Termo alude a cumprimento militar; chamadas para invasão do Planalto, Congresso e STF correram em redes sociais
“Selma”, uma alusão à Selva — expressão usada por militares brasileiros — foi um dos códigos usados por bolsonaristas para combinar as últimas etapas de invasão da Praça dos Três Poderes. Segundo apuração exclusiva da Agência Pública, o código vinha sendo usado há dias pelos bolsonaristas livremente em redes sociais abertas, como o Twitter.
A expressão “Festa da Selma” chegou a ser utilizada junto à hashtag #BrazilianSpring — Primavera Brasileira, em inglês. Reportagem da Pública revelou que a expressão foi lançada por Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, logo após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. O termo é uma apropriação dos movimentos em países árabes pró-democracia, e foi compartilhado por Bannon para levantar dúvidas falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro.
A partir de 5 de janeiro, quinta-feira, o termo passou a ser mais utilizado no Twitter, junto a vídeos que traziam uma série de códigos bolsonaristas para combinar os ataques.
Um dos primeiros a chamar bolsonaristas para “Festa da Selma” foi do perfil @Fernand58617686, que usa apenas o nome Brasil e se descreve como “Deus, Pátria, família e liberdade. Conservadora, Direita”.
No vídeo, bolsonaristas já diziam que o sábado — dia anterior à invasão — seria a “pré-festa da Selma”. Na data, outros perfis postavam mapas da Praça dos Três Poderes, onde ocorreria a invasão.
De acordo com apuração da Pública, o perfil de Twitter mais ativo na divulgação da “Festa da Selma” foi o @Vanessasdireita, que fez ao menos 57 publicações e leva o termo em seu nome de usuário. Criado em novembro de 2022, o perfil já fez 14,3 mil tuítes e, de acordo com a ferramenta BotoMeter, apresenta indícios de automatização.
“A festa da Selma hoje vai está bombando. Não param de chegar convidados! Ela pediu para vocês viralizar esse convite! A entrada é liberada para todos os patriotas do Brasil, tirando crianças e idosos. Vai ser o maior Show de todos os tempos, ñ fique de fora Felicidades Selma”, publicou às 02:49 da madrugada. O conteúdo está fixado em seu perfil e teve mais de 8 mil visualizações, além de 119 retuítes e 434 curtidas.
Ao contrário de outros atos bolsonaristas, nos quais a replicação de imagens de crianças e idosos nas manifestações era usada como uma forma de demonstrar um suposto caráter popular e pacífico, neste caso a presença dos mesmos foi desestimulada.
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O segundo perfil que mais publicou foi o @SianoAker, que fez 41 tuítes com o termo. Em um de seus posts, feito às 17:43, disse que “a festa da Selma não tem dia para terminar”. “Preparem-se para acampar, cozinhar e usar os banheiros daí. Não arredem o pé!”. O conteúdo chegou a 731 visualizações, 24 retuítes e 62 curtidas.
De acordo com repórter da Pública que está in loco acompanhando os atos, algumas pessoas já estavam indo embora da Esplanada no momento da publicação do tuíte.
Perfis no Twitter que fizeram várias publicações com o termo “Festa da Selma” criaram suas próprias bolhas e ajudaram a popularizar o ato
A presença de alguns perfis que tuitaram ostensivamente sobre o assunto ajudou a popularizar o termo no Twitter. A reportagem analisou a disseminação de “festa da selma” no Twitter nos últimos 7 dias por meio da ferramenta Hoaxy, criada pelo Observatório de Mídias Sociais da Universidade de Indiana.
Um dos perfis chegou a ironizar o atual ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, questionando um artigo do ministro que afirmava que grupos extremistas não iriam mandar no Brasil. Na noite anterior ao ataque, o perfil @Marcelo21704561 postou: “Eu conto ou bcs [sic] contam? Ou deixamos a surpresa para amanhã na festa da Selma?”.
Entre os perfis que compartilharam o chamado para a invasão estavam até mesmo perfis verificados no Twitter com o Twitter Blue — a verificação acontece através do pagamento. Isac Ferreira é um deles, que tem mais de 75 mil seguidores e a conta com o selinho azul instituído pelo novo CEO da rede social Elon Musk.
Na tarde deste domingo, durante a invasão em Brasília, ele postou um chamado para a Selma, convocando bolsonaristas a levarem Bíblias. O chamado de Isac compartilha uma postagem dele próprio de 3 de janeiro, com uma foto das manifestações de 2013 quando os manifestantes foram ao Congresso Nacional.
Além da invasão em Brasília, perfis bolsonaristas também utilizaram o termo Festa da Selma para convocar manifestações em frente a refinarias da Petrobras pelo Brasil. Segundo apuração do UOL, na noite de sábado, 7 de janeiro, bolsonaristas se manifestaram em frente à refinaria Henrique Lage, da Petrobras, em São José dos Campos (SP).
BRUNO FONSECA E LAURA SCOFIELD ” AGÊNCIA INVESTIGATIVA PÚBLICA” ( BRASIL)