Em novembro de 2000, o jornalista Luis Nassif escreveu uma crônica na Folha, em que homenageia o sambista e faz um apanhado de tantas interpretações.
O sambista e compositor Germano Mathias se vai aos 88 anos. Foram 67 anos de carreira no samba e o último suspiro na quarta-feira de cinzas. Germano estava internado com pneumonia em um hospital de Franco da Rocha.
Germano Mathias nasceu em 1934 e, para o samba, em 1955. Estava preparando um álbum para contar esses 67 anos de carreira, principalmente em São Paulo.
Em novembro de 2000, o jornalista Luis Nassif escreveu uma crônica na Folha, em que homenageia o sambista e faz um apanhado de tantas interpretações. Leia a seguir.
por Luis Nassif
A enorme árvore do samba deu frutos de toda natureza, do samba de roda à bossa nova. Desse tronco, um dos frutos mais nobres é o do samba sincopado um tipo de samba quebrado surgido a partir das rodas de capoeira, que parece caminhar em uma direção, mas de repente quebra para um movimento imprevisto, como a própria dança da capoeira. Creio que o sincopado é o gênero mais rico de todo o universo rítmico do samba.
Até por sua complexidade, é nobre, mas não numerosa, a linhagem dos cultivadores do sincopado. Luiz Barbosa e Mário Reis foram os pioneiros. Ciro Monteiro dominou o panorama nos anos 40 e 50, assim como o paulista Vassourinha. Jorge Veiga transitou por essas águas, e Jackson do Pandeiro conseguiu adicionar o molho nordestino dos cocos e das emboladas.
Entre os compositores, o maior de todos foi Geraldo Pereira. Janet de Almeida, irmão de Joel de Almeida, teria sido outro compositor fundamental do sincopado, não tivesse falecido prematuramente aos 28 anos. Tenho uma gravação dele, em fita cassete, de “Madame” (“madame diz que a raça não melhora / que a vida piora / por causa do samba”), de sua autoria. No CD “João”, João Gilberto a regrava com todos os trejeitos e quebradas de Janet de Almeida, deixando claríssima a influência exercida pelo sincopado sobre seu estilo e sua batida.
O último rei do sincopado, e também dos últimos da pouco conhecida estirpe da malandragem paulistana, mora no Jardim Paulistano, em São Paulo, na Vila Brasilândia. É Germano Mathias, o “catedrático do samba”, nascido no Pari em 34.
Sua formação musical remonta os engraxates da praça da Sé, uma molecada que engraxava durante a semana e às quintas, sábados e domingos juntava suas latas de graxa para rodas de “tiriri” (espécie de capoeira) nas gafieiras “Caçamba”, na rua Quintino Bocaiúva, e “Amarelinho” na João Mendes.
Foi Toniquinho Batuqueiro, ainda vivo, que ensinou Germano a fazer tiririca e dar pernada, e lhe passou a dica: “Você canta direitinho, por que não tenta o rádio?”. No programa da hora do almoço “Caravana da Alegria”, a rádio Tupi criou o concurso “À Procura de um Astro”, para conseguir um substituto para o gaúcho Caco Velho, chamado de “o sambista de São Paulo”, outro cultivador do sincopado. Foram 300 candidatos. Germano Mathias venceu, ganhou contrato de quatro meses, posteriormente renovado por dois anos.
Sua primeira gravação foi de 1956, “Minha nega na janela”. Logo depois gravou o “Falso Rebolado”, de Jorge Costa e Venâncio, “Malvadeza Durão”, de José Keti e “Bonitona do Primeiro Andar”, do Jorge Costa.
Quando Germano decidiu entrar na carreira, Ciro Monteiro havia estourado com “O Escurinho”, de Geraldo Pereira (“o escurinho era um malandro direitinho / agora está com a mania de brigão”), e já consagrava grandes compositores do sincopado, como Raimundo Olavo, Ari Cordovil (“formiga que quer se prender / cria asa”).
Em São Paulo, o ponto da malandragem musical era na avenida Ipiranga, em frente ao Juca Pato. Para lá se dirigiam os compositores cariocas, quando em São Paulo. Foi lá que Germano Mathias foi apresentado a Aldacir Loro, parceiro do grande Padeirinho, compositor histórico da Mangueira. Loro lhe apresentou o samba “A situação do Escurinho”, de parceria com Padeirinho, que era a seqüência de “O Escurinho”.
Germano passou a gravar intensamente Padeirinho, lançou as melhores músicas de Zé Keti, como “Opinião”, “Diz que fui por aí” e “Nega Dina”, de Zé Kety, antes do show Opinião, de Nara Leão. E não parou mais.
Nos próximos meses deve sair livro de Caio Silveira Ramos sobre a malandragem paulista. Mas o bom malandro Germano Mathias não quer apenas reconhecimento da história. A exemplo de Nelson Cavaquinho prefere uns showzinhos a mais em vida. Por isso, antes de celebrações, ele solicita com a voz malemolente de “malandro” que se divulgue o seu telefone para shows: (0/xx/11) 3972-2541.
Quem o procurar não terá apenas uma noitada inesquecível. Mas será apresentado, em vida, a um dos maiores sambistas que este país já conheceu.
LOURDES NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)