A convicção de que agosto é um mês de desgosto ficou entranhada na vida política brasileira com o suicídio do presidente Getúlio Vargas na madrugada de 24 de agosto de 1954. O triste episódio completa 68 anos nesta 4ª feira. O gosto amargo deste mês se acentuou em 25 de agosto de 1961, quando o presidente Jânio Quadros, eleito em 1960 e que tinha grande apoio dos militares, blefou com uma carta de renúncia, aproveitando-se do fato de que o vice, João Goulart, estava da China e não era benquisto nas Forças Armadas. A intenção clara era dar um golpe no Congresso, com apoio dos ministros militares. Mas o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, leu a carta de renúncia (um ato unilateral) e o cargo foi declarado vago.
O que interessa recordar é agosto de 1954 (tinha só quatro anos e acordei com o choro convulsivo de nossa cozinheira), que guarda algum paralelo com os dias atuais. O presidente Vargas estava acuado pelos inquéritos conduzidos pela chamada “República do Galeão”, um grupo de inconformados oficiais da Aeronáutica, após a morte do major Rubens Vaz, por capangas contratados pelo segurança particular do presidente, Gregório Fortunato, quando acompanhava o deputado Carlos Lacerda (UDN), também ferido de raspão, no pé, em frente a seu prédio, na rua Toneleros, em Copacabana.
Lacerda era o porta-voz político dos militares que nunca aceitaram a derrota do brigadeiro Eduardo Gomes para o marechal Eurico Gaspar Dutra, que foi ministro do Exército de Getúlio durante a 2ª Guerra Mundial. Com a vitória dos exércitos aliados sobre o Eixo (Alemanha-Itália e Japão), era inevitável a redemocratização no Brasil. Na partida da guerra-fria, com a ajuda dos Estados Unidos, os militares que se opunham a Getúlio forçaram a convocação de eleições em 1945 (a primeira verdadeiramente democrática no país desde a criação da Justiça Eleitoral, em 1932). Dutra, lançado em cima da hora por Vargas, ganhou de lavada: 55,39% a 34,74% de Eduardo Gomes. O comunista Iedo Fiuza teve pouco mais de 7% dos votos. Eram 23 unidades federativas. O brigadeiro só ganhou no Piauí, Ceará, Paraíba e na cidade do Rio de Janeiro, que era o Distrito Federal, a capital da República.
Quando Getúlio se lançou em 1950, após longo exílio político na fazenda, em São Borja (RS), o brigadeiro voltou a se apresentar pela UDN. O PSD lançou Cristiano Machado, que perdeu em seu próprio estado (MG), gerando o termo “cristianização” – nada a ver com Jesus, mas o político sabotado pelos caciques do próprio partido e abandonado pelos eleitores (o que aconteceu em 2018 com Geraldo Alkmin, então no PSDB, 4º colocado, com 4,76% dos votos no 1º turno; alguns acham que ainda pode ocorrer com Bolsonaro este ano). Getúlio venceu por 48,73%, contra 29,66% dos votos no brigadeiro e Cristiano Machado ficou com 21,49%. A vitória de Getúlio se deu em 17 das 24 UFs. Eduardo Gomes venceu apenas em Minas Gerais, Piauí e Ceará. Cristiano liderou no Pará e no Maranhão e nos territórios do Acre e Amapá. [O que desmente a máxima de que não se elege presidente quem não vence em Minas, mas se confirmou na derrota de Aécio Neves para Dilma, em 2014, quando o ex-governador perdeu para a mineira Dilma no próprio estado].
Inconformados, os partidários do brigadeiro chegaram a invocar a tese da maioria absoluta, que não vingou. O tema voltou a inflamar a campanha pela destituição de Vargas. Mas o presidente derrotou os inimigos com a renúncia à própria vida e a Carta Testamento. A partir do manuscrito deixado em sua mesa de cabeceira e que foi burilado pelo redator dos discursos oficiais do presidente, o jornalista José Soares Maciel Filho, a Carta transformou-se em vigoroso legado político que facilitou a eleição de Juscelino Kubitschek pelo PSD, em 1955. JK teve 35,68% dos votos, batendo o marechal Juarez Távora, de UDN, que ficou com 30,27%, e Adhemar de Barros, que recebeu 25,77%. Plínio Salgado recebeu 8,28%. Mais uma vez, a tese da falta de maioria absoluta chegou a ser ensaiada por políticos da UDN, ecoando resistências nos quartéis, o que levou o então ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott, a dar um golpe preventivo em 11 de novembro de 1955 para garantir o resultado das urnas (que não eram eletrônicas). Por coincidência fatídica, JK também morreu em 22 de agosto de 1976, em acidente de carro na rodovia Presidente Dutra, junto com o seu motorista, Geraldo Ribeiro.
