O DIA EM QUE UM JORNALISTA IDEALISTA ACREDITOU NO PATRÃO, MAS SUAS IDEIAS FORAM PARA A LATA DO LIXO

Publicado em 26 de março de 2023

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Em agosto de 1996, a pedido de Otávio Frias Filho, apresentei um plano de aprimoramento do projeto Folha. Acabo de encontrar os originais nos meus arquivos. Acho que vale como retrato de uma época.,

O plano é dividido em capítulos.

O Capítulo 1 era sobre a então situação da Folha.

Dizia que nos últimos 15 anos a FSP dominou a imprensa brasileira, levando-a a se transformar em um setor voltado para o mercado. Ou seja, para os interesses difusos da opinião pública.

De fato, com a profissionalização das agências de publicidade, havia pesquisas definindo os aspectos sócio-econômicos dos leitores de cada veículo. O desafio consistia em conquistar leitores tanto da centro-direita (PSDB) quanto da centro-esquerda (PT).

Lembrava da reação da Folha contra a ditadura, ao encampar as diretas, e contra o corporativismo, que brotou nos primeiros anos de Nova República.

Mas havia sinais claros de esgotamento do modelo. E apontava as razões:

  1. O modelo passou a ser seguido por outros jornais, deixando de ser diferenciado.
  2. O combate sistemático a governos e a interesses corporativistas levou a uma posição agudamente niilista e previsível, reduzindo a capacidade do jornal de influenciar atos do governo e de comandar mudanças culturais.
  3. A busca insistente de manchetes de impacto tem levado o jornal a supervalorizar o supérfluo.
  4. Competição pesada entre repórteres e colunistas levando à supervalorização dos detalhes negativos, em detrimento da compreensão do fato jornalístico no seu todo.
  5. A busca permanente dop negativismo tornou a imprensa temida não só pelos adversários como pelos simpatizantes em geral.

A partir daí, apontava as seguintes saídas:

  1. O jornal que conseguir definir o novo padrão de jornalismo, manterá o predomínio da imprensa nos próximos anos, a exemplo da Folha nos últimos 15 anos.
  2. A fase anterior da imprensa (luta contra a ditadura) exigiam apenas clareza de princípios. A nova fase exigirá muito mais qualidade e competência técnica.
  3. A Folha tem plenas condições de comandar o segundo tempo do jogo. 
  4. A busca da nova etapa exigirá, primeiro, clareza em relação aos novos princípios jornalísticos. Depois, o envolvimento geral da redação em programas de qualidade, já que a nova etapa implicará, acima de tudo, no aprimoramento e na sofiksticação da análise jornalística.

E definia as etapas do aggiornamento

A partir daí, definia alguns princípios a serem seguidos na mudança:

  1. Motivação da crítica.

Toda crítica necessita se justificar por si perante os leitores. O leitor tem que saber o que o jornalista pretende com a crítica, se denunciar um desmando, corrigir um erro. Mas tem que haver, necessariamente, uma justificativa nobre.

  1. O objeto da crítica

Toda crítica tem que ser a posições específicas, não a grupos ou governos. Se a imprensa tratar da mesma maneira todos os atos de governo (ou só elogiando ou só criticando) perda a grande função, que é a capacidade de influir nas situações. Só se consegue atuar de maneira influente quando o criticado entende os critérios do crítico e passa a se pautar por eles.

  1. Legitimação de interesses

Com exceção dos atos ilegais ou criminosos, todo setor tem o direito de defender seus interesses de maneira legítima. Cabe ao jornal reconhecer o direito desses setores, e avaliar suas implicações sobre os direitos dos demais setores.

A simplificação da crítica levou a imprensa em geral ma considerar qualquer interesse setorial como ilegítimo a priori. E a tratar yoda demanda como iníqua.

  1. O uso dos números

Uma das grandes manipulações atuais da mídia é o uso indiscriminado de número – muitros sem o menor nexo – em reforço a teses pouco fundamentadas.

