Entre pressões contra agentes públicos, rachadinhas, uso da máquina do estado ou nomeações para cargo estratégicos, os políticos vão se protegendo e se perpetuando no poder.
A cultura do patrimonialismo no Brasil sempre existiu, desde os tempos das sesmarias. Em “Os Donos do Poder”, Raymundo Faoro explica as raízes do patrimonialismo brasileiro e a formação do que chamou de “estamento burocrático”, a partir da análise histórica da estruturação da monarquia no Brasil. Sob o bolsonarismo, o patrimonialismo foi levado, talvez, ao seu ponto máximo, desde a redemocratização.
O caso do contrabando de joias, – talvez de armas também -, é emblemático. Demonstra, de forma clara e didática, como Bolsonaro, familiares e assessores usaram a abusaram dos órgãos do Estado em benefício próprio. A pressão sobre auditores da Receita Federal para a liberação de joias que entraram de forma clandestina no país, trazidas na mochila de um agente público em viagem oficial, revela que para essa turma a distinção entre o público e o privado simplesmente não existe.
Não foi a primeira vez que o ex-presidente usou órgãos públicos para beneficiar a si próprio ou aos seus. Em 2020, no auge das investigações sobre as “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio envolvendo o filho 01 – senador Flávio Bolsonaro –, a Abin produziu documentos usados na defesa do parlamentar. Uma das orientações contidas em um dos documentos era a substituição de servidores da Receita Federal em postos estratégicos.
Outro exemplo dessa falta de distinção entre público e privado foi quando tentou emplacar o filho 03 – deputado Eduardo Bolsonaro-, como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Na época, ao responder as críticas, o ex-presidente sequer se preocupou em disfarçar suas intenções. “Lógico que é filho meu, pretendo beneficiar meu filho, sim. Pretendo, está certo. Se puder dar filé mignon ao meu filho, eu dou”.
Foi com esse pensamento de proteger filhos e amigos que Bolsonaro governou durante quatro anos. Essa prática dentro do clã, no entanto, é antiga. Durante os anos em que foi deputado federal, o capitão incentivou os filhos a ingressarem na política tornando-a um meio de vida. As famosas “rachadinhas”, pelo que se pode descobrir nas investigações que acabaram esquecidas, eram práticas comuns.
É bem verdade que as “rachadinhas” não foram inventadas pelos Bolsonaro, sequer é exclusividade deles. No Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e câmaras municipais Brasil afora é quase uma praxe. Poucos são aqueles que não recorrem a esse expediente. Talvez por isso acabe sendo deixada de lado por quem deveria combater. Afinal, com os mecanismos que os órgãos de fiscalização e controle dispõem atualmente seria fácil comprovar o repasse de verbas dos funcionários para parlamentares.
Embora o bolsonarismo tenha alçado o patrimonialismo ao mais elevado patamar, ele está entranhado em todo “estamento burocrático” brasileiro. Não à toa que o atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho, permaneceu no cargo, mesmo após ter sido flagrado usando avião da Força Aérea Brasileira para compromissos particulares, do nepotismo cruzado e outros pecadilhos denunciados pela imprensa nas últimas semanas com tão pouco tempo de ministério.
Ela também se revela na nomeação de esposas de ministros do atual governo em cargos vitalícios nos tribunais de contas estaduais ou municipais. Aliás, coisa que tá virando moda entre os atuais ministros. Além de garantir um bom salário para aumentar a renda doméstica, ao nomeá-las conselheiras dos tribunais de contas os maridos garantem, de quebra, um bom trunfo para futuras negociações políticas em seus redutos eleitorais.
E assim, entre pressões contra agentes públicos, uso da máquina do estado ou nomeações para cargo estratégicos, os políticos vão se protegendo e se perpetuando no poder.
EDNA LIMA ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)