O NOBEL DE BERNANKE: ALERTA DE OUTRA CRÍSE ?

CHARGE DE BENETT

Nesta semana – que teve hoje o feriado do “Columbus Day” nos Estados Unidos e será quebrada na 4ª feira pelo feriado de N. Sra Aparecida, a padroeira do Brasil -, o anúncio do Prêmio Nobel de Economia de 2022 a Ben S. Bernanke, Douglas W. Diamond e Philip H. Dybvig por suas teorias que ajudaram a entender o impacto da falência de bancos no mercado financeiro internacional e para o fomento de crises, como a de 2008, nos faz pensar. Já estamos livres da crise de 2008 ou o horizonte prepara novas surpresas que o livro do trio premiado alerta? Em 2005, quase três anos da crise, Nouriel Roubini, professor de economia na Stern School Of Business da Universidade de Nova York, em uma palestra no Fundo Monetário Internacional, advertiu sobre a iminência de uma crise imobiliária. Quase ninguém acreditou.

Mas ela começou a pipocar em 24 de julho de 2007, quando a forte queda no índice da Bolsa de Nova Iorque trouxe pesados prejuízos e indicou fragilidades de quem se posicionava em operações alavancadas. A euforia dominava os mercados financeiros desde a virada do milênio, classificada pelo então presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, Allan Greenspan, como “exuberância irracional” dos mercados que operavam derivativos em cima de empréstimos hipotecários de alto risco (apesar das supostas garantia das agências hipotecárias dos EUA (Fannie Mae e Freddie Mac), equivalentes a nosso BNH (extinto em 1986, com seu passivo absorvido pela Caixa), que garantia as letras imobiliárias dadas em caução de empréstimos externas (prática só proibida no final de 1973).

O problema é que no EUA, um imóvel podia ter duas ou mais hipotecas. A exuberância dos mercados facilitou muito a multiplicação do patrimônio imobiliário de Donald Trump. Após a crise de 3008, seu patrimônio se desvalorizou muito. Eleito presidente, sempre forçou o Fed a manter juros baixos e criou medidas fiscais para atrair de volta ao país a sede das grandes corporações americanas. A crise do sub-prime de empréstimos hipotecários teve a primeira vítima financeira não em Nova Iorque, mas na Inglaterra no início de 2007. Confiando na “exuberância dos mercados e na valorização dos imóveis, o banco britânico Northern Rock adotava uma estratégia arriscada: tomava dinheiro emprestado no curto prazo (a cada três meses) de outros bancos, para emprestá-lo no longo prazo (em média, vinte anos), a compradores de imóveis. Entretanto, ao pressentirem os riscos, os bancos começaram a cortar os créditos ao Northern Rock, que entrou em crise de liquidez e foi o primeiro banco britânico a sofrer intervenção governamental, desde 1860.

Nos EUA, várias operações alavancadas começaram a fazer água ao longo de 2007, com grande instabilidade nos mercados. A crise ficou exposta em agosto e setembro de 2008, quando houve a estatização dos gigantes do mercado de empréstimos pessoais lastreados em hipotecas: a Federal National Mortgage Association (FNMA), a Fannie Mae, e a Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), chamada de Freddie Mac. Isso não impediu, em seguida, o pedido de concordara do tradicional banco de investimentos Lehman Brothers, com 150 anos de operações em Wall Street, e a venda da gigantesca corretora Merrill Lynch ao Bank of America. A onda de falências e quebras de instituições financeiras gerou a maior queda do índice Dow Jones, da NYSE, desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Os bancos centrais dos EUA, Europa, Japão e Canadá, injetaram trilhões de dólares nos mercados financeiros e a economia mundial mergulhou em dois anos de recessão. Houve onda de fusões e incorporações em todos os países. Nos EUA, cerca de mil bancos fecharam as portas, ou se fundiram com outros em três anos.

