Jair Bolsonaro está cada dia mais Jair Bolsonaro. Mais solto nos discursos, menos intimidado nos encontros com outros chefes de Estado, mais orgulhosamente politicamente incorreto, muito mais teimoso nas suas opiniões, mesmo as que sabe serem impopulares entre seus eleitores. Esse conforto do presidente no cargo é a principal bússola da política dos próximos meses.
Compare Bolsonaro dos primeiros 100 dias com o da semana passada, quando completou 200 dias de mandato. Na primeira cerimônia comemorativa, sua popularidade era a pior da história para o período de qualquer presidente em início de mandato. Seu vice, Hamilton Mourão, fazia uma campanha pouco sutil de contrabalanço à imagem desnorteada do chefe. Ministros generais confidenciavam aos jornalistas que tentariam “enquadrar o presidente”. Seu filho Carlos e o escritor Olavo de Carvalho eram motivo de chacota. JB havia tentado naquela semana interferir nos preços dos combustíveis e fora obrigado a recuar.
Na semana passada, era outro Bolsonaro. A popularidade parou de cair, a reforma da Previdência foi aprovada em 1º turno na Câmara com a sua intervenção pró-policiais, os ministros generais foram escanteados e Mourão perdeu importância.
Passados 200 dias, tornou-se um desperdício de tempo contabilizar os impropérios ditos pelo presidente. Num dia, ele se referiu pejorativamente aos nordestinos, sugeriu censurar os dados sobre desmatamento na Amazônia, anunciou critérios morais para o financiamento de filmes nacionais e negou as torturas sofridas pela jornalista Míriam Leitão. Noutro, tentando se desdizer sobre o preconceito aos nordestinos, travou o seguinte diálogo com o ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas. em transmissão pelo Facebook:
– Você tem algum parente pau-de-arara?
– Tenho, tenho, família no Piauí, no Rio Grande do Norte…
– Com essa cabeça tu não nega não, encerrou o presidente às gargalhadas.
Isso é Bolsonaro puro. Rindo de suas próprias piadas, insistindo nos seus próprios fatos, o capitão governa para os seus: os olavistas, os ruralistas, os caminhoneiros, os policiais e os evangélicos. Os demais companheiros de viagem na vitória de outubro –o mercado, os empresários, os militares, os políticos– ou se adaptam ou cairão fora. A ilusão de que uma vez no cargo, o presidente se adaptaria às estruturas, se comportaria dentro dos limites pré-estabelecidos e domesticaria a sua militância era exatamente isso, ilusão.
A principal consequência de ter Bolsonaro na versão raiz é aceitar que serão mais três anos e meio de conflitos. É o tempo de acabar a votação da Previdência para todo o fervor bolsonarista se voltar contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que tomou do presidente os louros da reforma e se posiciona como o principal freio das teses bolsonaristas no Congresso. Maia já é um dos políticos mais atacados pela militância bolsonaristas nas redes. Foram 1 milhão de tuítes citando o político no mês passado, mais de 90% em tom negativo, segundo levantamento do Departamento de Análise de Políticas Públicas da FGV. Vai piorar com o esforço do presidente pela reeleição.
O clima de beligerância eterna é o ambiente favorito de Bolsonaro. Bolsonaro vai se voltar contra Maia logo, assim como no futuro tentará destruir o governador João Doria. Não é nada pessoal. É que o projeto do presidente inclui uma polarização eterna com a esquerda e para isso quem estiver fora dos polos será esmagado.
É fácil tentar comparar essa tática do capitão com a do presidente americano Donald Trump, mas há diferenças graves. A primeira é que Trump tem ao seu lado um grande partido que depende dele para sobreviver e irá defender cada ultraje postado no Twitter. O segundo é a economia. Os Estados Unidos crescem há 121 meses seguidos, com a taxa de desemprego mais baixa em 50 anos. O Brasil de Bolsonaro, no entanto, vive em estagnação econômica. Nada indica uma queda substancial no desemprego ou uma retomada real da economia no médio prazo.
Se está claro como o Bolsonaro raiz planeja sua reeleição, ainda é incerto como irá reagir à falta de resultados imediatos da política econômica de Paulo Guedes. Voluntarista, Bolsonaro não é conhecido pela paciência. A pressão que ele fará sobre Guedes e a reação do ministro são os enigmas do futuro do governo.
THOMAS TRAUMANN ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)