Comemora-se neste 2019 os 500 anos de um dos maiores feitos da História Marítima, quando, em 1519, partiu do porto de Sanlúcar de Barrameda, na província andaluza de Cádiz, ao Sul da Espanha, o português Fernão de Magalhães para realizar a epopeia da primeira Viagem de Circum-Navegação, sob o pendão dos Reis Católicos, Isabel de Castela (1474 – 1504) e Fernando de Aragão (1452 – 1516), com a meta de traçar um novo trajeto para as asiáticas Ilhas Molucas, integradas hoje à Indonésia.
Ele deveria contornar a América do Sul, obedecendo as regras estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas, firmado na cidade castelhana, em 1494, com a chancela pontifícia de Alexandre VI, o célebre Papa da família espanhola valenciana dos Borgia, repartindo entre as duas nações ibéricas as terras ao Sul da atual República de Cabo Verde. Ficaram em poder dos Reis Católicos os territórios que se estendiam da Flórida, atual Estados Unidos, ao extremo Sul de Argentina e Chile, cabendo à Coroa de Lisboa um trecho da costa brasileira, do Maranhão a São Paulo, e mais as Áfricas e Ásia.
Era escopo de Magalhães, ao navegar nos limites de Tordesilhas, alcançar a Ilha das Especiarias, ao Norte das Molucas, descoberta por portugueses, em 1511 e 1512, única produtora à época de noz-moscada e cravo da índia, ingredientes bastante valorizados na Europa – comercializados pela Sereníssima República de Veneza que, por sua vez, comprava os produtos a preços escorchantes dos mercadores maometanos. Mas a escala nas Filipinas, em 1521, mudaria o roteiro inicial da Circum-Navegação, com a trágica e inesperada morte de Magalhães, aos 41 anos, combatendo em Cebu. Ele teria nascido na transmontana Sabrosa, no Distrito de Vila Real, numa família de origem espanhola galega – como o fundador do Reino de Portugal, Dom Afonso Henriques (1011 – 1085), O Conquistador.
Contudo, se o transmontano chegou às Filipinas, acompanhado do explorador espanhol basco, Juan Sebastián Elcano (1476 – 1526), da Província de Guipúzcoa, que, ao contrário dele, conseguiria regressar à Corte de Sevilha, coube a conquista e a ocupação do território, em 1565, a outro enviado do País Basco, El Adelantado, o Governador Miguel López de Legazpi (1502 – 1572), El Viejo, igualmente guipuzcano, fundador da capital Manila, em 1571, na Ilha de Luzón, a mais extensa do arquipélago. Foi o próprio Legazpi, cujo retrato ilustra a coluna, que aplastaria em Cebu a tribo dos matadores de Magalhães.
Ele batizaria a nova colônia homenageando o Rei Felipe II (1527 – 1598), O Prudente, sucessor, em 1556, de seu legendário pai, o belga Dom Carlos V (1500 – 1558), soberano do Sacro Império Romano Germânico, nomeado Carlos I na Espanha. Já Felipe II nascera em Castilla La Vieja, na castiza Valladolid, próxima a Tordesilhas, e seria, a partir de 1581, Felipe I em Portugal, com o desaparecimento, em 1678, do último monarca da iluminada Casa de Avis, O Adormecido Dom Sebastião (1554 – 1578), na fatídica Batalha dos Três Reis na localidade marroquina de Alcácer-Quibir. As Filipinas se tornariam, evangelizadas pelos espanhóis, o maior país cristão asiático. São católicos mais de 90 por cento da atual população de cerca 105 milhões de habitantes. Graças à proeza de Magalhães, o Governador Legazpi estabeleceria, inclusive, uma rota de navegação no Pacífico de 15 mil quilômetros, ligando Manila a Acapulco, no antigo Vice-Reinado da Nueva España, atual México.
Criou-se oGaleón de Manila voltado ao comércio do Pacífico – a exemplo da lusitana Carreira da Índia, responsável pelos negócios do Império Português do Oriente com a Metrópole, fazendo escalas nas Áfricas e Bahia. Muito além de canela e pimenta, eram levados para Acapulco seda, porcelana, chá e marfim – mercadorias destinadas à Corte de Madri, através do Atlântico, do porto de Veracruz, no Golfo do México. E, rumo a Manila, eram enviados, principalmente, açúcar e algodão, bem como anil, extraído de plantações na Guatemala, e preciosas folhas caribenhas de tabaco. Até hoje, aliás, fabrica-se ótimos charutos no arquipélago asiático – facilmente encontrados nas tabacarias de toda Espanha, ao lado, muitas vezes, dos melhores puros cubanos.
O conjunto de ilhas próximas à China, juntamente com Guam, deixariam de pertencer à Espanha, em 1898, simultaneamente, com Cuba e Porto Rico, ambos no Caribe, após a derrota da Coroa de Borbón para os Estados Unidos – sucessores dos antigos colonizadores. Manila só se tornaria independente em 1946 e Havana, a rigor, apenas em 1959, ao chegar ao poder Fidel Castro (1926 – 2016) – também, curiosamente, de família espanhola galega. Porto Rico e Guam continuam tutelados por Washington. O inglês é hoje a língua da maioria dos filipinos. Mas quase todos os nomes e sobrenomes da população são do idioma de Miguel de Cervantes (1547 – 1616), autor de Dom Quixote, obra prima do castelhano.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador