A determinação imposta pela COVID pode ser um convite para boas leituras
Volta e meia tenho notícia de pessoas próximas com COVID. Parece que teremos de conviver com essa doença por muito tempo ainda.
Já tive três COVIDs confirmadas, pode ser que tenha tido mais, sabe-se lá! Vacinada desde o início com todas as doses recomendadas, passei bem por todas elas.
A primeira foi a mais difícil. Embora já imunizada, ainda havia muitos casos de morte àquela época e era impossível não ter um certo medo. Lembro da sensação horrorosa que foi perder o olfato. Fiquei uma semana sem sentir nada e, assim, empiricamente, descobri que o ar tem cheiro. Isso porque, a princípio, quando deixei de sentir qualquer odor, tive a sensação de que não estava respirando direito. Não fosse algum controle emocional que conquistei a duras penas, teria corrido para o hospital, achando que seria entubada em breve.
Essa primeira foi a mais difícil também porque foi a da quarentena mais longa. Foram 14 dias completamente isolada no meu quarto. Confesso que o isolamento não foi um grande sacrifício, gosto de ficar sozinha. Aproveitei para ler, ver filmes, assistir palestras no YouTube, meditar e tentar praticar um pouco de yoga. Perto do fim da quarentena, quase pronta para voltar ao convívio com o mundo, tive vontade de prorrogar aquele período sabático.
Lembro que li bastante, de um tudo. Acho que foram cinco ou seis livros, de dois eu me recordo bem: Um Mundo Novo – o despertar de uma nova consciência, de Eckhart Tolle; e Meio Sol Amarelo, da nigeriana Chimamanda Nguzi Adichie.
O Meio Sol é um espetáculo de livro. Já tinha lido No Seu Pescoço, da mesma autora, e quero ler todos os outros dela. Chimamanda conta a história de Biafra, país que existiu por pouco menos de três anos, a partir da tentativa de dividir a Nigéria. Atravessei as mais de quinhentas páginas encantada com a história, com a força da sua narrativa e dos personagens.
Na segunda COVID a quarentena foi bem menor e o medo já não me assombrava mais. Fiquei isolada por uns oito dias, de novo achando bom me proporcionar um período sabático. Li menos que da outra vez, mas lembro de ter relido Sidarta, de Hermann Hesse, e outras obras de caráter, digamos, mais espiritualista. Osho, Yogananda e Krishnamurti estiveram comigo nesses dias. Foi um ótimo retiro, mas voltei bem animada para a vida profana.
A terceira COVID me pegou recentemente e me tirou das ruas por não mais que uma semana. De novo os sintomas foram leves. Como tinha um monte de livros esperando na fila da próxima quarentena, nem achei ruim quando o teste rápido confirmou que estava contaminada.
Acontece que um livro furou a fila e caiu nas minhas mãos como quem não quer nada. Equador, do português Miguel Sousa Tavares, trapaceou todos aqueles com quem eu flertava há tempos e arrebatou meu coração.
Que livro! Ia lendo e me encantando com o texto, com a narrativa, com a história inspirada em personagens do início do século XX, que transitavam entre Portugal e as ilhas africanas de São Tomé e Príncipe.
Tal qual com Meio Sol Amarelo, enrolei no final com pena de terminar a leitura de Equador.
Quando sou capturada por um livro, acabo por me envolver tanto que não tenho vontade de deixá-lo. Passo a viver um paradoxo, quero chegar ao fim para saber como termina, mas não quero chegar ao fim justamente para que não termine. E assim me demoro nos últimos trechos, como que a me despedir aos poucos.
O fim me trouxe o alívio de ter vencido as quinhentas e tantas páginas, mas também algumas surpresas e muitas reflexões, seja do ponto de vista pessoal quanto social e político.
Tanto Meio Sol Amarelo quanto Equador falam de seres humanos em meio a crises e mudanças em seus países. Sempre bom lembrar que, qualquer que seja o momento político, há sempre pessoas envolvidas. Pessoas que muitas vezes são apenas vítimas de seus próprios sonhos e ideais.
CLÁUDIA ABREU ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)