Lições de História ao vivo
A semana que marcou o início da campanha eleitoral no rádio e na TV, na 3ª feira, 16 de agosto, foi pródiga em ensinamentos e serviu de aperitivo para o clima de eletricidade e tensão que podem tomar conta do país nas próximas cinco semanas até 2 de outubro. A divulgação mais amiúde (em periodicidade semanal) das pesquisas eleitorais, que ficaram mais robustas e abrangentes, aumentou o clima de tensão. Houve pequena elevação das intenções de voto do presidente Jair Bolsonaro, como reação aparente às medidas de redução de preços de energia elétrica, comunicações e combustíveis, estes com um empurrão extra para baixo dos preços na gasolina e do diesel nas refinarias da Petrobras, acompanhando a queda dos preços do petróleo, devido à desaceleração da economia mundial.
A largada da campanha eleitoral no dia 16 de agosto, que Bolsonaro usou como ponto de partida o local da facada que recebeu em 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora (fato que catapultou sua popularidade e serviu de álibi para fugir dos debates ao vivo na televisão), em visita feita pela manhã, e a expectativa pela divulgação, na 5ª feira à tarde, 18 de agosto, da 1ª rodada semanal da pesquisa do Datafolha, encomendada pela Rede Globo, O Globo e a Folha de S. Paulo, deixou Jair Bolsonaro com nervos à flor da pele.
E a pesquisa Datafolha, que ouviu 5.744 eleitores em 281 cidades entre os dias 16 e 18 de agosto – a pesquisa anterior, que era mensal, foi feita em fins de julho e ouviu pouco mais de 2.500 pessoas, não permitindo a comparação entre as duas – mostrou que as manobras eleitoreiras do governo Bolsonaro levaram o eleitor a se mexer algumas casas em sua direção. Pode não ter surtido ainda o impacto que imaginavam os próceres do Centrão, pois Lula segue vencendo com folga no Nordeste (26,9% do eleitorado) e no Sudeste (43% dos eleitores), e em especial em Minas, 2º colégio eleitoral do país, onde a vantagem sobre Bolsonaro é superior à diferença em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mas também não era motivo para tanto nervosismo. A pesquisa mostrou que o ex-presidente Lula continuou com 47% da preferência, mas Bolsonaro subiu para 32% (há três pesquisas estava em 28%).
Embora Lula pudesse sair vitorioso no 1º turno se a eleição fosse realizada na semana passada, há indicações de que Bolsonaro poderá impedir o desenlace no 1º turno e levar a campanha para o mata-mata do 2º turno, em 30 de outubro. Por ora, as sondagens garantem uma vitória folgada de Lula no 2º turno: por 54% a 37%. Para virar o jogo, Bolsonaro teria que fazer proselitismo sobre as temporárias (até 31 de dezembro de 2022) benesses eleitorais (o que pode gerar cartão amarelo do TSE) e usar (e badalar) com mais intensidade as reduções de preços dos combustíveis da Petrobras. Como acionista controlador, a União usou seu poder para impingir, apesar das restrições dos minoritários, a indicação para o Conselho de Administração da companhia de Jônathas Castro, secretário-executivo (vice-ministro) da Casa Civil, e Ricardo Alencar, procurador-geral da Fazenda Nacional, mesmo com os comitês de Elegibilidades e de Pessoas da estatal ter acusado conflitos de interesses com as funções no Executivo. Mas o presidente não pode errar a mão e mostrar a face destemperada que apresentou ao país no 7 de setembro de 2021, quando pediu o fechamento do STF e disse que não iria acatar ordens do ministro Alexandre de Moraes. À época, Moraes presidia os inquéritos sobre “fake news” e as investidas contra o Supremo Tribunal Federal e a Constituição. Um ano depois, ele ficou ainda mais forte: virou o “xerife” das eleições.
