governo Lula adotar uma creditícia baseada em taxas subsidiadas e insensíveis à taxa Selic, que teriam impactos altistas sobre a taxa neutra de juros. Neutralizariam o aperto da política monetária.
De certa forma, como observaram alguns analistas de instituições financeiras, mais do que uma advertência ao BNDES, que está contestando o rigor da política monetária, era um recado para que o governo não baixasse demasiadamente as taxas do crédito pessoal consignado para aposentados do INSS. É de espantar, pois os membros do Copom têm de cuidar também da higidez do Sistema Financeiro Nacional, mas não podem matar os seus clientes: pessoas físicas (vale dizer, as famílias) e jurídicas (as empresas).
As taxas máximas do consignado a segurados do INSS eram de 2,14% ao mês quando o Conselho Nacional de Previdência Social reduziu o teto para 1,70% ao mês. Os bancos, inclusive os oficiais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) reclamaram, suspenderam as operações e, depois de muitas negociações, saiu a nova taxa: 1,97% ao mês. Isso equivale a 26,37% ao ano.
O teto de 2,14% ao mês implicava juros de 29% ao ano. Era uma taxa bem menor que a média de 58,3% ao ano cobrada pelos bancos às famílias em fevereiro. Mas na estatística das operações do SFN em fevereiro, divulgadas hoje pelo Banco Central, pelo menos em fevereiro as taxas médias do consignado já estavam em 27,4% ao ano, praticamente no nível fixado. O que me admira é o BC advertir para a cobrança de taxas subsidiadas, mas fazer vista grossa a taxas abusivas.
No levantamento do BC junto a 39 bancos que operavam com o consignado para aposentados do INSS, entre os dias 9 e 15 de março, as menores taxas eram da financeira CCB Brasil, com 17,48% ao ano, seguido pelos 21,51% ao ano do Banco cooperativo Sicoob. A CEF cobrava 2,97% ao ano, o BB, 26,14%. O Bradesco cobrava 27,02% e o Itaú, 28,25% ao ano. A maior taxa era da Financeira Zema: 29,12%.
A bem da verdade, o crédito consignado para os servidores públicos (ainda na ativa e, em média, com salários mais altos que os proventos da aposentadoria tinha juros mais baixos: 24,5% ao ano em fevereiro. O juro médio do crédito pessoal não consignado chegava 86,7% ao ano. No levantamento do BC no mesmo período junto a 79 bancos, nada menos que 30 operavam com juros acima de 100% ao ano. As taxas “mais pornográficas” eram da financeira Crefisa, que patrocina o Palmeiras (789,85% ao ano) e da financeira paulista JBCredi (1.287,87% ao ano!). O prazo de até sete anos do pagamento ajuda a diluir o valor das prestações, mais deixa os idosos e aposentados com acesso ao crédito mais barato da praça refém das famílias
O tombo da indústria
Nessa quinta (30), o IBGE divulgará o resultado da PIM-PF (pesquisa mensal sobre a produção física da indústria) referente a janeiro de 2023. A LCA Consultores está prevendo queda de 0,3% em relação a janeiro de 2022. Descontados os efeitos sazonais, estima queda de 0,8% na passagem de dezembro para janeiro. Os setores em refluxo são a indústria automobilística e produção de derivados de petróleo e gás. Mas o IBGE vai fazer uma revisão metodológica, tornando incertas as previsões.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)