A DELAÇÃO DE PALOCCI ERA PODRE, MAS MORO A USOU POLITICAMENTE

O acordo de delação premiada de Antonio Palocci, recusado inicialmente pelo Ministério Público, retomado pela Polícia Federal e homologado pelo relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, era, segundo os próprios promotores da Força Tarefa da Lava Jato, “um lixo”, revelam os diálogos publicados hoje pela Folha, a partir do material obtido pelo The Intercept.

Numa das falas, o procurador Antonio Carlos Welter resume o conteúdo das “provas” apresentadas pelo ex-ministro: “o melhor é que fala até daquilo que ele acha que pode ser que talvez seja. Não que talvez não fosse.”

Ainda assim, e achando muito fracas as provas apresentadas por Palocci, Moro deu publicidade ao conteúdo dos depoimentos, até então em sigilo, no dia 1º de outubro de 2018, a uma semana da disputa eleitoral do primeiro turno. O que “rendeu”, claro, uma reportagem de nove minutos no Jornal Nacional, com acusações a integrantes da campanha de Fernando Haddad e, sobretudo, ao ex-presidente Lula.

A ação eleitoral de Moro, que pouco mais de um mês depois seria convidado para ser Ministro da Justiça do vencedor do pleito, Jair Bolsonaro, surge evidente, como evidente fica o interesse da Polícia Federal de produzir uma delação com a xepa dos depoimentos sem provas de um preso, apenas para incriminar Lula e, ainda, a ação do algoz de Lula no TRF-4, Gebran Neto, de homologar um acordo inconsistente, feito, segundo os comentários dos procuradores, com “segredos” pesquisados no Google.

No novo lote de revelações mostra que a “Vaza Jato” está chegando, paulatinamente, em sua questão central: a manipulação política dos processos da Lava Jato” para produzir seu objetivo central: afastar Lula da vida política e das disputas eleitorais.

Veja, a seguir, os diálogos vazados:

“Não só é difícil provar, como é impossível extrair algo da delação dele”, escreveu Tessler; Até Moro considerou material fraco: “Russo comentou que embora seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista”

Jornal GGN – “Muito ruins” e tirados do “Google”, essas são algumas das opiniões dos procuradores da Lava Jato em Curitiba a respeito das informações do ex-ministro Antonio Palocci entregues à Justiça para obter um acordo de delação premiada. As mensagens, trocadas pelo aplicativo Telegram, foram obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgadas nesta segunda-feira (29), pela Folha de S.Paulo, que também analisa o material.

Os primeiros trechos são do dia 16 de maio de 2017, quando a defesa de Palocci deu início às negociações para um acordo de delação premiada com os procuradores da Lava Jato. O ex-ministro estava preso desde setembro de 2016.PUBLICIDADE

Inicialmente, os procuradores pareciam animados com a intenção de Palocci em colaborar com as investigações.

“Creio que precisamos trabalhar a extração de anexos com muito cuidado, pois a crença geral é que o Palocci sabe muita coisa. Assim, o melhor é fazermos um filtro criterioso para não sermos usados por ele. Ele já mostrou que é perigoso”, escreveu um procurador que, no material obtido pelo Intercept, não é identificado, pois aparece no grupo do Telegram com o número de telefone.

A Folha conta que, de acordo com as mensagens analisadas, os procuradores se reuniram com os advogados de Palocci pelo menos 14 vezes, em Brasília e Curitiba, entre maio de 2017 e janeiro de 2017.

Quatro meses depois do início das negociações, o grupo já apresentava insatisfação com as provas entregues pelo ex-membro do Partido dos Trabalhadores.

No dia 22 de setembro de 2017, o procurador Antônio Carlos Welter escreveu aos colegas:

“Meus caros, Estamos conversando com o Palocci e seus advogados há alguns meses já. Tivemos um início um pouco penoso, até que a coisa parece ter engrenado. A colaboração dele pode ser muito útil, sobretudo porque ele esteve ou no governo ou muito próximo por cerca de 14 anos”.

O procurador ainda revelou que, do seu ponto de vista, Palocci trazia “aspectos interessantes”, em seus anexos “relativos a fundos de pensão” de algumas instituições financeiras, entre elas do Banco Central e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Economia.

“Os anexos ainda precisam ser melhorados, seja no que diz respeito a conteúdo, seja aos elementos de corroboração, que em alguns casos são poucos”, prosseguiu completando que o material tinha “potencial para esclarecer a parte patrimonial de vários dos investigados, especialmente aqueles ligados ao PT”.

A aposta de Carlo Welter, entretanto, não se confirmou. Oito meses depois do início das conversas com os advogados de Palocci, em janeiro de 2018, a Procuradoria-Geral da República cobrou uma definição à força-tarefa da Lava Jato. Foi quando os procuradores voltaram a discutir o caso analisando que não havia mais motivos para insistir nas negociações com o ex-ministro.

No dia 18 de janeiro, Welter escreveu que ainda não tinham “convicção sobre o assunto”. “Mas estamos caminhando para uma decisão negativa, já que os anexos estão demorando muito a melhorar. Pensamos numa entrevista com o candidato, colocando de modo claro que ou ele melhora, ou vai cumprir pena”, escreveu às 11h40 no grupo.

Às 14h47, o procurador José Alfredo respondeu: “Advogados avisados. Se vc disser não, acabou. Se disser sim, ou faremos juntos (PGR e Curitiba) ou só Curitiba após despacho de [de]cisão”.

Poucos dias depois, em 25 de janeiro, Welter escreveu para José Alfredo que fez uma reunião com outros procuradores em Curitiba – Carlos Fernando dos Santos Lima, Laura Tessler e Januário Paludo – onde definiram que os anexos entregues pela defesa de Palocci não tinham “elementos de corroboração suficientes”. “…decidimos romper as negociações. Avisamos os advogados que vão comunicar o cliente deles”, pontuou.