Tchutchuca do Centrão
E o pavio curto do presidente da República – que levou uma lição pública de democracia perante o primeiro escalão dos três poderes da República, incluindo 22 governadores e 45 embaixadores estrangeiros, na solenidade de posse do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, na presidência do Tribunal Superior Eleitoral e na fiscalização da campanha eleitoral deste ano – explodiu na manhã do dia 18, quando foi provocado por um “youtuber” de direita, nas imediações do Palácio da Alvorada, onde o presidente da República parou para dar atenção a simpatizantes que batem ponto no “cercadinho do Alvorada”. Wilker Leão de Sá, que ganha a vida fazendo gravações preferenciais com o presidente da República, para atrair os simpatizantes de direita e de Bolsonaro em seus posts e ser contemplado com anúncios do Google, começou a provocar o presidente para que ele respondesse por que tinha limitado a delação premiada no veto presidencial.
Empurrado com truculência e derrubado ao chão (por um segurança ou um apoiador do presidente, não se sabe – a única certeza foi a falha total do esquema de proteção ao candidato (pela Polícia Federal) e a própria segurança do presidente da República, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Augusto Heleno -, o jovem (26 anos, que deu baixa do Exército no fim do ano passado) reagiu, perguntando ao presidente o que achava daquela violência. Como Bolsonaro não respondeu e seguia para entrar no carro, ele aumentou o tom das provocações: “quero ver se você é corajoso de sair para conversar comigo, tchutchuca do Centrão. O Lula é ladrão também, mas esse aí está fazendo tudo o que o PT faz, senão o PT volta” (disse para tentar ganhar alguma simpatia entre os apoiadores de Bolsonaro). Em seguida, aumentou o diapasão das ofensas e provocações: “Seu covarde, tchutchuca do Centrão. Safado! Você é vagabundo!”
Aí, o presidente, que é palmeirense, saiu do carro e veio em direção ao “youtuber”, a quem segurou pela gola da camisa do São Paulo FC, o puxou pelo braço, com a intenção de lhe tirar o telefone, enquanto dizia: “Vem cá, quero falar com você, vem cá”. Os seguranças afastaram Wilker Leão. Tiraram-lhe o celular das mãos. Mas as cenas continuaram sendo gravadas por outros espectadores e jornalistas que cobrem o dia-a-dia do cercadinho do Alvorada. Os seguranças tentaram recolher o celular de um jornalista, mas este protestou: “Comigo não, sou da imprensa”. Aí, a expressão “Tchutchuca do Centrão” já tinha criado um rastilho de pólvora nas redes sociais, onde era o meme mais comentado. Ato contínuo, saiu no noticiário normal dos sites de notícias, emissoras de rádio e TV e nos noticiários ao vivo das televisões por assinatura, como a Globonews e a CNN Brasil. Quando assessores da campanha (integrada pelo Centrão) perceberam o tamanho do estrago, recomendaram a Jair Bolsonaro tentar apagar o incêndio em uma conversa aberta com Wilker Leão. Por um enorme erro editorial da mídia, só a CNN deu os principais pontos desta conversa, na qual o presidente pediu desculpas e respondeu normalmente às perguntas. Muita gente sequer mencionou o fato da retratação. Entretanto, o estrago já estava feito. O destempero do presidente foi uma amostra assustadora do que seria um 2º governo Bolsonaro (reeleito) ou imposto pela força das armas.
[Para quem não entende o significado de tchutchuca, o termo foi usado em uma das “músicas” do conjunto de rap carioca “Bonde do Tigrão”, e se refere debochadamente às meninas que giram em torno do MC. A linguagem mais carinhosa do comportamento machista do rapper poderia se referir à piranha ou à “darling” preferida do harém, como tentou explicar o americano “Washington Post”. Mais direto, o conservador “Le Figaro”, da França, usou a expressão “Putain du Centrão”. Um vexame internacional. Vale lembrar que a expressão, foi usada, em 2019, pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR), em audiência na Câmara, quando o filho do ex-presidente do PT e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, acusou o ministro da Economia, Paulo Guedes, de ser “tchutchuca” para os banqueiros, fazendo Guedes explodir: “Tchutchuca é a mãe”. E cabe lembrar que na campanha de 2018, o general Heleno, que então acreditava na “nova política”, debochou do Centrão, parodiando o rap do falecido Bezerra da Silva: “se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão” – o original dizia: “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”. Hoje os principais partidos do Centrão (o PL de Valdemar Costa Neto, ao qual se filiou Bolsonaro, o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e o Republicanos, que representa a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo), formam base do governo].
