AS MOVIMENTAÇÕES DA MÍDIA BRASILEIRA ANTE O NOVO GOVERNO

Na CNN, o movimento foi hilário: Rubens Menin revelou-se um “empreendedor” típico, daqueles que quer aproveitar todas as oportunidades do momento e fica mais perdido no mundo da mídia que Sérgio Moro no mundo da política.

Mesmo quem conhece a natureza da mídia se surpreende com os movimentos atuais, na mais radical mudança política pós-democratização: a saída de Bolsonaro e a chegada de Lula.

O jogo fica até engraçado quando se sabe que alguns estados poderosos – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – ficaram nas mãos de egressos do bolsonarismo. O grande desafio consiste em conquistar as verbas federais sem abrir mão das estaduais e manter o olho no mercado e nas grandes corporações. Portanto, há que se equilibrar entre três demandantes.

A Jovem Pan, por exemplo, investiu tudo no bolsonarismo. Conseguiu verbas polpudas de Brasília, mas perdeu muitos anunciantes privados, assustados com o radicalismo da emissora.

Foi só terminar as eleições para os mais radicais serem demitidos e a empresa tentando migrar da ultra direita para uma direita mais palatável. Mudou o perfil da freguesia, mudam-se os condimentos jornalísticos.

Na CNN, o movimento foi hilário: Rubens Menin revelou-se um “empreendedor” típico, daqueles que quer aproveitar todas as oportunidades do momento e fica mais perdido no mundo da mídia que Sérgio Moro no mundo da política.

Em Belo Horizonte, Menin adquiriu a rádio Itatiaia, a de maior audiência em Minas Gerais, e fechou com a dupla Zema-Bolsonaro. Nas eleições, foi um defensor apaixonado de Bolsonaro, a ponto de não atender aos telefonemas de Lula. Em São Paulo, certamente tentaria montar parceria com o futuro governador Tarcísio de Freitas. O terceiro personagem comercial seria o mercado e os grupos de empresários alinhados com o terraplanismo econômico do Instituto Mises. 

Faltava a perna no governo Lula. Para costurar todos esses interesses, chamou para dirigir a emissora João Carlos Camargo, experiente dono de várias rádios e criador da Esfera, uma empresa concorrente da LIDE, de João Dória Jr. 

Ao mesmo tempo, procedeu a um super-passaralho, juntando no mesmo balaio os radicais de direita mais ostensivos – Boris Casoy e Alexandre Borges -, com jornalistas que não se enqudravam nas novas orientações da casa.

Uma das orientações, por exemplo, era tratar a PEC da Transição como PEC do Estouro. Comentarista de prestígio e experiência, Sidney Rezende recusou-se a seguir a orientação e foi demitido no passaralho. Ao mesmo tempo, a programação vespertina do canal passou a ser tomada por comentaristas do nível de Helio Beltrão Filho, um dos líderes do Instituto Mises.

Ao mesmo tempo, abriu os microfones da emissora para Ricardo Barros, o mais barra-pesada dos parlamentares do centrão, suspeito de provocar escassez deliberada de remédios de ponta, para justificar contratações especiais, sem licitação. Na ponta dos usuários, crianças com câncer.

Hoje, na Folha, saiu um artigo de João Camargo, que é uma epifania pró-Lula: “Lula merece o crédito dos empresários”.

O início do artigo é uma verdadeira festa de arromba: “O empresariado brasileiro tem a obrigação de apoiar o governo do presidente eleito. É uma obrigação cívica e moral”. 

Não se fala mais em PEC da Gastança: “A PEC da Transição precisa ser aprovada pelo Parlamento, de maneira a garantir, por quatro anos, o Bolsa Família com renda de R $600 fora do teto dos gastos”.

Não se tenha dúvida de que, passado o período de graça de Lula, a CNN de Menin voltará a atacá-lo com o ímpeto de um pastor evangélico, se aparecer algum adversário com possibilidades de sucedê-lo, já que não se candidatará à reeleição.

Outro movimento curioso foi da revista Veja, agora sob forte influência do Banco BTG Pactual. Numa ponta, André Esteves, o presidente do banco, oferecendo-se para Lula para acalmar o mercado em relação à indicação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda. Enquanto isso, Veja passou a dar tiros em Haddad, explorando um ângulo curiosíssimo para ataques pessoais: Haddad seria uma pessoa “arrogante”. Como não é a primeira vez que se usa isso, fica claro que é uma campanha tentando explorar uma característica que destruiu João Dória Jr., mas que não pega em Haddad.

Em relatório de 1o de dezembro passado, o economista-chefe do BTG-Pactual – e um dos pais da Lei do Teto -, Mansueto Almeida, foi mais explícito:

Entre os veículos mais tradicionais, o Estadão está onde sempre esteve, a Folha continua perdida e a Globo é o único que mostra uma estratégia definida.

Primeiro, deu-se conta de que sua campanha tratando um adversário, o PT, como inimigo, produziu um inimigo de verdade – Bolsonaro – que, se reeleito, poderia destruí-la. No mesmo embalo deu-se conta de que, ao ser uma ferramenta de destruição da política, colocou em risco o único ambiente que lhe permitiria voltar a exercitar o poder: o ambiente democrático.

Seu aggiornamento foi competente. Substituiu a anti-política do apoio à Lava Jato por uma candente defesa da democracia, especialmente em uma série sobre a Constituinte, divulgada no Jornal Nacional. 

A Globonews mudou completamente. Dia desses, com esses ouvidos que a terra há de comer, ouvi do geógrafo Demétrio Magnolli uma frase inesquecível (vindo dele):

  • Todo mundo sabe que houve roubo na Petrobras, mas Lula não participou dele.

A gente sabia há tempos disso. Mas imagino quanto deve ter custado a Magnolli esse supremo sacrifício.

Comentaristas que durante 30 anos seguidos foram a voz do mercado, de repente se tornaram defensores de princípios civilizatórios, a urgência do combate à fome, da redução das desigualdades. Logo a Globo, que foi a principal voz na mídia contra o Bolsa Família.

Obviamente, tudo isso ocorre ao sabor do momento, porque a mídia é uma surfista, que segue os movimentos das ondas. Resta saber qual será a próxima onda.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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