BANCO CÉDULA CONDENADO POR ESTELIONATO; BANCO CENTRAL CRUZA OS BRAÇOS E NÃO LIQUIDA O BANCO

CHARGE DE ANGELI

Após os corredores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro serem sacudidos, semana passada, pelas batalhas entre os poderosos advogados de grandes bancos, de grandes fornecedores e os representantes das Americanas, que, com dívidas de R$ 43 bilhões, teve sua Recuperação Judicial aprovada 5ª feira, 19 de janeiro, a 1ª Câmara Cível do TJ-RJ será palco nesta 3ª feira, 24 de janeiro, de caso que pode lavar a alma de boa parte dos 65 milhões de brasileiros com nomes sujos no Serasa e no SPC por dívidas em atraso.

Trata-se do julgamento, pelos desembargadores da 1ª Câmara, de uma apelação do Banco Cédula, que foi condenado em 2019 a pagar indenização em ação coletiva movida por investidores em papéis do banco na cidade de Campos dos Goytacazes, no Norte fluminense, no começo deste século.

Estranhamente, o juiz de Campos, que antes condenara o Cédula na ação coletiva, quando as execuções das dívidas entraram na fase de cobranças individuais, mudou de entendimento. E desdisse o que aprovara antes.

A relatoria do embargo está nas mãos do desembargador Sérgio Ricardo Arruda, que já condenou o banco em 1ª instância por estelionato na ação movida por uma centena de investidores representados pelo advogado Cristiano Muller. Mais dois desembargadores integram a turma, um deles com o voto revisor.

História exemplar

A história é exemplar de como os direitos dos pequenos investidores valem quase tão pouco quando o dos devedores quando um banco está no centro do problema, ainda que de pequeno porte como o Cédula, com uma agência no centro do Rio, na Rua Gonçalves Dias, quase em frente à Confeitaria Colombo.

A Cédula era uma financeira controlada por Michel Stivelman, que operava de modo muito conservador em matéria de empréstimos, concentrados no crédito pessoal (com altas taxas de juros e em troca de garantias reais, imóveis ou automóveis, de preferência).

Seu histórico de baixa alavancagem (empréstimos) em relação ao capital e reservas indicava que os donos se valiam da carta patente da financeira para fazer uma “agiotagem paralela”, regulada pelo Banco Central do Brasil. Quando, no governo José Sarney, houve a oportunidade para conversão, mediante aporte de capital, das cartas patentes de financeiras, distribuidoras de valores e corretoras em cartas patentes de bancos, surgiu o Banco Cédula.

Mas o conservadorismo prevaleceu e o banco não expandiu sua rede. Preferiu fazer parcerias com outras instituições e explorar outras praças (na captação e nos empréstimos) com a figura do “correspondente bancário”, reconhecido pelo Banco Central, que pode ser até um estabelecimento comercial em áreas pouco servidas por agências de bancos.

O Cédula se associou ao Banco Morada, que era oriundo da Associação de Poupança e Empréstimo Morada, que virou banco também no governo Sarney. Ambos foram atuar em Campos por intermédio de correspondentes bancários. Os investidores nos papéis da dupla bancária movimentavam recursos com talões de cheques do Banco Cédula.

Na esteira da crise financeira mundial de agosto de 2008, com a restrição ao crédito internacional que levou à fusão do Unibanco com o Itaú, em fins de 2008, dois anos depois (vítima de rombo escondido do tipo das Americanas), o grupo Silvio Santos se desfez do controle do Banco PanAmericano, transferido para a Caixa Econômica Federal e o BTG-Pactual (hoje seu controlador). Outros bancos quebraram ou mudaram de dono, com o BV.

Dois pesos e duas medidas

A crise de liquidez se agravou e o Banco Morada sofreu intervenção do Banco Central, em abril de 2011. Os reflexos no Cédula foram imediatos. O banco refreou as operações e passou a não honrar as aplicações financeiras que recebera em parceria com o Morada, através da malha de captação dos correspondentes bancários.

Embora seguisse cobrando normalmente as dívidas dos tomadores de empréstimos via correspondentes bancários, agia diferente com os investidores em seus papéis, que não honrava o retorno do principal com os rendimentos devidos. Os advogados do banco, hoje representado por Mauro Dickeinstein, tiveram o desplante de alegar (e o juiz campista aceitou) que a emissão de talões de cheque do Banco Cédula em nome dos clientes investidores não servia de prova para configurar a responsabilidade do banco.

Se prevalecer o parecer anterior do desembargador Sérgio Ricardo Arruda, o Cédula será condenado em 2ª Instância. Mas há dois outros votos de desembargadores, e o pai do advogado do Cédula, Marcelo Dickenstein, integra a seleta corte de desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Banco Cédula foi condenado por estelionato

Se um cliente dá um cheque sem fundos, por determinação do Banco Central do Brasil (Bacen), tem sua conta encerrada e seu nome incluído no Serasa. Já em relação a um banco, no caso o Banco Cédula, condenado por estelionato, o Bacen nada fez, não tomando nenhuma medida punitiva como é obrigado por lei. Em qualquer outro país do mundo, o Banco Cédula teria sido liquidado pelas autoridades monetárias.

Questionado pelo JB, o Banco Central do Brasil não respondeu às nossas perguntas que qualquer leitor ou simples cidadão quer saber:

1 – Qual foi a punição que esse Banco Central impôs ao Banco Cédula ao ser condenado por estelionato (a íntegra da decisão foi enviada semana passada à assessoria de imprensa do Banco Central, que não deu retorno).

2 – Por que o Banco Cédula não foi liquidado como manda a lei e seus diretores processados?

3 – Por que Michel Stivelman e seus filhos Eduardo e Gilberto e o diretor Franklin Pereira não foram proibidos de atuar no mercado financeiro?

4 – Por que o Banco Central não denunciou diretoria do Banco Cédula ao Ministério Público?

Auditores veem problemas no banco

O último balanço apresentado pelo Banco Cédula é de 30 de junho de 2022. No parecer assinado pelo representante da Auditec – Auditoria e Perícia Contábil, o contador Alexandre de Castro Mello assinala “Base de Opinião com Ressalva”, pois identifica o não lançamento “contingências passivas de perdas de R$ 7,829 milhões” em ações judiciais, tendo provisionado apenas R$ 4,950 milhões, sendo assim o Banco Cédula “não reconheceu contabilmente das Demonstrações Contábeis de 30 de junho de 2022 “provisões para o passivo complementar da ordem de R$ 2,879 milhões”.

Confissão de paralisia

Outro fato que salta aos olhos é a própria confissão apócrifa no balanço do Cédula em 30 de junho de 2022, que não tem a assinatura de nenhum diretor responsável, de que “na incerteza decorrente do cenário econômico-financeiro e político, o Banco Cédula paralisou suas operações de crédito e passou a administrar sua carteira de recebíveis aguardando um cenário melhor na economia”. E continua:

“Para a exercício de 2022, o banco está estudando novos limites e modalidades de crédito para a retomada gradativa de suas operações. No primeiro momento, o banco pretende continuar com as operações de crédito com garantias de alienação fiduciária de imóveis”.

Com os juros escorchantes que cobra, a fila das execuções só engrossa.

Mas o Banco Central tem outros motivos para sustar as operações do Banco Cédula. No balanço de junho do ano passado, o banco acumulava prejuízos de R$ 39,186 milhões, praticamente metade do capital social de R$ 80 milhões.

E no exame das fontes de captação, os CBDs emitidos para os próprios donos são a liquidez para o banco fazer a reciclagem da agiotagem regularizada e tolerada pelo Banco Central.

REPORTAGEM DO ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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