O 2º tempo do jogo não terá os Bolsonaro. A gota d’água será inação de Jair e seus filhos, que abandonaram os golpistas
Vamos juntar algumas peças desse jogo de provocações da ultradireita:
Peça 1 – o estímulo ao prolongamento dos atos
Há um jogo de declarações e insinuações óbvios, visando prolongar o máximo possível os acampamentos em volta dos quartéis e os bloqueios de estradas.
Nas últimas semanas, de forma clara ou dissimulada, esse jogo foi alimentado por 2 membros-chave do bolsonarismo:
Braga Netto – aos militantes amontoados em frente ao Planalto: “Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”.
Hamilton Mourão – “Na data de hoje, em 1935, traidores da Pátria intentaram contra o Estado e o povo brasileiro. A intentona de 27 de novembro foi a primeira punhalada do Movimento Comunista Internacional contra o Brasil. Não seria a última. Eles que venham, não passarão!”, escreveu Mourão em seu Twitter.
Ciro Nogueira – em manifestação no Twitter: “Não digam que não avisei”.
Peça 2 – explicações para manter a fogueira acesa
Está nítida a intenção de manter acesa a fogueira das manifestações. A dúvida é sobre o desfecho pretendido.
Hipótese 1 – o golpe planejado
É óbvia a lógica desses movimentos. Acirram-se os nervos até a posse. Na passagem, há uma explosão de manifestações violentas por todo o país, gerando alguma forma de episódio dramático, que possa ser o gatilho para tirar os militares dos quartéis.
Não se perca de vista que grande parte dos cidadãos das manifestações – incluindo idosos e idosas – pertence à família militar. E que a mobilização envolve também CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) e milícias ligadas ao bolsonarismo, formadas por egressos dos porões da ditadura e aliados históricos de Bolsonaro.
Esta semana circulou um manifesto golpista assinado por dezenas de oficiais da reserva
Hipótese 2 – o golpe frustrado
Seria apenas uma maneira de manter acesa a chama da campanha, o chamado jus sperniandi. Ocorre que toda mobilização tem como lema impedir a posse de Lula. O que ocorreria se o país chegasse a 1o de janeiro sem nada concreto contra a diplomação do presidente? Haveria a desmoralização completa das lideranças que estimularam as manifestações. Justamente devido a esse risco, é evidente que alguma coisa séria irá acontecer nesse período, como atentados e aumento da violência difusa.
Peça 3 – o enxadrista Alexandre de Moraes
A crise atual tem demonstrado, além da coragem pessoal, um notável senso estratégico do Ministro Alexandre de Moraes.
- Inquérito do fim do mundo – foi criado para investigar a atividade de terrorismo digital dos Bolsonaro, muito antes do país se dar conta do alcance dessas movimentações. Esse inquérito foi essencial para intimidar Bolsonaro. O que se viu, desde então, foi um presidente com explosões ocasionais que denotavam muito mais medo do que ousadia.
- O enquadramento de empresários conspiradores – a falta de resposta da Justiça, e da Procuradoria Geral da República, fez com que conspirar contra as instituições parecesse um jogo sem riscos. Foi o caso dos empresários flagrando brincando de realidade virtual no WhatsApp. Ao enquadrá-los, Moraes sinalizou para todos os empresários os riscos embutidos em qualquer tentativa de conspirar contra as instituições. Restou apenas o chamado ogro-negócio.
- A multa no PL – sabendo que a estratégia toda estava montada em torno do questionamento das eleições, a multa que Moraes aplicou no PL desmontou essa ala do golpismo.
- Reunião com Secretários de Segurança – a convocação de Secretários de Segurança e comandantes de Polícia Militar de todos os estados foi uma sinalização soberba de que há, também, um poder armado para garantir o cumprimento das leis. Não foi outro o motivo que levou o vice-presidente Hamilton Mourão a protestar contra o encontro.
Por tudo isso, é provável que, a esta altura do jogo, Moraes já esteja articulando um monitoramento das ações golpistas, com setores legalistas da Polícia Federal, das polícias civis estaduais e das PMs. E, simultaneamente, a equipe de transição de Lula negocia com militares legalistas, para prevenir ações golpistas.
Peça 4 – o país partido ao meio
Em O Globo do dia 27, o artigo “Eleição calcificou o país em torno do petismo e do antipetismo”, de Thomas Traumann e Felipe Nunes traz uma verdade incômoda. A divisão do país é anterior a Bolsonaro e sobreviverá ao seu fim. Será a perpetuação das idiossincrasias atuais, com a posição política determinando a escolha dos amigos, das compras, da legitimação das leis.
E, por trás de tudo, o renascimento do protagonismo militar. O desafio será deixá-lo restrito ao Clube Militar e aos militares de pijama. Mas as benesses colhidas pelos que invadiram a área civil, os negócios de consultores militares, as benesses dos ex-militares que participaram do governo, tudo isso será estímulo a novas aventuras.
Em suma, há um longo caminho a ser percorrido para corrigir os estragos iniciados pelo mensalão, radicalizados pela Lava Jato, endossados pela mídia e pela Justiça.
Provavelmente o segundo tempo do jogo não terá mais os Bolsonaro. A gota d’água será a inação do pai – sem coragem para atitudes drásticas – e dos filhos, que abandonaram os manifestantes à sua sorte enquanto iam gozar a Copa no Qatar.
O único consolo é que a proximidade do abismo ajudou a acordar alguns setores.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)