NÓS NÃO SOMOS A PRIMEIRA CIVILIZAÇÃO A COLAPSAR, MAS PROVAVELMENTE SEREMOS A ÚLTIMA

“Os restos arqueológicos das civilizações passadas são sóbrias lembranças do nosso destino”, escreve Chris Hedges

MONTES DE CAHOKIA, estado de Illinois, EUA: Estou no topo de um monte de 30 metros de um templo, a maior obra de terra conhecida nas Américas, construído por povos pré-históricos. As temperaturas, que está acima de 26ºC, juntamente com a humidade opressiva, esvaziaram o parque de quase todos os visitantes. A minha camisa está encharcada de suor

Eu estou olhando para fora da estrutura – conhecida como “O Monte dos Monges” (Monks Mound) [https://archive.org/details/greatknobinterpr00skel/page/n11/mode/2up] – e vejo, na planície abaixo, montes parecidos pontilhando a distância. Estes montes de terra, construídos na confluência dos rios Illinois, Mississipi e Missouri, são tudo que resta de uma das maiores colônias pré-Colombianas ao norte do México, que foram ocupadas entre os anos 800 e 1.400 DC por, talvez, umas 20.000 pessoas

Esta grande cidade (https://www.youtube.com/watch?v=H5MB5_KlOOQ), quiçá a maior na América do Norte, foi erguida, floresceu e caiu em declínio e, ao final, foi abandonada. As civilizações morrem segundo padrões familiares. Elas exaurem os recursos naturais. Elas geram elites parasitárias que pilham e saqueiam as instituições e sistemas que tornam possível uma sociedade complexa. Elas se engajam em guerras fúteis e autodestrutivas. E, então, a podridão se instala. Primeiro, morrem os grandes centros urbanos, que entram em decadência irreversível. A autoridade central se desemaranha. A expressão artística e a busca intelectual são substituídas por uma nova era obscura, pelo triunfo de espetáculos espalhafatosos e pela celebração de imbecilidades que agradam às multidões.

“O colapso ocorre – e só pode ocorrer – num vácuo de poder”, escreve o antropologista Joseph Tainter (https://www.youtube.com/watch?v=JsT9V3WQiNA) no seu livro ‘The Collapse of Complex Societies’ (O Colapso das Sociedades Complexas) [https://www.abebooks.com/Collapse-Complex-Societies-1ed-New-Studies/31258366592/bd?cm_mmc=ggl-_-US_Shopp_Textbook-_-product_id=COM9780521386739USED-_-keyword=&gclid=CjwKCAjw0dKXBhBPEiwA2bmObbFMumItP6cpXLiNla9yB8nkpuRG_S95cp7-1v5ADJYtSR7_P-ztlhoCP2EQAvD_BwE]. “O colapso só é possível quando não existe um concorrente forte o suficiente para preencher o vácuo político da desintegração.”CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Há alguns séculos, os governantes desta vasta cidade complexa (https://www.historicmysteries.com/cahokia-mounds/), que ocupava uns 2.200 hectares, incluindo uma praça central de 4,4 hectares, que é onde eu estava. Sem dúvida, eles viam logo abaixo, nas fervilhantes colônias, um poder inatacável, com pelo menos 120 montes de templos usados como residências, locais de cerimônias sagradas, tumbas, centros de encontros e pátios para danças. Os guerreiros Cahokia dominavam um vasto território, do qual eles extorquiam impostos para enriquecer a classe dominante desta sociedade altamente estratificada. Lendo os céus, estes construtores de montes construíram vários observatórios astronômicos circulares – versões em madeira do Stonehenge.

Os governantes hereditários da cidade eram venerados em vida e na morte. A uns 800 metros do Monte dos Monges fica o Monte 72 (https://cahokiamounds.org/mound/mound-72/), com uma altura de mais de 2 metros, no qual os arqueologistas encontraram (https://cahokiamounds.org/new-discoveries-from-cahokias-beaded-burial/) os restos de um homem numa plataforma coberta por 20.000 discos de contas de conchas do Golfo do México. As contas foram arranjadas na forma de um falcão, ficando a cabeça do falcão abaixo e ao lado de cabeça do homem. A suas asas e o rabo foram colocados por baixo dos braços e das pernas do homem. Por baixo desta camada de conchas estava o corpo de um outro homem, enterrado com a sua face para baixo. Ao redor destes dois homens estavam restos de outros seis homens, provavelmente carregadores, que podem ter sido mortos para acompanhar o homem sepultado na vida após a morte. Perto destes estavam enterrados os restos de 53 meninas e mulheres, com idades entre 15 e 30 anos, dispostos em duas camadas separadas por esteiras. Elas pareciam ter sido estranguladas até morrerem.   

O poeta Paul Valéry (https://www.poetryfoundation.org/poets/paul-valery) assinalou, “uma civilização tem a mesma fragilidade de uma vida.”

Do outro lado do rio Mississipi, em frente ao Monte dos Monges, se vê o perfil da cidade de St. Louis. É difícil não ver o nosso próprio colapso naquele dos Cahokia. Em 1950, St. Louis era a oitava maior cidade dos Estados Unidos, com uma população de 856.796 pessoas. Hoje em dia, este número se reduziu a menos de 300.000 (https://allthatsinteresting.com/st-louis), uma queda de 65%. Os maiores empregadores da cidade – Anheuser Bush, McDonnell-Douglas, TWA, Southewestern Bell e Ralston Purina – reduziram dramaticamente a sua presença ou simplesmente se foram. St. Louis é consistentemente classificada (https://realestate.usnews.com/places/rankings/most-dangerous-places) como uma das cidades mais perigosas do país [os EUA]. Uma em cada cinco (https://www.missionstl.org/2020report) pessoas vivem na pobreza (https://www.missionstl.org/2020report). O Departamento Metropolitano de Polícia de St. Louis tem o índice mais alto de mortes causadas po policiais per capita (https://news.stlpublicradio.org/law-order/2021-01-18/report-shows-st-louis-police-led-the-nation-in-killings) dentre os 100 maiores departamentos de polícia da nação [os EUA, segundo um relatório de 2021. Os prisioneiros das sórdidas cadeias (https://www.grid.news/story/politics/2022/08/09/the-claims-of-abuses-against-prisoners-in-a-st-louis-jail-are-horrific-theyre-also-not-unique/?fbclid=IwAR39hUaqpFvU_ZXU-qVDouypeCyLpXFgab5yOTYmEa2q0KQWtL_ISVScLkA) da cidade – nas quais 47 pessoas morreram enquanto estavam detidas (https://www.archcitydefenders.org/wp-content/uploads/2021/01/ACD-Death-By-The-State-Police-Killings-and-Jail-Deaths-in-STL.pdf), entre 2009 e 2019 – reclamam que a água das suas células é fechada durante horas e os guardas frequentemente espargem os prisioneiros com jatos de pimenta – incluindo aqueles que estão sob guarda preventiva de suicídios. A infraestrutura da cidade está se desmoronando, há centenas de prédios eviscerados e abandonados, fábricas vazias, armazéns desocupados e bairros empobrecidos – todos replicam as ruínas de outras cidades pós-industriais dos EUA, os clássicos sinais de uma civilização em declínio terminal (https://chrishedges.substack.com/p/the-dawn-of-the-apocalyps).

“Assim como ocorreu no passado, os países que estão estressados do ponto de vista ambiental, com excesso de população, ou ambas as coisas, correm o risco de ficarem politicamente estressados e com os seus governos em colapso”, argumenta Jared Diamond (https://www.youtube.com/watch?v=IESYMFtLIis) no seu livro ‘Collapse: How Societies Choose to Fails or Succeed’(Como as Sociedades Escolhem Fracassar ou ter Sucesso) [https://www.penguinrandomhouse.com/books/288954/collapse-by-jared-diamond/]. “Quando as pessoas estão desesperadas, subnutridas e sem esperança, eles culpam os seus governos – os quais eles consideram responsáveis pelos seus problemas e incapazes de resolvê-los. Eles tentam emigrar a todo custo. Eles lutam entre sí por terra. Eles matam uns aos outros. Eles começam guerras civis. Eles se dão conta que nada têm a perder, então se tornam terroristas, ou apoiam, ou toleram o terrorismo.”

As civilizações pré-industriais dependiam dos limites da energia solar e eram restringidas por estradas e vias navegáveis – impedimentos que foram obliterados quando os combustíveis fósseis se tornaram fontes de energia. À medida que os impérios se tornaram globais, o seu crescimento em tamanho significou um aumento em complexidade. Ironicamente, esta complexidade nos torna maisvulneráveis ao colapso catastrófico, e não menos. As altas temperaturas (o Iraque está sofrendo com um calor de 49ºC [https://www.washingtonpost.com/world/2022/08/07/baghdad-heat-record/] que fritou a rede elétrica do país), o esgotamento dos recursos naturais, enchentes, secas (a pior seca em 500 anos está devastando a Europa Ocidental, Central e Meridional, e se espera um declínio [https://www.theguardian.com/environment/2022/jul/27/big-falls-in-crop-yields-across-europe-feared-due-to-heatwaves] das colheitas entre 8 e 9%), interrupções de energia elétrica, guerras, pandemias, um aumento (https://mronline.org/2020/05/20/our-economic-system-fuels-outbreaks-says-evolutionary-epidemiologist-who-predicted-the-pandemic/) de doenças zoonóticas e interrupções das cadeias de fornecimento – as quais, combinadas, abalam os pilares da sociedade industrial. O Ártico está se aquecendo (https://www.nytimes.com/2022/08/11/climate/arctic-global-warming.html) quatro vezes mais rápido do que a média global, resultando no derretimento acelerado da camada de gelo da Groenlândia e padrões meteorológicos esquisitos. O Mar de Barents, ao norte da Noruega e da Rússia esté se aquecendo (https://grist.org/science/arctic-warming-four-times-faster-than-rest-of-planet/) sete vezes mais rápido. Os cientistas climáticos não esperavam ver este clima extremo até 2050 (https://www.cnn.com/2022/07/15/weather/2050-uk-forecast-comes-true-in-2022/index.html).

“A cada vez que a história se repete, o preço aumenta”, adverte o antropologista Ronal Wright (https://ronaldwright.com/books/a-short-history-of-progress/), que chama a sociedade industrial de “uma máquina suicida”.

Na seu livro ‘A Short History of Progress’ (Uma Curta História do Progresso) [https://ronaldwright.com/books/a-short-history-of-progress/] ele escreve (https://youtu.be/glXa-BFdXn0?t=13315):

A civilização é um experimento, um modo muito recente de vida na carreira humana, e ela tem o hábito de entrar naquilo que estou chamando de armadilhas do progresso. Uma pequena aldeia em boas terras ao lado de um rio é uma boa ideia; mas, quando a aldeia cresce e se torna uma cidade e pavimenta terras boas, esta [cidade] se torna uma má ideia. Porquanto a prevenção pudesse ser fácil, a cura pode ser impossível: não se move facilmente uma cidade. Esta incapacidade humana de prever – ou ter cuidado – que as consequências de longo-prazo podem ser inerentes à nossa espécie, conformada por milhões de anos quando vivíamos da mão para a boca, caçando e coletando. Isso também pode ser um pouco mais do que uma mistura de inércia, ganância e imbecilidade, encorajadas pela forma da pirâmide social. A concentração de poder no topo de sociedades de larga-escala dá à elite um interesse material no status quo; eles continuam a prosperar em tempos sombrios muito depois que o meio-ambiente e a população em geral começam a sofrer.

Wright também reflete (https://thetyee.ca/Analysis/2019/09/20/Ronald-Wright-Can-We-Dodge-Progress-Trap/) sobre o que será deixado para trás:

Os arqueologistas que nosescavarão da terra terão que vestir trajes de proteção. A espécie humana deixará uma camada reveladora nos registros fósseis que será composta por tudo que produzimos – desde montes de ossos de galinha, até lenços umedecidos, pneus, colchões e outros lixos domésticos, até metais, concreto, plásticos, produtos químicos industriais e os resíduos nucleares de usinas elétricas e de armamentos. Nós estamos enganando os nossos filhos, dando a eles espalhafatosas luxúrias e aparatos viciantes, enquanto lhes tiramos o que sobra de riqueza, maravilhas e possibilidades da Terra pristina.

Os cálculos da pegada ambiental da humanidade sugerem que estamos em ‘déficit ecológico’ pelo menos por 30 anos, tirando mais do que os sistemas biológicos da Terra podem aguentar. A camada superficial do solo está sendo perdida mais rápido do que a natureza consegue repor; 30% das terras aráveis foram exauridas desde meados do século XX.

Nós financiamos esta dívida monstruosa ao colonizar, tanto no passado quanto no futuro, extraindo energia, fertilizantes químicos e pesticidas do carbono fóssil do planeta e jogando as consequências para as gerações futuras da nossa espécie e de todas as outras. Algumas destas espécies já faliram: estão extintas. Outras as seguirão.

