Algo deve estar errado nas pesquisas do IBGE. A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) de julho, divulgada hoje, acusa queda de 0,8% no volume de vendas do comércio varejista (supermercados, vendas de combustíveis e lubrificantes, lojas de vestuário, tecidos, calçados e acessórios, farmácias e lojas de móveis, eletrodomésticos e UD) em relação a junho (que já tinha caído 1,4% frente a maio também negativo em 0,4%). E no varejo ampliado (carros, motos, autopeças e materiais de construção) houve queda de 0,7% no volume de vendas que já tinha caído 2,5% em junho.
Como se explica que no mesmo julho o IBGE registre alta de 1,1% no volume de serviços frente a junho, conforme foi divulgado ontem? Uma explicação seria decorrente do fato de que, tendo o segmento de serviços ficado muito comprimido desde a pandemia da Covid-19 e as atividades de lazer, turismo, bares e restaurantes, incluindo teatro, cinema e shows estão voltando com força desde maio. Há quem considere que a base de pesquisa do IBGE esteja mal calibrada na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), inflando um pouco o volume de vendas neste segmento. Uma pista para isso têm sido as constantes retificações das pesquisas do próprio Instituto, como ocorreu na PMS de julho para meses anteriores.
O comportamento negativo no volume de vendas do comércio (na PMC de junho, só não foi completo entre os nove segmentos pesquisados, porque a venda de combustíveis e lubrificantes cresceu 12,2%, estimulada pela baixa dos combustíveis, com a redução do ICMS, vindo de queda de 0,9% no volume de maio. As vendas em hipermercados e supermercados caíram 0,8 %, as de vestuário despencaram 17,1%, as de móveis e eletrodomésticos encolheram 3% e as farmácias e drogarias caíram 1,4%. No comércio varejista ampliado, onde as vendas dependem do crédito (mais caro, com a alta de juros) houve queda de 2,7% em Veículos e motos, partes e peças e de 2% em Material de construção.
Em julho de 2022 o volume de vendas no comércio varejista nacional caiu 0,8% frente a junho, na série com ajuste sazonal. A média móvel trimestral (maio, junho e julho) foi de 0,9%. O acumulado no ano está em 0,4% e o dos últimos 12 meses, está negativo em 1,8%. No comércio varejista ampliado, o volume de vendas caiu 0,7% frente a junho. A média móvel trimestral recuou 0,9% no trimestre encerrado em julho. Somando tudo, o volume de vendas frente a julho de 2021 caiu 6,8%. O acumulado no ano foi está em -0,8% e o dos 12 meses chegou a -1,9%.
Vale lembrar que as expectativas do mercado eram de pequeno avanço de 0,1% no volume de vendas do comércio varejista restrito e queda de 0,1% no varejo ampliado. O Bradesco previa queda de 0,1% em ambos os segmentos. Já a LCA Consultores estava bem otimista (quem sabe pelo resultado da pesquisa PMS?) e apontava variação mensal positiva de 0,90% tanto no volume de vendas (com ajuste sazonal) no varejo restrito, quanto no ampliado. Ao analisar o desempenho da PMS de julho, a Genial Investimentos comento em seu Boletim Diário de hoje: “O resultado de julho surpreendeu positivamente em relação à expectativa mediana do mercado (0,6%), mas veio ligeiramente abaixo da nossa projeção para o mês (1,3%)”. Eu sugiro que o IBGE explique ou justifique melhor as discrepâncias.
Cielo mostra recuperação no varejo
Seguir o ritmo das compras dos consumidores pelo cartão de crédito, às vezes complica as coisas, pois há uma mistura enorme de gastos em comerciais e de serviços. Vejam, o caso do ICVA (Índice de Varejo Ampliado da Cielo). O indicador da Cielo já está indicando avanço de 2,8% nas vendas do varejo em agosto.
Apesar da recuperação, o nível de vendas deflacionado segue abaixo da pré-pandemia. E a recuperação vem sendo puxada por Postos de Gasolina, Turismo e Transporte e bares e restaurantes. Mais serviços, turismo e lazer que comércio.
Godard, cinema e consumo
*[Este título é uma homenagem a Jean Luc Godard, o genial cineasta franco-suíço, que se foi ontem aos 91 anos, por meio de suicídio assistido na Suíça]. Seu primeiro e impactante filme “À bout de souffle”, ganhou no Brasil o título de “Acossado”. Rodado em preto e branco, em 1960, nas ruas de Paris, com Jean Paul Belmondo e Jean Seberg, linda com o cabelo curtinho, que depois inspirou Mia Farrow a adotar o corte, era baseado em história de François Truffaut (outro ícone do cinema francês), inaugurando assim a “Nouvelle Vague”.