Figueiredo vai às “vias de fato”
Não se pense que Jair Bolsonaro tenha sido o precursor de um caso de “briga de rua” de um presidente da República. A primazia foi de outro militar, o general João Batista de Figueiredo, último dos cinco comandantes militares que ocuparam o posto durante a ditadura (ainda houve a interinidade da presidência dos “três patetas”, como o jornalista Elio Gaspari se refere aos três ministros da junta militar do Exército, Marinha e Aeronáutica que assumiu interinamente o poder entre a isquemia e inabilitação do marechal Costa e Silva, no final de agosto, e a posse do general Emilio Médici, em novembro de 1969). Figueiredo, militar da Cavalaria, que dizia “preferir o cheiro dos cavalos ao do povo”, era um militar sisudo que comandava o Serviço Nacional de Informações (equivalente hoje ao GSI), protegido por óculos escuros. Indicado pelo general Ernesto Geisel para seu sucessor, em março de 1979, foi alvo, no fim do ano anterior, de um trabalho de reconstrução da imagem dura do general Figueiredo, substituído pela figura popular do “João presidente”. A tarefa ficou a cargo do ex-presidente da Embratur, Said Farah, nomeado ministro da Comunicação Social. Em nome disso, “o João presidente” foi tomar cafezinho no balcão de um bar do Leblon, em episódio para o qual o então porta voz da presidência, Alexandre Garcia, convocara previamente a imprensa junto com Farah. A nova imagem parecia pegar junto à opinião pública.
Mas no 1º contratempo do governo, em agosto de 1979 tudo começou a mudar. Numa queda de braços da ala que pregava a gastança, liderada pelo ministro do Interior, Mário Andreazza, que se lançara candidato à sucessão de Figueiredo, em 1984, e com o apoio firme do então ministro da Agricultura Delfim Neto, o ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, que defendia desaceleração gradual da economia, para 3% a 5% ao ano, não teve apoio de Figueiredo e pediu demissão. Delfim assumiu o Planejamento em 19 de agosto (novamente um mês crucial) e voltou a ser o czar da economia brasileira. Pregou o crescimento a qualquer preço e como palavra de ordem mandou os empresários “tacarem o pau na máquina”. Já estava em curso nova alta do petróleo, que explodiu em dezembro com a guerra entre o Irã e o Iraque (os dois maiores fornecedores do Brasil, que importava 80% do petróleo), e a escalada dos juros avançou ao patamar recorde de 20% nos Estados Unidos. O endividamento dos países emergentes para fazerem o ajuste de seus balanços de pagamentos na 1ª crise do petróleo (1973-74) foi para o espaço. Os cronogramas de amortizações foram atropelados pela triplicação dos juros. A economia brasileira disparou em 1979 e 1980, mas capotou em 1981. E, após a moratória do México, em agosto de 1982, as torneiras do crédito internacional se fecharam ao Brasil, que teve de renegociar a dívida externa em dezembro de 1982 e atravessou a década de 80 com crescimento zero ou negativo (Simonsen pregava desaceleração para 3% a 5%, mas o empresariado considerava recessão). Manifestações semelhantes às dos que chegam a defender ser preferível um golpe com Bolsonaro à volta de Lula…
Voltando a 1979, Delfim lançara o mote, como ministro da Agricultura de que a missão era “encher a panela do povo”. A erradicação dos cafezais atingidos pelas geadas, em julho de 1975, em São Paulo e Paraná, desorganizou a produção de alimentos básicos (milho, feijão e mandioca), cultivados pelos colonos em regime de “meia ou terça” com os fazendeiros nas “ruas” do café. O café foi substituído no Paraná pela soja, e em São Paulo pela monocultura da laranja e da cana-de-açúcar. A comida estava cara e escassa na mesa dos brasileiros (carne era bem desconhecido da maioria da população, que migrou para as cidades, com a dispensa em massa de colonos pelos fazendeiros). Numa tentativa do substituto de Delfim, Amaury Stábile, de introduzir a soja na merenda escolar, o próprio presidente foi convidado a provar (com grande presença da mídia) a novidade. Porém, após dar uma colherada naquele “feijão” mais pálido que o feijão “carioca”, o general falou mais alto que o “João presidente”. Figueiredo, grosseiramente, cuspiu a bocada longe, e ainda exclamou: “Que porcaria!”. Estava morta a campanha.