À medida que os Cahokia declinaram, a violência aumentou dramaticamente (https://experts.illinois.edu/en/publications/politics-as-usual-in-west-central-illinois-warfare-and-violence-d). As cidades ao redor foram queimadas até o chão. Grupos de pessoas, às centenas, foram abatidos e enterrados em valas comuns. No final, “o inimigo matou todas as pessoas indiscriminadamente”. A intenção não era de prestígio, mas uma forma inicial de limpeza étnica”, escreve o antropologista Timothy R. Pauketet no seu livro ‘Ancient Cahokia and the Mississippians’ (A Cahokia Antiga e os Mississipianos) [https://www.cambridge.org/us/academic/subjects/archaeology/archaeology-americas/ancient-cahokia-and-mississippians?format=PB&isbn=9780521520669]. Ele assinala que, em um cemitério do século XV na parte central do estado de Illinois, um terço de todos os adultos tinham sido mortos por pancadas na cabeça, ferimentos de flechas, ou escalpos. Muitos mostravam evidências de fraturas nos seus braços, resultados das suas vãs tentativas de escapar dos seus atacantes.

Este declínio para a violência mortífera é aumentado por uma autoridade central enfraquecida e desacreditada. Nos estágios finais de Cahokia, a classe dominante se cercou com paliçadas fortificadas de madeira, incluindo um muro de mais de 3 quilômetros de comprimento que cercava o Monte dos Monges. Fortificações similares pontilhavam o vasto território controlado pelos Cahokia, segregando os condomínios fechados onde os ricos e poderosos, protegidos por guardas armados, buscavam a segurança contra a crescente ilegalidade e onde eles acumulavam os decrescentes suprimentos de alimentos e de recursos.

A superpopulação dentro destas paliçadas espalhou a tuberculose e a blastomicose causadas por um fungo nascido no solo, juntamente com a anemia por deficiência de ferro. Os índices de mortalidade infantil aumentaram e a expectativa de vida diminuiu – um resultado da desintegração social, da dieta pobre e das doenças.

Por volta dos anos de 1400, os Cahokia haviam sido abandonados (https://news.stlpublicradio.org/health-science-environment/2015-05-04/new-insights-into-the-curious-disappearance-of-the-cahokia-mounds-builders#stream/0). Em 1541, quando o exército invasor de Hernando de Soto entrou no que é hoje o estado de Missouri, procurando ouro, nada havia restado a não ser os grandes montes, relíquias de um passado esquecido.

Desta vez, o colapso será global (https://www.youtube.com/watch?v=dxd-iFqCsUE&t=41s). Não será possível – como nas sociedades antigas – migrar para novos ecossistemas ricos em recursos naturais. O crescente aumento do calor devastará o rendimento das colheitas e tornará inabitável boa parte do planeta. Os cientistas climáticos advertem (http://www.climatecodered.org/2019/08/at-4c-of-warming-would-billion-people.html) que, uma vez que a temperatura mais 4ºC (https://www.theguardian.com/environment/2019/may/18/climate-crisis-heat-is-on-global-heating-four-degrees-2100-change-way-we-live), a Terra, na melhor das hipóteses, será capaz de sustentar um bilhão de pessoas.

Quanto mais insuperável a crise se torna, tanto mais nós – como os nossos ancestrais pré-históricos – nos refugiaremos em respostas autodestrutivas (https://www.youtube.com/watch?v=lxTdOf6SRSo), na violência, no pensamento mágico e na negação (https://www.youtube.com/watch?v=whHhN0X64EQ).

O historiador Arnold Toynbee (https://www.britannica.com/biography/Arnold-J-Toynbee) que destacou o militarismo descontrolado como o golpe fatal dos impérios passados, argumentou (https://global.oup.com/academic/product/a-study-of-history-9780195050806?cc=us&lang=en&) que as civilizações não são assassinadas; elas cometem suicídio. Elas fracassam em adaptar-se à uma crise, assegurando assim a sua obliteração. O colapso da nossa civilização será único em tamanho, aumentado pela força destrutiva da nossa sociedade industrial movida por combustíveis fósseis. Porém ela replicará os padrões familiares do colapso que derrubou as civilizações do passado. A diferença será em escala, e desta vez não haverá saída.

CHRIS HEDGES ” THE CHRIS HEDGES REPORTER” ( EUA) / “BLOG BRASIL 247” ( BRASIL)

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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