A interrupção dos suprimentos de linhas de crédito internacional tirou o oxigênio de muitos bancos brasileiros (de grande, médio e pequeno portes) que usavam a arbitragem de taxas de juros (mais baixas no exterior) para expandir financiamentos em reais, lucrando com o diferencial. Sem o oxigênio, mesmo com um vigoroso pacote de socorro do Banco Central, superado pelo extenso arsenal de medidas, a partir de março de 2020, quando foi declarada a pandemia mundial da Covid-19, muitos bancos quebraram. Outros foram absorvidos. O Banco Central deu mais incentivos à cessão de créditos entre os bancos e a compra de instituições. Mas outros, de menor porte, não escaparam das liquidações, como o Prosper, o Schahin, o Cruzeiro do Sul, o Oboé, o Morada, o Matone e o Banco, Rural.

A maior operação foi a fusão entre o Unibanco e o Itaú, que assumiu posição majoritária e tirou o Bradesco da liderança do mercado bancário brasileiro em 3 de novembro de 2008. Na sequência da escalada do dólar diante do real, empresas exportadoras alavancadas em dívidas externas ou em operações de hedge que previam valorização do real, quebraram, levando à fusão da Sadia com a Perdigão (e a fusão da Aracruz com a Votorantim Celulose, para a criação da Fíbria, vendida em 2020 à Suzano Celulose). Na área financeira o BB comprou 50% do Banco Votorantim, a CEF adquiriu 49% do capital do Panamericano (de Sílvio Santos, que fechou o Baú da Felicidade). O Suíço UBS foi vendido a André Esteves e virou o BTG Pactual. O BB também adquiriu Banco Nossa Caixa (do governo de São Paulo).

Sintomas de volta?

A premiação do trio do Prêmio Nobel, ocorreu justamente após uma semana de rumores sobre o agravamento da crise financeira e patrimonial do gigantesco Banco Credit Suisse. Os preços das ações do banco entraram em forte trajetória de queda, com seu valor de mercado caindo, nos últimos dias, de US$ 30 bilhões para US$ 10 bilhões e o CDS, um seguro contra a possibilidade de falência do banco, atingiu o nível recorde de 300 pt., maior que durante a crise financeira de 2008.

Para relembrar o que houve no Brasil

A crise do sub-prime no Brasil poderia ter acontecido em 1975-76, no governo Geisel, mas foi impedida pela ação do então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, do Banco Central, comandado por Paulo Lira. Quando o general Geisel foi escolhido para suceder ao general Médici, em 1973 (coincidindo com o 1º choque do petróleo, de setembro daquele ano) o mercado financeiro brasileiro vivia uma bolha de crescimento do PIB acima de 13% ao ano e de especulação financeira.

Na economia – em meio às canetadas semelhantes às hoje promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro para derrubar a inflação e tentar turbinar suas chances eleitorais, com a distribuições de benesses que já superam os R$ 60 bilhões – o aquecimento de alguns setores lembra a escassez atual de suprimentos nas cadeias produtivas da indústria pela interrupção regular dos suprimentos de equipamentos eletroeletrônicos vindos da China e países asiáticos. Aqui, nos tempos do fusca, faltavam maçanetas e vidros para as portas, pois os fornecedores nacionais de autopeças não conseguiam acompanhar o ritmo acelerado da demanda das montadoras.

A crise do petróleo fez muito consumidor desistir da compra do carro. Mas a pressão inflacionária era muito forte e o governo maquiava a inflação. A promessa era entregar inflação de 12% em dezembro de 1973. Mas, ela foi declarada em 13,7% e a FGV, que a calculada, indicou (no ano seguinte) ter sido de 27%. O mercado financeiro sabia disse e montou carteiras de títulos com correção monetária pós fixada, apostando que os preços escamoteados viriam à torna e inflariam os rendimentos de ORTNs (de dois e cinco anos, com juros e CM), bem como obrigações estaduais lançadas em 1972, no “open market”. O mercado bancava essas carteiras com taxas do overnight que se regulavam pela inflação oficial. Abriu-se uma enorme boca de jacaré favorável ao mercado.