  1. As fontes em off

Nos últimos tempos, voltou-se a exorbitar no velho vício de transmitir denúncias graves (e vagas) a partir de fontes em off. Na campanha contra Collor foram desarmados todos os controles de qualidade. Os controles têm que ser restabelecidos, a partir de programas de qualidade.

  1. Admissão de erro

No apuro do tempo, a única maneira de exercitar com rigor o exercício de julgar é a capacidade de admitir prontamente os erros cometidos.

A figura do ombudsman foi um avanço significativo.

Operacionalizando

Definição de novos princípios

Dois mecanismos básicos:

  1. Seminário interno

Seminário em que se discutisse não só o papel da imprensa, como os mecanismos de controle em uma sociedade democrática, para que ficasse claro para toda a redação o modelo de país que se persegue.

  1. Decálogo

Montagem de novo manual, sistematizando os novos princípios.

Criação de círculos de qualidade

A partir dos princípios, envolver a redação em programas de qualidade, identificando em cada editoria elementos que possam funcionar como estimuladores dos novos princípios.

Poderia ser o próprio editor, mas não apenas. O ideal seria mesclar elementos de cada editoria, independentemente da hierarquia, a fim de que os princípios fossem aceito de maneira participativa.

Sugiro a criação de Grupos de Qualidade, montados à parte da hierarquia interna dos jornais, e alterando-se de maneira rotativa, em torno dos seguintes temas de controle:

  1. Círculo de números

Avaliando a lógica do uso de números pelo jornal e filtrando erros maiores. Depois de cada período, todos os membros do grupo aprenderiam a utilizar os números com mais rigor.

  1. Círculo das retificações

Analisar diaria ou semanalmente todos os casos de fontes e setores que foram criticados, para analisar a qualidade e a rapidez das respostas fornecidas.

espécie de ombudsman dentro da própria redação.

De alguma maneira, poderia se aproveitar uma experiência muito interessante de qualidade adotada pela Xerox. Precisando fornecer atendimento a pequenos clientes, a Xerox criou a figura do Anjo da Guarda. Cada funcionário, independentemente do departamento, fi c o u

responsável por determinado número de pequenos clientes. Ligavam para eles e se apresentavam como seus representantes na empresa.

Ficam responsáveis por resolver todos os problemas deles junto à empresa;

  1. Círculo de pluralidade

Incumbido de analisar se todos os ângulos do problema foram contemplados em cada matéria. Seria um exercicio permanente de levantar os argumentos do “outro lado”

Por exemplo, no episódio do SUS, a imprensa sustentou maciçamente

que o SUS é uma anarquia. Mas ele tem virtudes. Esse circulo seria incumbido semanalmente de fazer um levantamento dos principais temas do jornal e levantar todas as 

indagações capazes de proporcionar uma visão plural.

Acompanhamento

  1. Reunião mensal de conjuntura

Reunião com todos os editores, chefes de sucursal e consultores, incumbidos de traçar o cenário para o mês que os temas e enfoques mais relevantes. Esa reunião ajudaria a focar

a cobertura dos episódios mais relevantes

  1. Reunião diária de pauta

A reunião de pauta não pode ser burocrática. Diariamente a s instituições financeiras fazem reuniões na abertura do mercado, para identificar as noticias que poderão influir no decorrer do dia. A p a r t i r da reunião mensal de Conjuntura, as reuniões de pauta deverão ter essa preocupação, de saber para onde o país vai e quais os temas efetivamente relevantes do dia.

  1. Conselho de Consultores

Há enorme carência de avaliações técnicas no país. Quando se trata de temas complexos, os jornais acabam variando as avaliações de acordo com a fonte de plantão. Dai a necessidade de institucionalizar as melhores fontes em cada uma complexas, a saber:

A) Orçamento/déficit público 

B) Saúde/SUS

C) Administração municipal E assim por diante.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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