“Ótimo. Página virada”, respondeu José Alfredo.

A defesa de Palocci correu em outro sentido e conseguiu fechar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, homologado pelo juiz João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no Tribunal Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em junho de 2018.

Leia também: Juízes de Lula, Gebran e Sergio Moro palestram juntos em evento organizado por Rosângela Moro

Na época, o Ministério Público se manifestou contra o acordo, alegando falta de legitimidade da PF para negociar benefícios penais com colaboradores.

Nos grupos do Telegram, os procuradores mantiveram as críticas quanto a materialidade das informações apresentadas por Palocci. Segundo eles, até mesmo Moro considerava o material de Palocci fraco.

No dia 25 de setembro de 2018, o procurador Paulo Roberto Galvão escreveu aos colegas:

“Russo comentou que embora seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista”. Russo é o apelido de Sergio Moro entre os procuradores e Omertá é o código de honra dos mafiosos italianos.

Laura Tessler continuou insatisfeita: “Não só é difícil provar, como é impossível extrair algo da delação dele… padrão Delcidio”.

Delcídio do Amaral, ex-senador petista, foi preso em 2015 e fez um acordo de delação premiada homologada no Supremo Tribunal Federal envolvendo, na época, a então presidente Dilma Rousseff, e seu vice Michel Temer, o ex-presidente Lula e o senador Aécio Neves (PSDB). Até hoje as acusações do ex-parlamentar não foram confirmadas.

Manobra política e Moro

No dia 1º de outubro de 2018, faltando apenas seis dias para a votação do primeiro turno da eleição presidencial, o então juiz responsável por julgar os processos da Lava Jato, Sérgio Moro decidiu tornar públicos os termos da delação de Palocci.

A ação de Moro suscitou uma apresentação contra ele no Conselho Nacional de Justiça, acusado o então juiz de agir com objetivos políticos. Na época, Moro se defendeu dizendo que não teve a intenção de influenciar nas eleições presidenciais quando tornou público o despacho com a delação de Palocci.

O ex-ministro petista disse à PF que as campanhas da ex-presidente Dilma em 2010 e 2014 receberam recursos de caixa dois que somavam R$ 1,4 bilhão, o triplo do que foi declarado à Justiça Eleitoral.

“Não deve o juiz atuar como guardião de segredos sombrios de agentes políticos suspeitos de corrupção (…) Retardar a publicidade do depoimento para depois das eleições poderia ser considerado tão inapropriado como a sua divulgação”, disse Moro em sua defesa no CNJ.

A Folha conta que analisou alguns dos anexos apresentados por Palocci ao Ministério Público durante as negociações.

“Em 18 dos 53 anexos, não há nenhuma referência a provas. Em pelo menos outros 9 casos, Palocci apontou processos em andamento na Justiça e depoimentos de outros delatores, como Marcelo Odebrecht e o empresário Joesley Batista, dono da JBS, como garantias de que estava falando a verdade”.

“Em vários casos, as provas pareciam insuficientes para comprovar os relatos de Palocci. O ex-ministro diz que foi até o banco Safra recolher dinheiro em espécie para Lula em cinco ocasiões, mas só apresentou como prova registros de seus deslocamentos pela cidade nos dias em que afirmou ter feito as entregas”, pontua a matéria.

Cerca de um mês após dar explicações ao CNJ, Moro deixou a magistratura para entrar na equipe de governo de Bolsonaro como ministro da Justiça e Segurança Pública. Duas semanas depois, o TRF-4 soltou Palocci que passou a cumprir o restante da pena em prisão domiciliar.Leia também:  Se hacker preso diz a verdade, cai o álibi de Moro

No dia 3 de outubro, dois dias depois que Moro tornou pública a delação de Palocci, repercutida pelos jornais de todo o país, a poucos dias do primeiro turno da eleição presidencial, os procuradores da Lava Jato voltaram a criticar o acordo no Telegram.

Jerusa Viecili questionou se o Ministério Público iria fazer uso da delação de Palocci, completando que seria o mesmo que aceitar que a Polícia Federal pudesse negociar benefícios penais com colaboradores.

Januário Paludo comentou que parecia que o ex-ministro tirou informações do Google. Mas Dallagnol contra argumentou que, apesar das condições, o acordo poderia ser aproveitado.

“Feito o acordo, creio que temos que tentar extrair o melhor dele e lutar para ele não receber benefícios diante da improbabilidade de que haja resultados úteis. Contudo, não me parece em uma primeira reflexão boa a estratégia de negar valor sem diligências”, disse o coordenador da Lava Jato em Curitiba.

Jerusa continuou lembrando que os procuradores combinaram que não usariam as informações que Palocci deu no acordo com a PF: “foi ao menos isso que me falaram com relacao aos termos de belo monte [hidrelétrica de Belo Monte, um dos assuntos da delação de Palocci]. ou seja, a ideia nao é minha. sem falar que os relatos dele sao muito ruins”, completou.

Deltan Dallagnol respondeu no sentido de confirmar a falta de sustentação de provas na delação de Palocci escrevendo: “Deve ter mta [muita] notícia do goolge lá rs”.

“O acordo é um lixo, não fala nada de bom (pior que anexos Google). Gebran pediu para nos manifestarmos e vamos dar uma retomada nos anexos e nas supostas corroborações. Se o acordo ganhar força, vão querer aplica-lo para reduzir a pena do Palocci na apelação do caso no qual já foi condenado (bizarro e absurdo)”, continuou Laura.

FERNANDO BRITO ” BLOG TIJOLAÇO” / LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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