O que dizem relatos da Comissão Nacional da Verdade e de perseguidos e torturados sobre o bicheiro preso
Torturador da ditadura, hoje com 81 anos, Ailton Guimarães Jorge, é um dos maiores bicheiros do Rio de Janeiro. Capitão Guimarães é conhecido contraventor do Rio e apontado de ser o mandate do assassinato de Fábio Sardinha, outro bicheiro, em 2020.
Não é só de hoje. Seu passado no Exército já trazia manchas de sangue. Serviu na II seção – a de Inteligência – da Polícia do Exército da Vila Militar e no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações) do Rio de Janeiro, um dos principais centros de repressão e tortura da ditadura do regime militar, entre 1966 e 1972.
Como tenente do Exército, na metade dos anos 60, perseguiu sindicalistas e ferroviários da Baixada Fluminense, em parceria com polícias civil e militar. Ainda na PE da Vila Militar, Guimarães obtinha “ganhos substanciais ao capturar ou matar militantes revolucionários”, segundo relato do jornalista e perseguido pela ditadura, Celso Lungaretti.
“Tudo que era apreendido com os resistentes e tivesse algum valor, virava butim a ser rateado entre aqueles rapinantes. Jamais cogitavam, p. ex., devolver o dinheiro aos bancos que haviam sido expropriados pelos guerrilheiros urbanos. Numerário, veículos, armas e até objetos de uso pessoal iam sempre para a caixinha do bando. De mim, até os óculos roubaram”, trouxe Lungaretti, no relato.
No esquema de quadrilha avalizado pela ditadura, Guimarães recebia também recompensas de empresários a favor do regime: os dirigentes revolucionários valiam mais, por exemplo, do que um militante desconhecido.
Seguindo a linha de sua atuação, já no DOI-CODI, no início dos anos 70, usou da rede de militares junto às polícias para integrar uma quadrilha para extorquir contrabandistas na zona portuária do Rio.PUBLICIDADE
Entre 1970 e 1972, atuante no centro de tortura fluminense, Ailton era conhecido como Dr. Roberto (aqui), responsável por detenções, torturas e execuções (aqui). Ele e outros militares torturaram o estudante Chael Charles Schreier. Ainda que sob o regime ditatorial, o caso repercutiu amplamente no Brasil e exterior.
De acordo com declarações coletadas pela Comissão da Verdade (aqui e aqui), Chael Charles, estudante de medicina, tinha 19 anos quando foi assassinado pelo Capitão Guimarães, ou Dr. Roberto. Detido no dia 21 de novembro, o estudante foi o mais torturado entre os presos. Guimarães, junto com outros oficiais e sub-oficiais, torturou Chael, com chutes e pontapés que geraram hemorragia.
Relato de Amílcar Baiardi (aqui), professor e alvo da repressão, mostra que também passaram pelas mãos de Guimarães, na Polícia do Exército da Vila Militar no Rio, no final dos anos 60, outras dezenas de perseguidos da ditadura.
“Lá na PE assassinaram Chael Charles, estudante de medicina, por lá passaram Maria Auxiliadora (Dodora), suicídio na Alemanha, e mais: Espinosa, Reinaldinho, Jaime Cardoso, Aretuza, Maria Luiza (Malú, 16 anos), Carlos Minc, Silvio Da Rin, josé Delce Façanha, Luiz Antonio Medeiros, Dalila, Amilcar Baiardi, Januário Pinto de Oliveira (Palito), José Dorado (Baianinho), eu, Francisco Celso, e… não lembro dos demais”, escreveu Baiardi, em relato à Comissão da Verdade, em janeiro de 2014.
“Temos os nomes de todos os torturadores, entre eles o famigerado capitão Guimarães, durante tempos foi chefe da liga das escolas de samba, desfilava como um rei no carnaval carioca para arrepio indignado e repulsivo de nós outros. A rede de comando e torturadores: o coronel João Luiz, o capitão Lauria, o tenente Aylton, os sargentos Rossoni, Andrade, Machessi, Rangel, os cabos Mendonça, Povarelli, Gilberto, o soldado Morcolino, sob eles recai o assassinato por tortura de Chael Charles, entre outras barbáries”, seguiu.
Outro dos casos identificados de alta participação de Guimarães foi o assassinato do secundarista Eremias Delizoikov, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), no dia 16 de outubro de 1969 (aqui). O estudante foi alvo de disparos de metralhadoras e bombas, em sua casa, pelos agentes do DOI-CODI, entre eles do capitão Ailton Guimarães.
O caso de Chael gerou tamanha repercussão que, a partir daquele momento, as Forças Armadas proibiram que cada unidade de Inteligência tomasse iniciativa individual de perseguição e torturas – estas passaram a ser centralizadas. E a equipe de Ailton Guimarães foi afastada dessa função. Lungaretti narra que ao ser preso, em junho de 1970, pelo DOI-CODI do Rio, Guimarães e seu grupo estavam “desesperados com a falta de grana”, por terem sido afastados do esquema de recompensas por caças a militantes.
“Foi por isso que, em 1974, a equipe de torturadores da PE da Vila Militar envolveu-se com contrabandistas, para obter a renda adicional que tanto lhe fazia falta. O Exército acabou descobrindo e instaurando um Inquérito Policial-Militar contra soldados, cabos, sargentos e quatro oficiais, inclusive o tenente Ailton Joaquim (um dos 10 piores torturadores do período, segundo o Tortura Nunca Mais) e o capitão Aílton Guimarães Jorge.”
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No esquema da zona portuára, a quadrilha apreendia mercadorias irregularidades, importadas ilegalmente, e revendia aos próprios apreendidos ou concorrentes. O grupo foi flagrado e preso pouco tempo depois, mas a ação foi arquivada por ilegalidades na investigação, como o uso de extorção e ameaças para as confissões, e os membros da quadrilha foram absolvidos.
Solto, pelo seu histórico, foi pressionado a pedir demissão do Exército em 1981. Naquele período, ele já tinha conseguido contato e confiança do bicheiro Ângelo Maria Longas, conhecido como Tio Patinhas, vizinho de cela da cadeia e um dos bicheiros mais poderosos daqueles tempos.
Assim, ingressou na exploração das bancas de jogo, rapidamente atingindo a cúpula do jogo do bicho, dividindo e dominando territórios no Rio, sendo um dos chefes em Niterói e com negócios pelo estado e no Espírito Santo. Foi acusado diversas vezes de quadrilha, bando armado, corrupção de agende público, conseguindo manobras jurídicas e escapando da condenação final.
PATRÍCIA FAERMANN ” JORNAL GGN” ( BRASIL)