“Criação de um Serviço de Proteção Constitucional é tarefa prioritária para que fascistas nunca mais ousem tingir nossas instituições”, afirma Eugênio Aragão
Superar as mazelas de uma sociedade conservadora, violenta e escravocrata num quadro de democracia eletiva multipartidária não é tarefa para amadores. Já devíamos saber disso desde 2003, quando do início do primeiro governo do Presidente Lula. Foram treze anos de tentativas sucessivas de ruptura do roteiro traçado pelos constituintes de 1987-1988 e muitas delas com visceral participação de honrosas instituições, sempre com o rufar dos tambores de quem dita o tom de ódio contra a esquerda do espectro político.
Derrubaram a Presidenta Dilma num golpe de dislexia hermenêutica cínica, condenaram o Presidente Lula e o impediram de concorrer nas eleições de 2018. Preferiram Barrabás a Jesus.
Lula ressuscitou na política diante do desmascaramento quase acidental dos métodos conspirativos escandalosos adotados por juízes e membros do ministério público empenhados em cercear a vontade popular. Mas o ódio que foi semeado anos a fio por aqueles que soltaram Barrabás para presidir o país não morreu. Ninguém fez um sério mea culpa. Os que se sujaram preferiram varrer a imundície para debaixo do tapete. Todos viraram democratas convictos. De fachada, claro. E há os que nem se esforçaram por disfarçar sua predileção pelo caos de Barrabás.
Mudança de atitudes em viragem do autoritarismo para a democracia não acontecem por simples vontade dos verdadeiros democratas. A República Federal da Alemanha precisou de uma nova geração de políticos para, mais de vinte anos depois da catástrofe de 1945, retrabalhar seu passado. Fazer a crítica consistente da ditadura ou de um governo desqualificado exige tempo. Aos democratas de verdade incumbe sobretudo impedir retrocessos.
O que aconteceu em 8 de janeiro foi fruto da ilusão de que bastasse virar a página do governo Bolsonaro para todos nós retomarmos a senda democrática a partir daquele ponto da inconstitucional ruptura de 2016, como se fosse possível fingir que pudéssemos deixar de lado anos de aventuras fascistas que contaminaram não só a sociedade, mas muitas instituições também.
Com o fascismo não pode haver acordo e nem rapapés. Que nos desculpe o ministro da defesa. Depois de uma das campanhas presidenciais mais sórdidas da história republicana brasileira, em que a vitória das forças democráticas veio muito mais como fruto de atuação assertiva do judiciário, descompromissado com a mentira e a sem-vergonhice do adversário, do que pelas virtudes do vencedor, cabe ao governo da vez, escudado na clara vontade de magistrados de varrer as forças do atraso para a latrina da história, mostrar autoridade.
O Presidente da República, como comandante supremo das Forças Armadas, há de mandar mensagem clara aos quartéis: acabou o fascismo. Agora, ou respeitam as instituições, a vontade popular e a constituição, ou passam para a reserva e muda a guarda! A escolha dos comandantes das Forças não pode ser feita de modo a fazer prevalecer o aleatório critério da antiguidade. Os perfis precisam mostrar compromisso com a democracia e respeito ao resultado das eleições.
Sabedor o governo das tentações fascistas ainda a pairarem pelos ares de Brasília, cabe, por outro lado, encher a Esplanada de efetivos da Força Nacional, tal qual ocorreu em 2016, quando fascistas acamparam em frente ao Congresso, mas nenhum deles ousou o que ousaram em 8 de janeiro passado!
E, por último, não é concebível que quem esteja no governo não tenha a seu dispor um serviço de inteligência de sua confiança, que lhe trace os riscos do ambiente político. Essa falha, é claro, precisará de tempo para ser suprida, pois quadros adequados não se recrutam ao estalar de dedos. Mas, por isso mesmo, não há tempo a perder. A criação de um Serviço de Proteção Constitucional é tarefa prioritária para que fascistas nunca mais ousem tingir nossa democracias e nossas instituições.
EUGÊNIO ARAGÃO ” BLOB BRASIL 247″ ( BRASIL)