TEMER JÁ ASSUMIU GOLPE DE ESTADO EM PELO MENOS DUAS ENTREVISTAS

CHARGE DE NANDO MOTTA

GGN relembra episódios em que o emedebista assumiu a ação contra a Dilma Rousseff e o Brasil

Em setembro de 2019, na mira de jornalistas e em rede nacional, o ex-presidente Michel Temer (MDB) usou a palavra “golpe” para se referir ao impeachment de Dilma Rousseff (PT). Teria ele, então, admitido a ação contra a líder de quem era vice, em 2016? O GGN explica. 

A fatídica declaração do emedebista foi dada durante a entrevista ao programa Roda Vida, da TV Cultura. Na ocasião, Temer usou “golpe” ao menos duas vezes para se referir ao processo de afastamento da petista do cargo máximo do Executivo. 

Eu não poderia ser o articulador de um ‘golpe’, porque chegaria muito mal ao governo”, disse Temer, em resposta a um questionamento feito pelo jornalista Ricardo Noblat.

Logo em seguida, Noblat rebateu a fala: “Vê-lo chamar aquilo tudo de golpe é muito interessante depois de tê-lo visto sendo acusado de golpista o tempo inteiro”. 

GGN resgatou a fala em meio negativa de Temer sobre a repercussão de uma fala do presidente Lula, que afirmou que o Brasil foi vítima de um golpe de estado em 2016. 

Agora, Temer diz que “o país não foi vítima de golpe algum” e “foi, na verdade, aplicada a pena prevista para quem infringe a Constituição”. 

Mas há controvérsias, levantadas pelo próprio político como a citada acima.

Dilma é “honestíssima” 

Dilma foi afastada do cargo a partir de um pedido que dizia que ela usou dinheiro público sem a devida autorização do Congresso, prática conhecida como “pedalada fiscal”. Já em março de 2022, a própria justiça julgou que não houve fraude por parte da gestão petista. 

A decisão foi do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ), que extinguiu por unanimidade uma ação popular que pedia para Dilma reembolsar os cofres públicos pelos prejuízos causados pelas supostas pedaladas. 

A 7ª Turma Especializada decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação de Dilma Vana Rousseff, reformando integralmente a sentença atacada para extinguir o feito sem resolução do mérito“, diz trecho da decisão. 

Já em julho de 2022, Temer afirmou que o golpe só ocorreu porque Dilma não tinha um bom relacionamento com os parlamentares de oposição, não por algum erro fiscal cometido.

Eu quero dizer que a ex-presidente é honesta. Eu sei, e pude acompanhar, que não há nada que possa apodá-la de corrupta. Ela é honestíssima. Mas houve problemas políticos. Ela teve dificuldades no relacionamento com a sociedade e com o Congresso Nacional”, disse Temer à época.

A carta do golpe

A suposta má relação de Dilma com a oposição, tese defendida por Temer, foi – inclusive – o teor de uma carta pessoal do emedebista endereçada a então presidente, em 2015. (Leia a íntegra da carta, no final da matéria).

No texto, Temer listou episódios que demonstraram “desconfiança” de Dilma sobre a sua pessoa. Além disso, chama atenção o descontentamento de Temer com a falta de holofotes. 

Ele escreveu que passou o primeiro mandato de Dilma como um “vice decorativo” e que perdeu “todo protagonismo político” que teve no passado. 

Cerca de um ano depois, Temer usou carta à Dilma como álibi, já que era vice decorativo, não conhecia esquemas casos de corrupção desvendados na operação Lava Jato que envolvem o MDB, antigo PMDB.

A escolha

O ex-presidente ainda teria admitido que atuou desde o início pela promoção do impeachment, no livro “A Escolha, como um presidente conseguiu superar grave crise e apresentar uma agenda para o Brasil“, uma espécie de autobiografia, lançado no final de 2020.

Segundo a RBA, Temer conta na obra que desde 2015 se aproximou de militares como o General Sérgio Etchegoyen e o então comandante do Exército, General Villas Bôas.

O co-autor do livro, Dennis Lerrer Rosenfield afirmou que Dilma estaria pensando em mudar a Lei de Anistia e havia outros temas de Direitos Humanos que incomodavam a caserna. O golpe, então, teria sido articulado por conta do temor dos militares.

Leia a íntegra da carta de Temer para Dilma:

São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.

Senhora Presidente,

“Verba volant, scripta manent” (As palavras voam, os escritos permanecem)

Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.

Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.

Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.

Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.

Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.

Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.

Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo.

Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.

1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.

2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.

3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.

4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.

5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.

6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.

7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.

8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da “espionagem” americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;

9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.

10. Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.

11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.

Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.

Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.

Respeitosamente,

\ L TEMER

A Sua Excelência a Senhora

Doutora DILMA ROUSSEFF

DO. Presidente da República do Brasil

ANA GABRIELA SALES “JORNAL GGN” ( BRASIL)

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