Neste cenário, Figueiredo foi fazer uma visita a Florianópolis, em novembro de 1979. Cidade de funcionários públicos (na época), havia uma insatisfação com a falta de reajustes nos salários para acompanhar a escalada dos alimentos (como hoje, quando também falta emprego e oportunidades de ocupação). Um, grupelho político imaginou usar a teoria foquista de Bakunin, para instigar a população (canalizada por um corredor polonês a ir para a praça central da cidade, onde o presidente encontraria o povo com parte de seus ministros) a protestar contra a panela vazia – citada em vários cartazes. A incitação pegou. O povo começou a apupar o presidente da República. De repente, diante de um coro de “FDP”, o general explodiu: gritou da sacada onde estava: “a minha mãe não” e desceu à rua acompanhado de ministros. O cearense Cesar Cals, das Minas e Energia, levou um safanão na orelha. Houve intervenção da PM e de tropas das Forças Armadas (que tinham grande contingente na antiga “Ilha do Desterro”). Figueiredo perdeu a veia popular. Ficou macambúzio desde então e mais recluso com seus cavalos. A situação piorou após a explosão da bomba no Puma do tenente Wilson Machado, que matou o sargento Guilherme Rosário, no estacionamento do Rio Centro, na véspera do 1º de maio de 1981, enquanto se realizava “show” de cantores de esquerda para cerca de 20 mil pessoas no pavilhão. E se agravou na crise da dívida externa que levou o país à renegociação à véspera do Natal de 1982, em Nova Iorque. Com todas as agruras acumuladas, Figueiredo teve de ser operado do coração, em Cleveland (Ohio) no ano seguinte. Terminou o governo saindo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto, sem passar a faixa presidencial para José Sarney, vice de Tancredo Neves, que fora presidente do PDS e rompera com o governo para criar o PFL, aliança que tirou a suposta vantagem de Paulo Maluf (que antes derrotara Andreazza em prévia do PDS).
Cautela e caldo de galinha
As lições da história servem para que ela não se repita como farsa. Bolsonaro pode ter agradado ao aguerrido grupo de apoiadores que encara a cena política como um octógono de MMA. Por sinal, para adular os lutadores e marombeiros de plantão, o presidente destacou em sua “live” desta 5ª feira que tinha reduzido o IPI dos complexos protéicos importados (“aí, pessoal do Wey”, em referência ao tipo de proteína). O estado-maior da campanha preferia que ele fizesse anúncios de que baixara insumos para baratear o litro de leite – que está custando mais caro que o da gasolina comum – e outros alimentos. Mas quem irá demover Jair Bolsonaro, que prometeu dobrar a aposta no 7 de setembro deste ano, a baixar a guarda e adotar um comportamento paz e amor? Lula, por sua vez, deve ficar mais agressivo para explorar a escalada da inflação (exceto energia elétrica e combustíveis tudo não para de subir) e destacar o caráter eleitoreiro das medidas.
Isso tende a acirrar os ânimos de parte a parte, à medida que a eleição fica mais próxima e as novas pesquisas vão mostrando mudanças dos eleitores. Com a agitação nas redes sociais pró Bolsonaro junto a seus apoiadores evangélicos, milicianos e a legião de policiais militares e CACs (todos muito armados), se as manifestações descambarem para algo parecido com o assalto ao Capitólio em 6 de janeiro de 2022, terá servido para alguma coisa o cartão amarelo prévio dado por Alexandre de Moraes em sua posse no TSE?
Espera-se que todos tomem um caldo de galinha diário (ou melhor, que se distribua o alimento aos pobres e aos mais de 33 milhões de famintos) para acalmar os ânimos em geral.
Cabe, por fim, esperar que agosto, quando o Congresso e o Judiciário retomam os trabalhos, após o recesso parcial de julho, e o Executivo tem de apresentar a proposta do Orçamento Geral da União para o ano seguinte (sempre mais gordo que o figurino, pelo excesso de gastos), não gere mais crises políticas que levaram o 8º mês do ano a ser taxado do “mês do desgosto”.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)