No Brasil, o cinema francês (e o europeu alternativa ao processo esquemático de Hollywood) criou seguidores no “Cinema Novo” e teve como meca nos anos 60 e 70 o cinema Paissandu, no Flamengo, frequentado pela “geração Paissandu”. Em meio à censura do regime militar, os filmes europeus, às vezes enigmáticos, eram discutidos em mesas de bar, após as sessões. No fim dos anos 70 o mesmo grupo Paissandu abriu o Cinema 1, na rua Prado Júnior, em Copacabana. Um dos cineastas do “Cinema Novo”, Júlio Bressane, lançou em 1969, após o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, obra inspirada em manchete do jornal “Notícias Populares”, de São Paulo, “Matou a Família e Foi ao Cinema”, com a jovem Renata Sorrah, entre os artistas mais conhecidos, além do falecido Carlos Eduardo Dolabella. Tinha muito do ritmo de “Acossado”.
Ironia do destino. Desde a virada do século quase desapareceram as salas do “cinema de rua”, que migrou para o conforto dos shoppings, com estacionamento, enquanto seus espaços eram ocupados pela especulação imobiliária, bancos e lojas comerciais. O Paissandu virou um supermercado Zona Sul e o Cinema 1, uma loja da rede HortiFruti. Várias outras salas de cinema viraram templos religiosos, supermercados ou foram ocupados pela rede Casa&Vídeo. Por isso, acho estranho que o IBGE registre que, paralela à redução do consumo (tirando os combustíveis os preços seguem em disparada), esteja havendo deslocamento do consumo do público para as atividades de serviços e lazer, que também encareceram. Mulheres estariam trocando a comida pela tarde no salão de beleza ou no cinema dos shoppings (nas lojas, o consumo anda frio)?
Juros em alta no mundo
Apesar da queda de 5% no índice de energia, que ajudou à 2ª redução na taxa de inflação acumulada em 12 meses (após o recorde de 9,1% em junho, desceu a 8,5% em julho e a 8,3% em agosto), a inflação americana segue persistente, sinalizando que os componentes mais inerciais devem sustentar o nível de preços em patamar significativamente elevado por mais tempo. A LCA Consultores chama a atenção para o fato de que as altas nos grupos de Habitação, Alimentação e Cuidados Médicos superaram a contração do índice de Energia resultante da queda de 13% do preço da gasolina cobrado na bomba durante o mês de agosto (como se vê, a queda da gasolina não foi só aqui).
A combinação entre o elevado nível inflacionário e um mercado de trabalho superaquecido deve continuar pressionando os salários nos próximos meses e a própria inflação por mais tempo. Neste cenário, o Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, deve aumentar novamente a taxa de juros em 0,75 p.p., no próximo dia 21 de setembro, considera a Genial Investimento, para “garantir a convergência da inflação americana para a meta de 2% no médio prazo”. Agora, a Genial projeta uma Fed Fund rate em 4,25% ao final de 2022, com viés de alta. Em agosto previa-se 4%.
E o Copom, no Brasil?
O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne nos mesmos dias 20 e 21 de setembro para definir a política monetária. Para a LCA, “a possibilidade de aperto mais pronunciado de juros no exterior coloca certa pressão no Banco Central. Mesmo com a “persistência da inflação doméstica” e com “os núcleos da inflação doméstica, em descompressão lenta e irregular, correndo ainda muito acima das metas perseguidas pelo BC (…) parece estar em curso uma descompressão relevante de custos na cadeia produtiva doméstica, ajudando a aliviar expectativas inflacionárias”.
A LCA reduziu novamente o IPCA deste ano, de 6,7% para 6,2%. E admite que a projeção para 2023 (5,5%) “poderá ser revisada para baixo se o próximo governo estender a vigência de algumas das desonerações tributárias promovidas neste ano (como o PIS-Cofins sobre combustíveis)”.
Assim, mantém a avaliação de que o Copom vai manter a taxa Selic em 13,75% e sinalizar que manterá a taxa neste patamar restritivo por período “suficientemente prolongado” para fazer a inflação convergir às metas no horizonte relevante (“até meados de 2023”, na visão da consultoria), mas tudo depende do que disserem as urnas.
Para a LCA, “o timing de uma flexibilização monetária dependerá, em boa medida, da capacidade do próximo governo de elaborar, viabilizar politicamente e implementar iniciativas que sinalizem um horizonte de reequilíbrio das contas fiscais”.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)