COM O CORAÇÃO NA HORA DO VOTO

CHARGE DE AROEIRA

E chegou o grande dia dos brasileiros decidirem o seu destino nos próximos quatro anos imediatos e nas décadas seguintes. Nascido no 61º ano da República, de 15 de novembro de 1889, em 31 de janeiro de 1950, quando o marechal Eurico Gaspar Dutra ainda governava o país, eleito em 1946, na 4ª República, para um mandato de cinco anos, iniciado em 31 de janeiro de 1946 e que se encerraria em 31 de janeiro de 1951, quando Getúlio Vargas, deposto em 1946, voltou ao poder pelo voto popular, passaram pelos meus 72 anos de vida 27 dos 38 presidentes da República até a presente data. Posso dizer que vivenciei boa parte da história moderna do país, no pós-guerra. Houve momentos bons e ruins. A longa noite de mais de 20 anos, da ditadura militar de 1964, na chamada 5ª República militar, foi sucedida pela redemocratização de 1985, quando nossas esperanças de liberdade e de união em torno de um projeto democrático frustraram-se com a cirurgia de Tancredo Neves na véspera da posse e a faixa presidencial (não transmitida pelo general João Batista de Figueiredo). O 30º presidente se recusou a dar posse ao vice José Sarney, com quem rompera quando presidia o PDS, o partido oficial, que optou pela candidatura Paulo Maluf. Sarney e outros que apoiavam o então ministro do Interior, Mário Andreazza, deixaram o PDS, fundaram o PFL e viabilizaram a eleição de Tancredo Neves. O Brasil inteiro ficou de luto em 21 de abril de 1985, quando Tancredo morreu. A marcha fúnebre era embalada pela tocante “Coração de Estudante”, música de Wagner Tiso e Milton Nascimento, um dos meus ídolos que completou 80 anos este mês.

Acho que a letra sintetizava aquele triste momento. Boa parte do país se frustrara um ano antes, em 25 de abril de 1984, com a derrubada, na Câmara, da emenda do deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT), que propunha o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República e o vice. Desde 1982, os brasileiros já tinham recuperado o direito de votar para governador e prefeito. Nunca tive a ilusão de que a emenda fosse aprovada. Quando ainda era editor de Economia do JORNAL DO BRASIL (1983), dizia que a emenda não seria aprovada, mas o movimento popular pelas “Diretas Já” impediria a vitória do deputado Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Engenheiro de formação e bom de cálculo, mas ruim de política, Maluf governara São Paulo pelo voto indireto. No Palácio Bandeirantes, abriu os cofres do Banespa a políticos aliados, levou a Vasp, a companhia de aviação do governo paulista, a voar a todas as capitais, para transportar políticos e prefeitos (e suas famílias) que integravam o Colégio Eleitoral. Maluf deixou o governo e se elegeu deputado federal em 1982. Como havia dois partidos, PDS, o partido do governo, sucessor da Arena, que, com cassações de políticos da Oposição, do então MDB, e a criação da figura do 3º senador “biônico” – não eleito por voto popular – tinha a maioria do Colégio Eleitoral e sucederia a Figueiredo. Algo como faz hoje o governo em larga escala, visando a cooptar o eleitor, com farta distribuição de benesses eleitorais que vão custar caro em 2023.

Saí do JB em setembro de 1983, quando a família Nascimento Brito aderiu à candidatura de Paulo Maluf e demitiu os editores escolhidos dois anos antes pelo saudoso editor-geral, Paulo Henrique Amorim. Fui trabalhar em “O Globo”, em dezembro de 1983, como subeditor e depois responsável pela coluna “Panorama Econômico”, e lá acompanhei de perto uma troca de posições na imprensa brasileira. A redação do JB foi ocupada por jornalistas que vieram de São Paulo e foram alinhar o JB a Maluf. A campanha das “Diretas Já”, que se seguiu, marcou uma guinada na imprensa brasileira. Na ditadura militar, os dois mais influentes e resistentes jornais do país, que pregavam a democracia, eram o JB e “O Estado de S. Paulo”. “O Globo” e a “Folha de S. Paulo” ainda eram apoiadores fechados com o regime militar, embora um episódio de censura a um colunista da “Folha”, em 1977, tenha causado um estremecimento entre a família Frias e o governo Geisel. Quando a nova geração dos Frias começou a ter influência da redação, no começo dos anos 80, a “Folha” identificou que o apoio à campanha das “Diretas Já” era uma ótima oportunidade para assumir a liderança do processo de redemocratização. “O Globo”, embora rompido com Figueiredo, resistia a apoiar a campanha das “Diretas”. Lembro que foi um “auê” na então redação da Rua Irineu Marinho, quando o comício das “Diretas Já”, no Rio de Janeiro, que tomava a avenida Presidente Vargas da Candelária às imediações da Central (só o desfile do Flamengo, campeão da Libertadores, em 2019, reuniu tanta gente), passou a ser transmitido ao vivo no “Jornal Nacional” da Rede Globo. O episódio das “Diretas Já” reposicionou a imprensa brasileira. O JB e o “Estadão” perderam muito de sua credibilidade (tiragem e faturamento) para “O Globo” e a “Folha”.

Coração, juventude e fé

Vale aqui lembrar alguns trechos de “Coração de Estudante”: “Já podaram seus momentos; Desviaram seu destino; Seu sorriso de menino; Quantas vezes se escondeu; Mas renova-se a esperança; Nova aurora a cada dia; E há que se cuidar do broto; Pra que a vida nos dê flor; Flor e fruto; Coração de estudante; Há que se cuidar da vida; Há que se cuidar do mundo; Tomar conta da amizade; Alegria e muito sonho; Espalhados no caminho; Verdes, planta e sentimento; Folhas, coração, juventude e fé”.

Tenho muita fé de que, apesar de tão dividido (as pesquisas estão cristalizadas com pequena margem favorável ao ex-presidente Lula, com pouco mais de 50% dos votos válidos, contra pouco mais de 45% para o presidente Jair Bolsonaro; como num espelho, a rejeição a Bolsonaro beira 50% e, à Lula, fica próxima de 45%), o eleitor(a) há de votar com o coração, que está do lado esquerdo do peito.

O Brasil há de votar pela esperança, contra o ódio e a destruição da democracia e o meio ambiente. Pela empatia e efetivas políticas sociais para os mais necessitados e pelo realinhamento do Brasil com o mundo democrático. Em especial na cruzada global das mudanças climáticas. Como 5º país em território e 6º mais populoso do mundo (entre o Paquistão, na Ásia, e a Nigéria, na África, que nos supera como a maior população negra do mundo), o Brasil está de novo numa encruzilhada, como em 1984-85.

De que adianta celebrarmos a condição de “celeiro agrícola do mundo”, se boa parte da população voltou ao mapa da fome e a insegurança alimentar ameaça mais de 45% dos lares brasileiros? A pujança da produção das áreas do cerrado do Centro-Oeste brasileiro, em parte avançando pelas florestas da “Amazônia Legal”, que além dos sete estados da Região Norte inclui o Noroeste do Maranhão e o Norte de Mato Grosso (área de transição onde se permite a derrubada legal de 35% da vegetação nativa – na Amazônia só 20% podem ser derrubados), embute um duplo risco.

O avanço desenfreado (e sem fiscalização devida) sobre as florestas nacionais da Amazônia e as reservas indígenas, franqueadas à exploração predatória dos garimpos, pode matar a “galinha dos ovos de ouro do agronegócio”. Se a devastação da floresta prosseguir, a capacidade de evaporação das áreas com cobertura vegetal complexa diminuirá sua atividade na formação dos “rios voadores”, as nuvens que trazem chuvas para as lavouras altamente produtivas do Centro-Oeste. Mato Grosso do Sul e alguns estados do Sul sofreram perdas de safras este ano, com a falta de chuvas. Outra ameaça é a possível retaliação das nações europeias e dos Estados Unidos à entrada de produtos brasileiros cultivados em detrimento da floresta. Há um ano, na COP-26, em Glasgow (Escócia), o Brasil de Bolsonaro assumiu compromissos de reduzir a derrubada e a queima das florestas, mas não os está cumprindo.

Vale a pena brigar?

Irmãos, amigos, parentes e até casais têm rompido relações nos últimos anos, pelo ódio destilado na política. Acho muito ruim para o futuro do Brasil que esse sentimento supere o da fraternidade. Imagina se vou brigar com um irmão ou um amigo porque ele torce para outro time, que não o meu Flamengo? Mas a verdade é que o combustível, muitas vezes nocivo das redes sociais, espantou o sentimento de camaradagem que existia no acompanhamento de grandes jogos no Maracanã. No velho Maraca fui a muitos jogos com mais de 170 mil espectadores de duas torcidas espalhadas pela arquibancada, cadeiras e geral. Posso citar Flamengo 0 X 3 Botafogo em 1962, quando Garrincha fez a diferença, o empate de zero a zero no Fla X Flu de 1963, que deu o título ao Mengão, e o jogo do Brasil com o Paraguai, em 1969, selando a classificação para a Copa de 1970, no México. Ainda em 1969 teve o milésimo gol de Pelé (pênalti convertido contra o argentino Andrada, do Vasco da Gama). Hoje, há briga entre torcedores do mesmo time, mesmo no Maracanã estilizado como “arena” para um máximo de 70 mil pessoas de alto poder aquisitivo.

