Tem chamado a atenção, para esta eleição de outubro, a enorme quantidade de pesquisas de intenção de voto. Não me recordo se em 2018 havia essa proliferação de informação disponível. O fato é que hoje sabemos, por exemplo, que na faixa de eleitores que ganham entre 2 e 5 salários-mínimos, Lula manteve a dianteira. Nesse recorte, tomou votos de Bolsonaro. Este nível de detalhamento se estende para análises estaduais e, a depender do estado, há avaliações mais regionalizadas.
Nos principais canais de TV e internet, contratam-se especialistas para discutir os resultados. E como os institutos divulgam dados semanalmente, até o final de setembro teremos novidades quase todos os dias. Daqui a duas semanas conheceremos mais de pesquisa do que de futebol. Bom para a indústria de pesquisa e veículos de comunicação. E como eleitor, torcedor e “ex-pesquiseiro”, me arriscarei a alguns comentários.
A campanha presidencial de Lula parece estar mais bem estruturada, com objetivos definidos. A liderança estabilizada em torno de 45% permite a adoção de um discurso mais linear, coerente. Vejamos o vídeo gravado pelo ex-jogador de futebol Raí que circula esta semana – observem, amigas e amigos, como futebol e política se misturam. O ex-atleta, de vermelho, inicia o depoimento dizendo que vota em Lula porque respeita a vida, todas as cores e é contra o fascismo. Contra o “imbrochável”, Raí empresta sua vitalidade para combater o candidato de falas misóginas e preconceituosas. Defende a paz, a cultura – “defendo os livros”, diz num trecho do vídeo – sem citar o outro, cuja campanha se baseia na propagação de fake news.
E não é só “o que” se diz, mas “quando”. A menos de três semanas das eleições presidenciais, o PT sabe que a hora de buscar votos de outros candidatos é agora. Raí diz que vota em Lula para “ganharmos, todos, no primeiro turno”. Chama, ainda, Ciro e Tebet para o seu lado. O PT entende que na última semana haverá alguma migração de votos, para seu candidato ou para o adversário. Busca, portanto, neste exato momento, criar um “colchão” de eleitores e garantir a definição no primeiro turno ou, ao menos, partir para o segundo com a maior diferença possível. Diferença devidamente revelada pelas pesquisas. Ao ganhar votos, de quebra vai baixar a moral do capitão reformado e sua tropa na véspera do pleito.
Se, nos próximos dias, provavelmente veremos peças petistas direcionadas a eleitores de renda mais baixa, mais simpáticos ao seu candidato, para que compareçam à votação, a estratégia da campanha do presidente parece a de apagar incêndios. Não é de se estranhar, já que seu cliente, cuja rejeição gira em torno de 50%, é um incendiário por excelência. Quando abre a boca, a imprevisibilidade é a única certeza. Reativos, os assessores pediram ao viril comandante para se desculpar a respeito da menção sobre não ser coveiro, criticar ataques à imprensa, adotar uma postura mais amena. Contenção de danos? Alguém acredita? Também os ataques ao ex-presidente Lula parecem não ter mais o efeito esperado, em que pesem notícias sobre a possível corrupção no governo atual.
Fatos novos podem acontecer. Uma quinzena é muito tempo. Mas a cada sol poente sem novidades, o crepúsculo aumenta a sombra por trás das intenções eleitoreiras do Excelentíssimo. E reverter rejeição é mais difícil do que puxar votos de outros candidatos. Segundo as pesquisas, metade dos eleitores não gosta do atual presidente. Acha que seu governo é ruim. Bolsonaro vai ter de provar, em pouco mais de uma quinzena, que não é nada daquilo que foi em quase quatro anos. Se conseguir, tem alguma chance. Haja “imbrochabilidade”!
RICARDO FERNANDES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.