As apostas contra o governo foram elevadas. Já desde o início dos anos 70, as empresas de crédito imobiliário lançavam letras imobiliárias (com correção monetária igual à das ORTNs, corrigidas trimestralmente, e com juros ligeiramente acima). Como tinham “garantia do BNH”, equivalente caboclo às Fannie Mae e Freddie Mac, e a correção monetária era, historicamente, superior à correção cambial, no regime de minidesvalorizações cambiais, elas abusaram de levantar empréstimos externos com caução de Letras Imobiliárias. Foi o auge da especulação imobiliária no Rio de Janeiro, São Paulo e regiões litorâneas. Preocupado com a enxurrada de empréstimos externos (que precisavam ser direcionados a financiar o balanço de pagamentos (com o rombo na balança comercial, causada também pela antecipação de importações em cruzeiros, com juros baixos), o governo Médici proibiu, no fim de 1973 a caução de empréstimos externos com LIs.

Por isso, a Delfin, que operava no Rio e em São Paulo e abusava desta tipo de captação (boa parte nem foi honrada, estourando no colo do BNH) para fazer empreendimentos imobiliários com empresas laranjas (oficialmente era proibido o financiamento imobiliário a empresa do mesmo grupo) lançou em dezembro de 1973 a campanha “Neste Natal, lembre-se de mim, dê para quem ama um cofrinho da Delfin”. Milhares de contas foram abertas e a caderneta de poupança ficou popular.

A intervenção no Banco Halles, em 16 de abril de 1974, esfriou um pouco a fervura do mercado financeiro na largada do governo Geisel, que não fez a remarcação de preços esperada pelo mercado. Uma sucessão de quebras de bancos, corretoras e financeiras ao longo de 1974, desacelerou o mercado. Mas a especulação voltou a ser realimentada no começo de 1975, quando a crise de liquidez provocada pela liquidação das operações de financiamento das importações (feitas pelo BB) levou o governo a criar o Refinanciamento Compensatório, lima mega liberação de depósitos compulsórios semelhante ao que foi aplicado pelos bancos centrais em 2008 e em 2020. Isso realimentou a especulação e levou o governo a enquadrar, com a limitação da multiplicador entre o capital e reservas de cada instituição e a carteira permitida de títulos públicos, através da Resolução 366. Mais adiante, para frear o abuso de duplas hipotecas no mercado imobiliário, veio a Resolução 386.

Os mercados esfriaram. Houve quebradeiras. O Brasil evitou entrar em crises financeiras como as de 20087 e 2008.

A deflação de setembro

O IBGE divulga nesta 3ª feira o resultado do IPCA de setembro. Na previsão do mercado financeiro, haverá queda de preços, no 3º mês de inflação negativa desde que o governo baixou impostos da energia, comunicações e combustíveis, que ganharam empurrão extra com reduções na gasolina, diesel, gás natural, GLP e querosene de aviação nas refinarias da Petrobras. A alta dos preços internacionais do petróleo, desde 5ª feira passada, pode interromper as baixas da Petrobras, para outubro, quando o mercado espera alta de 0,34% no IPCA, de acordo com a Pesquisa Focus, divulgada hoje pelo Banco Central.

Na visão do mercado, na mediana da Focus, o PICA vai ficar negativo em 0,25% (as apostas dos cinco últimos dias úteis vão a -0,31%). A LCA Consultores prevê deflação de 0,26% e o Departamento de Estudos Econômicos do Itaú prevê declação de 0,37%.

Com isso, a taxa acumulada em 12 meses, que estava em 12,1% em abril, e caiu para 8,7% no mês de agosto, baixaria para 7,1%. O Itaú prevê que o IPCA fechará o ano em 5,5%.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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