Esse aggiornamento ideológico de Aldo se explica. Foi senso de oportunidade de perceber sua falta de espaço em uma esquerda já congestionada por nomes mais expressivos, e uma direita tosca, à espera de seu ideólogo.
A coluna Tab Uol trouxe um levantamento interessante sobre a Nova Resistência, o grupo de ultra-direita que se infiltrou no PDT e tem Aldo Rebelo, como guru. Lá, mencionam-se as raízes da NR, seus pontos em comum com o fascismo, as incursões de Aldo e o posicionamento de Ciro Gomes.
A informação relevante é do sociólogo Michel Gherman – especializado em anti-semitismo – que já tinha identificado vestígios desse discurso autoritário em Aldo, quando ainda era Ministro do PT.
Como se recorda, Aldo foi Ministro da Defesa e do Meio Ambiente.
A constatação de Gherman ajudou a cair a minha ficha em relação a mudanças de comportamento de Aldo no período.
Antes de se tornar ministro – e antes de eu sair da Folha – Aldo era bastante próximo. Em cada vinda dele a São Paulo, me convidava para cafés da manhã, me presenteava com CDs de chorões de Alagoas e com seus causos nordestinos.
Depois, mudou completamente. No começo achei que apenas fazia parte daquele grupo de interesseiros que procuravam espaço na velha mídia.
Depois, percebi algo de mais grave em suas atitudes.
Uma delas foi na negociação da nova lei ambiental. Havia uma radicalização dos movimentos ambientalistas e dos ruralistas. O papel correto de um negociador seria encontrar um meio termo, promover pactos, aplainar diferenças. Aldo fez o contrário. Encampou as pautas ruralistas e passou a atacar o movimento ambientalista, tendo sido o principal responsável pelo afastamento dos ambientalistas do governo Dilma – o ponto de ruptura foram as hidrelétricas no Amazonas.
Depois, Ministro dos Esportes, enfrentou a primeira grande batalha política contra o governo Dilma, em torno dos gastos da Copa do Mundo. Era o tema do momento, mas Aldo se ausentou de forma indigna. Primeiro, teve um comportamento dúbio em entrevista ao Roda Viva.
Tempos depois, constatei que a Copa estava bem organizada, com a montagem de grupos de trabalho envolvendo diversos setores em áreas críticas: segurança, saúde, direitos.
Tentei uma entrevista com Aldo para o programa Brasilianas. Alegou, para minha produção, não ter agenda. Pedi que indicasse algum representante. Não tinha. Telefonei, então, para Mirian Belchior, manifestando minha estranheza com a recusa. Mirian se moveu e foi indicado o Secretário Executivo do MInistério, Luis Fernandes. A entrevista foi um banho. Fernandes era o grande organizador da Copa e quem assistiu teve certeza de que seria uma Copa bem organizada – como, de fato, foi.
Qual a razão de Aldo, então, para boicotar a entrevista? Medo de se comprometer com um jornalista que criticava a grande mídia? Me parecia pouco.
O segundo episódio que testemunhei comprovou que havia algo mais. Fui contratado por uma empresa alemã de insumos agrícolas para uma palestra em Campinas.
A primeira parte da palestra foi o tal Capitão Nascimento, da Tropa da Elite, com seus gritos de guerra sendo repetidos pelo público ruralista. Na minha vez, procurei trazer um mínimo de bom senso, alertando para os riscos de um país radicalizado.
Depois, fui para o saguão do hotel, aguardar o carro que me traria para São Paulo. Um dos diretores da empresa, alemão, sentou-se ao meu lado, visivelmente assustado:
- Será que esse pessoal não sabe o que aconteceu com a Alemanha com esse tipo de atitude?
Na volta, veio no carro uma advogada dos ruralistas. E cobriu Aldo Rebelo de elogios, não apenas por seu trabalho na discussão da Lei do Meio Ambiente, mas pelos conselhos úteis que dava aos ruralistas:
- Ele nos aconselhou a nos aproximarmos dos blogs da Veja, disse ela.
Na época, os blogs da Veja tinham Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes, exarando ultradireitismo por todos os poros.
O terceiro encontro com Aldo foi em uma cerimônia da Academia Paulista de Letras, acho que em uma homenagem a Luiz Carlos Bresser Pereira. Aldo presidiu a mesa, composta por inúmeros militares da reserva.
Agora, ficou nítido que todos os movimentos dele, ainda no governo Dilma, visavam boicotar o governo e consolidar aliança com dois segmentos: os ruralistas e os militares. No PDT, com seu Quinto Movimento, Aldo repete o que fez no governo Dilma, usando a estrutura do partido para tentar consolidar seu grupo de ultra-direita, usando uma estratégia de Aleksandr Dugin – o cientista russo, seu inspirador – que sonha em um pacto entre nacionalistas e trabalhadores. O sonho de Aldo é um pacto entre ruralistas e militares.
É por aí que se explica sua caracterização ridícula de usar um chapéu Panamá – símbolo do início do fascismo na política, na fase ultradireitista de Reinaldo Azevedo.
No ano passado, tornou-se assíduo dos encontros da Fundação General Villas Boas. E recebeu um elogio do general, equiparando-o a Ricardo Salles.
Criticou a “linguagem neutra”, dizendo ser inadmissível, um atentado contra a língua brasileira. E denunciou como parte de uma conspiração das corporações, da mídia e do próprio Supremo Tribunal Federal para comprometer as tradições brasileiras,
“Aqui no Brasil, essa agenda tomou conta do mercado, pelas corporações que estão nisso, da mídia, de certa forma o Legislativo vai entrando nisso e o Judiciário nem se fala”, disse Rabelo. Ele criticou o Supremo Tribunal Federal e afirmou ter a impressão de que ele age como “uma corte dos costumes, dos comportamento”.
O professor Gherman tem as mesmas preocupações minhas, quando apontei que a radicalização de Ciro Gomes, agora, é uma maneira de consolidar seu espaço nesse grupo ultra-radical e avançar sobre duas forças que ficarão órfãs do bolsonarismo: os ruralistas e os militares.
“Com a [possível] derrota de Bolsonaro e a hegemonização da esquerda pelo lulismo nos próximos anos, o que vai sobrar pra direita ou que vai sobrar uma certa esquerda não-lulista é isso”, atenta o sociólogo. “Esses caras podem articular um discurso que é se dizer órfãos de uma esquerda cirista e uma direita pós-bolsonarista”, diz ele.
Esse aggiornamento ideológico de Aldo se explica. Foi senso de oportunidade de perceber sua falta de espaço em uma esquerda já congestionada por nomes mais expressivos, e uma direita tosca, à espera de seu ideólogo. E Ciro vai atrás, repetindo as críticas de Aldo contra as políticas identitárias, contra as restrições à mineração na Amazônia.
O radicalismo já tem novos candidatos para assumir o posto dos Bolsonaro.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)