Pois o Fla X Flu está formado nesta eleição. Com a última manifestação de apoio à reeleição do presidente Jair Messias Bolsonaro, a do ex-presidente dos Estados Unidos, o Republicano Donald Trump, os times estão alinhados. À direita do gramado, o ex-presidente americano que está sendo julgado pelo Congresso dos Estados Unidos, pela infame invasão do Capitólio, no ataque à democracia que instilou em seus fanáticos seguidores, muitos dos quais armados, sob a fala alegação de que sua derrota por sete milhões de votos para o Democrata Joe Biden fora causada por fraudes nas votações.

Bolsonaro chegou a ensaiar esta semana uma pré-rebelião à la Trump. Reagia à falsa e inconsistente denúncia de boicote em algumas rádios do interior do país às inserções de sua campanha, o que lhe tiraria votos no Nordeste. Bolsonaro, que estava no Rio de Janeiro, apressou a volta a Brasília, convocou seus ministros para uma “reunião de emergência” no Palácio da Alvorada, onde pretendia fazer duro manifesto à nação, com acusações à Justiça Eleitoral. Foi demovido a tempo por seus auxiliares. A começar pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, que externara a denúncia e depois se arrependeu, diante da dura reação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Alexandre de Moraes lembrou que a fiscalização das inserções cabia aos próprios partidos. Faria reconheceu que a ideia foi um erro estratégico, pois demonstrava fraqueza na reta final da campanha; mas o filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro, embarcou na ideia de adiamento do 2º turno da eleição, da qual o presidente candidato à reeleição apeara ao ser melhor aconselhado por assessores. Ao final, veio uma entrevista, meio sem pé nem cabeça.

O destempero presidencial se revelou no último debate da TV Globo, na noite de 6ª feira, quando uma parcela ínfima dos eleitores propensos a votar nulo ainda tinha uma esperança de ver propostas consistentes para o futuro do país. Qual dois boxeadores que tentavam ganhar por pontos, Lula e Bolsonaro passaram a maior parte do tempo entrando em “clinch”, em manobras diversionistas, que pouca luz trouxe a quem esperava optar por um ou outro.

Bolsonaro, que estava nervoso no debate, a ponto de, no final, declarar esperança de “voltar a ser eleito deputado federal”, deu a melhor resposta, já nos bastidores, à apresentadora Renata Lo Prete, do “Jornal da Globo”, quando ela perguntou se ele respeitaria o resultado das urnas: “Quem tiver mais voto leva”. Lula, por sua vez, perdeu enorme oportunidade de reforçar o fato de que neste 2º turno construiu um largo espectro de alianças com ex-presidentes, políticos, empresários, juristas, economistas, artistas e personalidades dos mais variados matizes em defesa do estado democrático de direito. Só falou isso, após o debate em entrevista a Lo Prete. No debate louvou muito o PT – que é muito menor que ele próprio e a sua ampla aliança neste 2º turno. Nem citou o vice, Geraldo Alkimin.

Dize-me com quem andas

De qualquer forma para facilitar sua identificação, caro leitor, apresento alguns nomes que declararam apoio a Lula e a Bolsonaro:

Vencedor do 1º turno com 57,269 milhões de votos, Lula tem apoio dos:

Ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Dilma Roussef. Dos ex-candidatos a presidente, Simone Tebet, Ciro Gomes, Marina Silva, Cristovam Buarque, Luciana Genro e Guilherme Boulos. Dos ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, como o ex-decano do STF, Celso de Mello, Ayres Brito, Carlos Veloso, Nelson Jobim, Joaquim Barbosa, que comandou o processo do “Mensalão”, e do jurista Miguel Reale Jr, um dos autores do pedido de “impeachment” contra Dilma. Economistas de variadas tendências, como Armínio Fraga, Edmar Bacha, Persio Arida, André Lara Resende, Elena Landau, Otaviano Canuto, e o economista Nelson Marconi (FGV), que assessorava a campanha de Ciro Gomes e os ex-ministros da Fazenda, Antônio Delfim Neto, Luís Carlos Bresser Pereira, Rubens Ricúpero, Pedro Malan e Henrique Meirelles, também estão com Lula.

