O irmão me informava da sua alegria, do seu novo ânimo quando os artigos voltaram a ser publicados. Ontem me ligou comunicando sua morte.
Morreu ontem André Motta Araújo. Os leitores do Jornal GGN o conheciam de longa data, por seus artigos profundos e pelo enorme conhecimento do mundo econômico, político e empresarial brasileiro e norte-americano.
Mas sabiam pouco de uma vida extraordinária.
Conheci André ainda nos meus tempos de Folha, quando recebi um livrinho de sua autoria, sobre a escola de economia da PUC-Rio, berço do Plano Real e da financeirização da economia, “A Escola do Rio: Fundamentos da Nova Economia Brasileira”.
No livro, ele se referia, de passagem, aos meus artigos, e à maneira como abordava problemas essenciais da economia, fugindo do rame-rame do mercado financeiro.
Antes disso, tinha outros livros, onde denotava um pensamento conservador, mais próximo dos militares. Gradativamente foi mudando e se tornando o mais profundo crítico do negocismo que se apossou do país e no mundo com a financeirização.
Seu livro “Moeda e Prosperidade” é um dos clássicos desconhecidos da bibliografia brasileira. Nele, traça uma profunda análise do início da influência da financeirização no pensamento econômico, a partir dos anos 40. Foi um trabalho meticuloso, para o qual ele passou meses na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
André era um lobista, no melhor sentido da palavra, o sujeito com amplo conhecimento de negócios, de estruturas públicas, de regulação, que pensa e monta negócios legítimos, aproximando empresas e setor público.
Tinha amplo conhecimento nos Estados Unidos. Era muito ligado ao Partido Republicano, a ponto de ser o intermediário da ajuda financeira dada ao ex-Ministro brasileiro Roberto Campos que, no final da vida, passava por necessidades.
Também tinha amplo conhecimento do Departamento de Estado. Foi o principal responsável pela visita de José Dirceu aos Estados Unidos, no início do governo Lula, apresentando-o à Secretária de Estado Condoleezza Rice, e articulando um jantar de ampla repercussão na casa de Katharine Graham, dona célebre do The Washington Post e figura central na campanha do jornal no caso Watergate. Aliás, um dia, indo a Brasília, encontrei André no avião ciceronando uma senhora. Era a filha de Katherine que ia a Brasília entrevistar a recém eleita Dilma Rousseff.
Foi figura central para ajudar o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, a destrinchar o rolo elétrico criado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Na época de FHC, houve a privatização de várias empresas de energia para grupos americanos, que abriram empresas em paraísos fiscais e conseguiram vultosos financiamentos do BNDES, entregando as ações das subsidiárias (que nada valiam, porque eram criadas apenas para adquirir as estatais brasileiras) ao banco.
Quando estourou o tema do etanol, me convidou a ir a um hotel na região da Cerqueira Cezar, para me apresentar Otto Reich, o homem do Departamento de Estado que articulou o golpe contra Hugo Chávez. Reich estava no Brasil representando a família Bush, interessada em explorar a nova energia verde.
Mesmo com tais ligações, foi um dos maiores defensores dos interesses brasileiros. E isso se aprofundou amplamente quando se tornou colaborador do Jornal GGN.
Coube a ele destrinchar o preço da Eletrobras, comparando-o ao de estatais europeias e demonstrando claramente o golpe que estava sendo aplicado com a privatização.
Também foi o primeiro a alertar para o absurdo do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, ir aos Estados Unidos comandando uma comitiva da Lava Jato.
- Que absurdo! A Petrobras está sendo processada. Quem deveria ir era a Advocacia Geral da União, para defender a empresa, não o PGR para passar informações ao Departamento de Justiça.
Quando começou o processo do Departamento de Justiça contra a empresa, cansou de mostrar o mapa da mina ao governo brasileiro, especialmente ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso. O acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos – que respaldou a colaboração no plano criminal – abria uma janela para as empresas consideradas estratégicas.
- Bastaria um telefonema de Dilma a Obama para tirar a Petrobras desse processo, alertava ele.
O alerta foi em vão. Nem o Ministério da Justiça, nem o Itamaraty invocaram o tal artigo.
Sua contribuição ao país foi mais ampla. Em vários artigos abordou a questão da apropriação pelo mercado das agências reguladoras e a maneira como os Estados Unidos tratavam do tema. Na tentativa de reconstrução do Estado brasileiro, trouxe contribuições relevantes sobre a operação das agências nos diversos setores.
Era crítico da forma de atuação do Banco Central brasileiro. Em vários artigos mostrava a diversidade de membros dos conselhos dos BCs americanos, tanto do ponto de vista setorial quanto de escolas de pensamento econômico.
Nos últimos anos sua contribuição ao GGN tornou-se mais escassa. O portal passou por problemas técnicos continuados, eu enfrentei problemas de saúde. Procurei-o algumas semanas atrás. Estava bem fraco, mas ficou entusiasmado com o convite para voltar a escrever ao GGN. Sua condição física era tão precária, que ditava o conteúdo para um irmão, jornalista, que dava o texto final.
O irmão me informava da sua alegria, do seu novo ânimo quando os artigos voltaram a ser publicados. Ontem me ligou comunicando sua morte.
Confira em sua página, os principais artigos publicados no GGN,
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)