A MORTE DE SÉRGIO ABREU, UM GÊNIO DO VIOLÃO

Irmãos Abreu

Lembrei-me das serenatas de São João, meu coração brasileiro bateu ao som de cada corda puxada, com cada detalhe de interpretação.

Na adolescência, convivi com Sérgio Assad em São João da Boa Vista. Nas serestas que fazíamos, o grande sonho dele e do irmão Odair era chegar perto dos irmãos Abreu. Fábio Zanon, o grande violonista e crítico chegou a afirmar que o violão do Século 20 tinha duas unanimidades: o solista Andrés Segóvia e o duo Assad.

Faltou incluir o duo Abreu. Naquele período dos anos 70, nada se aproximava do seu talento, do rigor das interpretações. O vídeo abaixo, a Tocata K141 de Scarlatti, é a mais bela interpretação que já ouvi do violão,

O primeiro professor dos irmãos Abreu foi o avô, Antonio Rebelo, da geração de brilhantes violonistas do Rio, ao lado de Luiz Bonfá, todos discípulos do mestre Isaias Sávio.

A segunda mestra foi Adolfina, figura extraordinária, das alunas prediletas do maior mestre de violão do século, o espanhol André Segóvia (1893-1987). Com ela, os irmãos aprenderam técnica e interpretação.

Depois, estudaram harmonia com os maestros Florêncio de Almeida Lima e Guido Santorsola.

Adolfina não recebia profissionalmente pelas aulas. Mas só dava aulas para os escolhidos. Foi assim com os irmãos Abreu e, depois, com os Assad. Colocava os meninos para tocar, ouvia em silêncio e, depois, dizia se aceitava ou não como discípulos.

Em 1960, Eduardo Abreu recebeu medalha de ouro no Concurso de Arte Infantil, do Ministério da Educação e Cultura. Em 1967, antes dos 20 anos, os irmãos Abreu receberam o primeiro prêmio do Concurso Internacional de Violão promovido em Paris, França, pela ORTF. Em 1972, apresentaram-se no Festival de Windsor, em Londres, Inglaterra, tocando com o violinista Yehudi Menuhin (1916-1999), o maior de seu tempo. Com a English Chamber Orchestra, gravaram os concertos para dois violões e orquestra de Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968) e Santorsola.

O país já tinha um contingente considerável de violonistas populares. Entre os clássicos havia Barbosa Lima, precoce e que cedo se mudara para os Estados Unidos. Havia também Turíbio Santos, Maria Lívia São Marcos, e não muitos outros.

Mas o duo Abreu fora mais longe do que todos. Foram os primeiros violonistas eruditos brasileiros que podiam ser considerados os melhores do mundo. De repente, acabou. O que deu nesses meninos? Até hoje lembro do meu estupor quando, lá por 1975, informaram que o duo havia se desfeito. Uma chama de incredulidade se alastrou por todos os círculos violonísticos do país. O que ocorrera com nossas duas maiores vocações?

Vieram explicações picadas, porque os jornais estavam distantes do mundo do violão. Disseram para a gente que simplesmente os dois jovens se cansaram da carreira de concertistas, de terem que viajar o ano todo, treinar dez horas por dia, não tomar sol. Assim! Não podia, ora!

Eduardo foi o primeiro a parar, em 1975, e passou a se dedicar à engenharia eletrônica. Em 1993, concluiu o doutorado na Universidade de Santa Mônica, nos Estados Unidos. Deixar o violão brasileiro órfão em troca de um diploma de engenheiro eletrônico? Nem que ganhasse o Nobel da área não supriria a perda deixada no país.

Sérgio continuou tocando até 1981. Depois, abandonou a interpretação e se especializou em construir violões. Tornou-se um dos “luthiers” mais prestigiados do mundo. Mas e seu som? E o som do duo?
Alguns anos depois, os irmãos Assad recuperariam para o Brasil o cetro de melhor duo violonístico do mundo.

Outro dia, ouvi-os tocar com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Lembrei-me das serenatas de São João, meu coração brasileiro bateu ao som de cada corda puxada, com cada detalhe de interpretação.
Mas continuei inconformado. O que deu nos meninos Abreu para nos deixar assim na mão?

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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