Segundo as reportagens, o Almirante deu carteirada, depois o Itamaraty, depois os Bolsonaro, mas o colar permaneceu na alfândega
Na adolescência, uma das histórias que me tocou foi a de um guarda de trânsito inglês, que multou um carro da Rainha. Em plena ditadura brasileira, a ideia de uma democracia em que a própria Rainha era multada era um alento.
No episódio do suborno da Arábia Saudita aos Bolsonaro, transportado por uma “mula” graduada – o Almirante Bento Albuquerque – não apareceu o nome do único herói dessa trama, o fiscal anônimo que impediu o transporte da mercadoria.
Segundo as reportagens, o Almirante deu carteirada, depois o Itamaraty, depois os Bolsonaro, mas o colar permaneceu na alfândega, como prova inconteste do suborno pago.
Não é o primeiro caso que conheço de fiscal que cumpre seu dever.
Anos atrás, o Banco Santander montou uma operação destinada a reduzir o imposto de renda a pagar. Criou uma subsidiária que só dava prejuízo e, na consolidação de resultados, servia para abater o IR.
Um fiscal abriu um inquérito. Foi parar na Justiça. Nesse ínterim, o fiscal se aposentou, mas não largou o inquérito. Apresentou-o na forma de ação popular. O fiscal morreu e a causa foi assumida pelo Ministério Público Federal.
Chegou ao Superior Tribunal de Justiça e foi anulada. Motivo alegado: não haviam sido pagas as custas de 700 e poucos reais. A ação era de um bilhão de reais. Nem adiantou argumentar que o MPF está isento deste pagamento. A ação foi anulada e algum escritório de advocacia regiamente premiado.
Quando denunciei as falcatruas de Saulo Ramos, então Ministro de Sarney, um fiscal aposentado do Banco Central me procurou para entregar o inquérito da Financeira Ideal, onde as digitais de Saulo estavam nítidas. O inquérito parou no MPF, nas mãos de um procurador que, tempos depois, foi nomeado para o Tribunal Regional Federal, Pedro Rotta.
É hora de associações do setor levantarem essas histórias e alimentarem um monumento ao fiscal desconhecido.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)