Médicos proeminentes, cientistas e educadores apoiam o ex-presidente. O publicitário Washington Ollivetto é outro apoiador de Lula. Signatários da Carta pela Democracia, os banqueiros ficam em cima do muro, mas não Neca Setúbal, uma das herdeiras do Itaú. Luiza Trajano, do Magazine Luiza apoia Lula. O presidente da Fiesp e da Coteminas, Josué Gomes da Silva, cujo pai foi vice de Lula, é seu eleitor declarado, o que gerou reações do ex-presidente Paulo Skaf, simpático a Bolsonaro.

No meio artístico há um imenso arco de monstros sagrados da cultura brasileira, alguns com assento na Academia Brasileira de Letras, caso da primeira dama do Teatro, Fernanda Montenegro, e do cantor e compositor Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura. Todos os grandes nomes da época de ouro da MPB estão declarando voto em Lula, como Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Betânia e Gal Costa. Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Diogo Nogueira e Jorge Aragão são alguns dos mais prestigiados sambistas que votam em Lula. Assim como Marisa Monte e Ivete Sangalo cantores mais jovens, como Criollo, o rapper Emicida, Anitta, Iza e Ludmilla. E ainda o “influencer” Felipe Netto. Na cerimônia de premiação da “Bola de Ouro 2022”, em Paris, o tetracampeão, Raí fez o L de Lula. Juninho Pernambucano também declarou voto no ex-presidente.

No campo internacional, vários artistas e lideranças mundiais demonstraram simpatia por Lula, como o Papa Francisco, que disse desejar “um tempo de paz ao Brasil”, os presidentes Joe Biden (EUA), Macron (França), Alemanha, Portugal, além do presidente da Argentina, Alberto Fernández.

Apoiadores de Bolsonaro, que teve 51,087 milhões de votos são:

O ex-presidente Fernando Collor (o ex-presidente Temer, embora contrariado por ter sido chamado de “golpista” por Lula no debate, não declarou voto, mas sua filha, Luciana Temer, declarou neste sábado que votará em Lula). Entre juristas e ex-ministros do STF, ele tem o voto declarado de Marco Aurélio Mello, que era conhecido no Supremo como “ministro voto vencido”, por ser costumeiramente derrotado nas votações coletivas. Bolsonaro tem votos dos dois ministros que nomeou para o STF (Nunes Marques e André Mendonça) e de alguns importantes ministros do Superior Tribunal de Justiça, como Humberto Martins e Ivens Gandra Martins Filho.

Entre os políticos, Bolsonaro tem apoio declarado da “bancada da bala” e de forma velada dos políticos do “Centrão” (espalhados pelo PL, seu atual partido, o PP e o Republicanos, da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Macedo). Beneficiados por perdões fiscais de quase R$ 2 bilhões, os pastores evangélicos como Silas Malafaia, R.R. Soares, Valdemiro Santiago, Rodovalho tangeram seus rebanhos a favor da reeleição do presidente.

Também estão com Bolsonaro empresários como Luciano Hang (Havan), Flávio Rocha (Riachulelo/Gurarapes), Afrânio Barreira (Coco Bambu), José Isaac Peres (Multiplan), e os presidentes da Federação de Agricultura de SP, Fábio Meirelles, e da Associação Brasileira do Agronegócio, Luís Carlos Corrêa Camargo. Fecham ainda com o presidente os ex-presidentes do Ipea, Carlos von Doellinger, e do BB, Rubem de Freitas Novais, além do ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, que era vice de Soraya Thronicke. Outro que declarou voto foi o publicitário Roberto Justus.

No meio artístico, Bolsonaro teve adesão de cantores sertanejos como Gusttavo Lima, Bruno e Marrone, Sérgio Reis, Daniel, Chitãozinho (Xororó é Lula, como os filhos Júnior e Sandy), Eduardo Costa e ainda o cantor Latino. A novelista Gloria Perez declarou voto a Bolsonaro, assim como Guilherme de Pádua, o assassino de sua filha, Daniella, que virou pastor evangélico após ser solto. Outra apoiadora é a atriz Cássia Kiss, bem como Regina Duarte.

Nos meios esportivos, além dos campeões de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, tem votos do senador Romário, do tetracampeão Bebeto, de Felipe Melo: jogador do Fluminense, e do ex-jogador de futebol de salão, Falcão.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL ” ( BRASIL)

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