- Presidente de Portugal, de 1986 a 1996, o socialista Mário Soares (1924 – 2017) foi, sem dúvida, aos olhos do mundo, a mais importante liderança do País após a Revolução dos Cravos – golpe militar que depôs em 25 de abril de 1974 o ‘ancient regime’ salazarista. Homem erudito, de formação profundamente cosmopolita e universalista, lutando desde as primeiras horas da mudança do governo para que o País não se tornasse, diante de Moscou, uma submissa ‘Bulgária’, orbitando como um subserviente satélite da União Soviética – conforme desejavam e conspiravam à época muitos de seus compatriotas vinculados ao Partido Comunista Português (PCP), do coimbrão Álvaro Cunhal (1913 – 2005). Ou numa nova Cuba, como defendiam setores extremistas das Forças Armadas, dentre os quais, estava o luso-moçambicano Major Otelo Saraiva de Carvalho (1936 – 2021).
- Incansável, o líder socialista, progressista e democrata, levantou-se, em plena Guerra Fria, contra o modelo ‘búlgaro’ e ‘cubano’, batendo-se, intransigentemente, para que Portugal permanecesse aliado ao Ocidente. Fiel, portanto, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), opção feita pelo salazarismo, em 1949, quando esteve entre os 12 países que criaram o bloco militar. Também se bateria, já como Ministro dos Negócios Estrangeiros, para que duas das províncias ultramarinas continuassem portuguesas – Cabo Verde, formada por 10 ilhas, e São Tomé e Príncipe. Ambas, povoadas pelos portugueses, teriam o mesmo status de autonomia regional de que gozam os arquipélagos da Madeira e dos Açores.
- Pretendia manter como território lusitano, igualmente, o Timor Português, enclave independente no imenso arquipélago da Indonésia – maior país muçulmano do planeta. Ilustra a coluna uma foto minha com Mário Soares, em Roma, na primavera de 1980. Mário Soares não conseguiu, infelizmente, conter o sonho de autodeterminação que dominava as colônias – impulsionado pelas esquerdas da própria Metrópole, empenhadas em redesenhar o mapa geopolítico mundial, funcionando, a rigor, como ‘correia de transmissão’ do Kremlin. E, assim, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e o Timor Português, rebatizado para Timor Leste, ficaram independentes e alinhados ao bloco dos pró soviéticos.
- Destino semelhante tiveram as outras províncias ultramarinas: Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa, que passou a se chamar Guiné-Bissau. A dissolução da União Soviética, em 1991, deixaria ‘órfãs’ todas as antigas províncias ultramarinas e, desde então, milhares de seus habitantes voltaram a enxergar em Portugal o melhor destino de emigração – como nos anos que antecederam a Revolução dos Cravos. Graças, sobretudo, ao idioma comum, mas não só. Ainda pelos hábitos do dia a dia marcadamente de modos brandos dos lusos. Identidade reforçada à mesa, onde nunca falta bacalhau nas localidades de língua portuguesa, bem como o amor aos fados e a paixão pelas equipas de futebol – dividindo-se em benfiquistas, sportinguistas e portistas.
- Cabo Verde, a propósito, é o que mais parece lamentar o fato de ter deixado de ser português. Reivindica, constantemente, livre trânsito dos cabo-verdianos para Portugal. O que não é permitido pela União Europeia, da qual Portugal faz parte desde 1985. Um dramático apelo para que fosse abolido o atual visto foi feito pelo Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, em 10 de junho do ano passado, ao receber na cidade da Praia, capital do país, o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Primeiro-Ministro António Costa, no ensejo dos festejos do Dia de Camões.
- Não seria nenhuma surpresa, caso houvesse um plebiscito, se a maioria dos cabo-verdianos votasse favorável ao anterior status de território ultramarino português. Mas as escolhas feitas nos meses seguintes ao 25 de Abril já não podem ser revogadas. Até porque a União Europeia, pela qual Mário Soares também se bateu para o ingresso do País no organismo, veta que seus membros voltem a ter colônias nos demais continentes.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador