O “Boas Festas” de Assis Valente tornou-se o hino nacional do Natal brasileiro.
A rica música brasileira tem subgêneros extraordinários. Um deles é o das músicas juninas. Outro, das músicas natalinas. Em ambos os casos, sobressai o gênio de Assis Valente.
É curiosa sua história.
Foi criado na Bahia por uma família de coronéis locais, antepassados de meu amigo Gutenberg, o Baiano, figura conhecida nas rodas de boemia antigas de São Paulo.
Segundo seus biógrafos, Assis foi tirado dos pais na infância, trabalhou como empregado e viajou com circo pelo interior da Bahia. Mas a família obrigou-o a estudar. Segundo seus biógrafos, estudou desenho e escultura no Liceu de Artes e Ofício, foi limpador de frascos no Hospital Santa Izabel, trabalhou na farmácia do Hospital Municipal em Senhor do Bonfim, engajou-se no Circo Brasileiro e, em 1922, ingressou em um curso de prótese dentária.
Chegou ao Rio tentando a carreira de desenhista e conseguiu publicar alguma coisa no “Fon Fon” e na “Shimy”, revista que celebrava nús.
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Formou-se protético e, em determinada fase de sua vida, mudou-se para Poços de Caldas, para trabalhar com o consultório de um dentista conhecido da cidade,, avô da futura cantora Paula Santoro.
O dentista era revolucionário. Chegou a desenvolver uma máquina de anestesia, que dava pequenos choques no dente do paciente. Tratou até de uma dor de dente de Nelson Rockefeller.
Assis morava na pensão da mãe de Newton Delgado, personagem folclórico da cidade, ex-pracinha e, depois, um dos expoentes do movimento gay na cidade. Newton saiu para a guerra namorando uma moça, futura freira. Voltou e não quis mais saber. As lendas da cidade diziam que ele foi vítima de uma bala dum-dum – bala que ficava no chão e estraçalhava as partes pudendas das vítimas. Depois, se soube que ele ficou em trabalhos administrativos. Mudou por gosto mesmo.
Em Poços, Assis Valente tornou-se amigo da juventude dourada local, entre os quais o futuro banqueiro Walther Moreira Salles. Não ocultava uma enorme paixão por Carmen Miranda, intérprete de suas principais canções. Mas já era um gay discreto.
No início dos anos 70, fui a Poços preparar uma matéria sobre os cassinos locais, e o filho do dentista me presenteou com uma foto de Assis Valente com seu namorado carioca.
Não foi o único compositor de renome a morar na cidade. Ari Barroso, então um estudante de Direito, abandonou tudo pelo piano e passava temporadas tocando na boate Ao Ponto, de Nico Duarte. Seguramente “Rancho Fundo” foi composta lá ou, pelo menos, inspirada por lá, já que era o nome do rancho de um dos Junqueira locais.
O drama de Assis Valente com sua bissexualidade, e a infância pesada acabaram levando-o a sete tentativas de suicídio. A última consumou-se. Mas deixa, para sempre, composições que ajudaram a firmar o perfil do brasileiro popular e, especialmente, cantou com um lirismo inigualável a miséria atávica do país.
O “Boas Festas” de Assis Valente tornou-se o hino nacional do Natal brasileiro.
Seja na forma sinfônica.
Na forma intimista.
Na forma Novos Baianos
Na Orquestra Maré do Amanhã
As Meninas Cantoras de Petrópolis
Os Diabos do Céu.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)