O Congresso, com poder de fiscalização sobre atividades do que chamam de inteligência, terá de chegar à identificação de quem era vigiado
A denúncia genérica de que a Abin seguia e monitorava inimigos de Bolsonaro tem o valor das coisas óbvias: arapongas estavam fazendo arapongagem.
E a arapongagem, aqui ou na Argentina do tempo de Mauricio Macri, que perseguia Cristina Kirchner, padres, jornalistas, professores, sindicalistas, é tudo a mesma coisa. Arapongas existem para arapongar ilegalmente.
Por isso o efeito da reportagem publicada pelo Globo será próximo de zero, em meio às denúncias da manhã, da tarde e da noite, se ficar no que denuncia.
A informação, saída de dentro do esquema, é apenas a pista para que se chegue ao que importa para o desvendamento do que eles faziam e para que se saiba quem eram suas vítimas.
O Congresso, com poder de fiscalização sobre atividades do que chamam de inteligência, terá de chegar à identificação de quem era vigiado e do que o governo guardava dessa espionagem.
Se a atividade era ilegal, caracterizada como perseguição política para controlar inimigos do fascismo. E se pessoas podem ter sido prejudicadas, precisamos saber quem são essas pessoas.
O senador Randolfe Rodrigues anunciou que vai assumir a tarefa de tentar chegar aos nomes. Quem a Abin vinha seguindo e com que objetivo.
O sistema sabe. Gente de dentro da estrutura, que acompanhava tudo sem poder dizer nada, agora pode.
Há indícios de que a Abin não monitorava apenas as esquerdas. Poderosos do entorno orgânico de Bolsonaro, e não necessariamente de dentro do governo, gente com dinheiro, também estaria sendo vigiada.
Para quê? Para ser chantageada? Para que soubessem que o governo sabia o que eles fizeram no inverno de 2018, quando foi montada a estrutura do gabinete do ódio?
Para que fossem alertados de que seus podres estavam bem detalhados nos cadastros da casa?
Arapongagem também existe para isso, para controlar os movimentos de amigos e para cobrar pedágio, na base do você sabe que eu sei tudo.
É preciso ouvir a opinião de Sergio Moro, agora senador. O ex-juiz criou, como ministro da Justiça de Bolsonaro, a Secretaria de Operações Integradas (Seopi), que combateria o crime organizado. Seria um órgão do sistema de inteligência.
Suspeitou-se depois que a Seopi seria um birô à disposição de Bolsonaro, funcionando como uma espécie de polícia política.
Mas Moro fracassou na missão de proteger a família, tanto que foi demitido e saiu atirando. O ex-juiz deve saber de coisas escabrosas.
Foi a Seopi que criou, em 2020, um dossiê com os nomes de 579 servidores federais e estaduais identificados como militantes antifascistas.
Ninguém nunca mais falou do dossiê, revelado pelo jornalista Rubens Valente na Folha de S. Paulo, em julho de 2020.
A Seopi seria a contribuição de Moro para que Bolsonaro tivesse um esquema só dele, como acréscimo e sombra ao Gabinete de Segurança Institucional.
Moro deixou a Justiça dois meses antes da revelação da existência do dossiê. Sabia do trabalho criminoso dos arapongas da Seopi?
Também nunca foi investigada a relação de Gustavo Arribas, diretor geral da Agência Federal de Inteligência (AFI), a Abin da Argentina, com o bolsonarismo.
Arribas comandou, de 2015 e 2019, os arapongas que perseguiram os kirchneristas e as esquerdas. Está sendo processado.
O argentino frequentava as altas rodas do gangsterismo e do fascismo brasileiros, com o pretexto de que negociava jogadores de futebol.
A Polícia Federal descobriu que ele recebeu US$ 850 mil de propina de mafiosos brasileiros. Fazia lavagem de dinheiro para quadrilhas de empresas de recolhimento de lixo e recebia propina da Odebrecht por obras na Argentina.
investigações do Congresso e do Ministério Público argentinos descobriram que os arapongas da AFI tinham contato direto com assessores do gabinete de Macri.
Quem era o Arribas brasileiro, no esquema de arapongagem que usava o robô israelense?
Arribas foi denunciado pelos próprios colegas da AFI, em delações que expuseram a estrutura e o funcionamento da agência a mando da direita macrista.
Não só em nome da transparência, mas também em defesa da preservação do que faz e da própria imagem, a Abin terá que provar que agora é outra.
A Abin terá que abrir os porões usados por Bolsonaro e seus arapongas para perseguir inimigos e extorquir amigos.
MOISÉS MENDES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)