Do exibicionismo inicial, nasceram os juízes guardas da esquina; dos juízes guardas da esquina nasceu o bolsonarismo.
Parece que foi a uma eternidade, mas foi outro dia, juíz colocando selfies tiradas em academias, juiz participando de comícios e exibindo a musculatura, procuradores se apresentando como salvadores da pátria e querendo sua parte em cachês, Ministros do Supremo dando palestras remuneradas.
Não creio que tenha havido outro tempo com tal desmoralização do Judiciário. Para conseguir controlar o Supremo, a ditadura precisou aposentar vários Ministros que não perderam a dignidade. Houve o Estado Novo, um Supremo que levou Olga Benário para a morte, com apoio dos jornais da época, Mas o exibicionismo vulgar é uma criação contemporânea, fruto da insanidade de transmissões de julgamentos da corte, transformando personalidades mais vaidosas em simulacros de influencers.
De Olga Benário à Lava Jato
Ao longo da história, a imagem da Justiça foi salpicada por atos dos Ministros Bento de Farias, Carlos Maximiliano,, Eduardo Spindola e Edmar Pereira Lins, executores de Olga Benário; por Vicente Rao, o Ministro da Justiça implacável; por Joaquim Barbosa, que usou o mensalão para uma revanche da vida; de Luis Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Luiz Fux, que embarcaram na onda da Lava Jato. Barroso valeu-se de estratégias de marketing campeãs. Enquanto seu escritório preparava minutas de Projetos de Lei para lobistas de grandes empresas apresentarem ao Congresso, ele atuava pro bono em boas causas.
Empossado Ministro atropelou todos os princípios da Justiça, foi autor da declaração mais estapafúrdia em período democrático – a de que o Supremo tinha obrigação de ouvir a “voz do povo”. E chegou a ir aos Estados Unidos visitar grandes escritórios de advocacia, em um programa destinado a explorar o mercado de compliance no país.
Assim como Pedro Aleixo alertou que o problema das ditaduras eram os “guardas da esquina”, o deslumbramento das cúpulas promoveu os “guardas da esquina” do Judiciário, juízes sem um pingo de medo do ridículo.
O ovo da serpente
Definiu-se um padrão de exibicionismo inédito para o Judiciário, a partir do momento em que juízes foram transformados em atração da mídia pela Lava Jato e que a imagem do julgador foi substituída pela do juiz da força, midiático, halterofilista, tocador de guitarra, profeta da nova ordem.
Há imagem mais ridícula do que um juiz exibindo a musculatura em selfies na academia, ou um juiz brandindo uma metralhadora em um helicóptero e saindo correndo como se fosse um membro da Swat?
Agora, um responde a processos, depois de impichado do cargo de governador; o outro responde a um inquérito do Conselho Nacional da Justiça. Mas sua herança fica.
Do exibicionismo inicial, nasceram os juízes guardas da esquina; dos juízes guardas da esquina nasceu o bolsonarismo.
E só quando se viu na beira do precipício o Supremo reagiu, garantindo a democracia. Espera-se, agora, que a lição tenha sido aprendida. E que o verbo “aprender” substitua o “apreender”, que se tornou usual nesses tempos de tempestade.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)