COMO CHARLES DE CATARINA DE BRAGANÇA

Romano de Roma, é como reverenciam os capitolinos seus conterrâneos, cujas famílias nasceram há sete gerações na esplêndida metrópole mediterrânea, banhada pelas águas do Tevere, o Rio Tibre, e emoldurada, da mesma forma que Lisboa, por sete preciosas colinas. Eram pouquíssimos os ‘romanos de Roma’ à época em que lá vivi, entre os anos 1970 e 1980, quando fui correspondente de publicações brasileiras e portuguesas. Quase sempre eram judeus – descendentes de escravos do Império Romano.

Lembro-me, contudo, que, não apenas os romanos, mas todos os italianos, quando se sentiam menosprezados pelos ‘arrogantes’ franceses, recordavam que teria sido uma compatriota, a exuberante Catarina de Medici (1519 – 1589), nascida no Ducado de Florença, na Toscana, a ensinar os bons modos na Corte da França – ao se casar, em 1533, com rei Henrique II (519 – 1559). Teria sido ela a levar para Paris alguns dos símbolos que tornariam a França admirada no planeta.

Introduziu os perfumes, desconhecidos pelos gauleses, e as boas maneiras ao comer – com o uso do garfo. Revelaria as melhores receitas do Bel Paese, que deram início à elegante e celebrada cuisine française. Só encontro tamanha semelhança na História, como a de Catarina de Medici com outra Catarina, no século seguinte, quando a Princesa da emergente Casa de Bragança esposou, em 1662, o soberano inglês Charles II.   

Catarina de Bragança apresentaria à realeza da Inglaterra não somente a fartura e opulência lusitanas à mesa, temperada com deliciosos azeites de oliva e especiarias orientais, mas, também, o hábito de tomar chá, importado por Lisboa diretamente do Ceilão, atual Sri Lanka. A bebida, como sabemos, se transformaria em marca indelével da sofisticação do futuro Reino Unido. A noiva bragantina do monarca inglês transportaria, no surpreendente enxoval, os tabacos, procedentes do Brasil, especificamente, do Recôncavo Baiano, próximo a Salvador. Levaria, claro, talheres, pois fora informada que os ingleses comiam com as mãos.

Seria ela a adotar em Londres, como acontecera com Catarina de Medici na França, o requinte do garfo. Foi outro, entretanto, o maior dos dotes de Catarina de Bragança. Entregaria a Charles II os valiosíssimos mapas das rotas marítimas para a Ásia e o quebra-cabeça resolvido das Áfricas, montado por antepassados que decifraram os tortuosos caminhos do continente – do Marrocos ao Cabo da Boa Esperança. A Inglaterra, graças aos Bragança, receberia seu primeiro território na Índia, então exclusivamente portuguesa – a superpovoada Bombaim, corruptela no idioma sânscrito da denominação lusitana de Boa Baia.

Foi a partir de Bombaim que os ingleses acabariam por se firmar como o principal colonizador da Índia, nos séculos vindouros, após o desaparecimento do impetuoso Rei português, Dom Sebastião, O Desejado, na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, no Marrocos. Foi incluído ainda nos dotes de Catarina de Bragança a estratégica cidade marroquina de Tânger, no Estreito de Gibraltar – a dez quilômetros apenas da querida localidade espanhola andaluza de Tarifa.  

Catarina de Medici e Catarina de Bragança foram, a rigor, rainhas consortes, isto é, esposas de soberanos. Mas, inegavelmente, seriam determinantes na trajetória dos reinos dos respectivos maridos – separados, ao Norte do Atlântico, pelo turbulento Canal da Mancha. Um outro Charles, o Rei Charles III, dá continuidade, agora, à monarquia inglesa e sua coroação ocorrerá em junho de 2023.  

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL) 

Albino Castro é jornalista e historiador

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