Fiz um breve discurso sobre a importância jornalística de Sérgio Pompeu, e de como o marketing pessoal – ausente em Pompeu – ajudava a criar falsos mitos.
Houve tempos em que o pacto entre empresas e jornalistas era mais definido. Havia um ponto em comum, que era a resistência contra a censura. Mas havia também pactos tácitos, entre redação e empresa, para impedir a manipulação excessiva das informações.
Em fins da década de 70, a revista Veja deu mostras da importância desse pacto.
Mino Carta já havia saído da revista e a direção ficou dividida entre os dois secretários de redação, José Roberto Guzzo e Sérgio Pompeu. Guzzo enfrentava dificuldades psicológicas nítidas para ocupar o lugar de Mino. Tanto que a sala de Mino permaneceu fechada por bom tempo.
Logo depois, houve a greve da Abril, um episódio relevante com um momento inesquecível. Na assembleia no sindicato, três editores ligados a Guzzo tentaram esvaziar a assembleia, alegando que tinham matérias para fechar na redação. Aí, Geraldo Mayrink, editor de Artes e Espetáculos, pediu a palavra. Disse que a capa daquela semana seria dele. Mas, se a assembleia decidisse pela greve, a reportagem não sairia da sua gaveta.
Lembro-me até hoje do palavrão do Juca Kfouri contra os três dissidentes.
Mas foi apenas o ensaio de um episódio mais grave, este envolvendo apenas a redação da Veja.
Em Brasilia, a sucursal era conduzida pelas mãos competentes de Pompeu de Souza e D’Alembert Jaccoud, ambos referências de bom jornalismo.
Quando começaram os preparativos para a sucessão de Ernesto Geisel, organizaram-se dois grupos na mídia. Um, sob influência de Golbery do Couto e Silva, apostando as fichas no general João Batista Figueiredo, egresso do Serviço Nacional de Investigações e apresentado como intelectual (segundo Elio Gaspari, ele seria grande matemático) e tríplice coroado na Academia de Agulhas Negras; e um grupo que se organizou em torno do general Euler Bentes, apoiado por Tancredo Neves e apresentado como nacionalista.
A sucursal de Brasilia preparou, então, uma pesquisa junto ao Congresso e o resultado era favorável a Euler. Chegando na redação, Guzzo alterou o resultado e publicou a pesquisa adulterada para beneficiar Figueiredo..
A reação da redação foi imediata. Houve reunião no Sindicato, da qual foi tirada uma nota assinada pelos 40 jornalistas da revista. Nela, se admitia que a empresa tinha o poder de fixar a linha da publicação, mas a redação não aceitava manipulação da informação. Foi formada uma comissão, com um representante de cada editoria, para entregar o manifesto ao Guzzo.
Eu era o mais novo na Economia, apenas redator ou repórter especial. O editor Emilio Matsumoto estava em viagem. O subeditor era Alexandre Machado, um dos três da reunião do sindicato. Mas tirou o corpo, alegando que estava a menos tempo que eu na revista. Acabei indo como representante da Economia, sabendo que caminhava para o matadouro.
Nas semanas seguintes, o clima interno ficou estranho. Geraldo Hasse era o editor de Geral, integrante da comissão do manifesto, e o melhor repórter da revista. Saiu de férias e Guzzo demitiu-o e colocou Alexandre Machado em seu lugar.
O comportamento de Alexandre mudou. Em geral muito simpático e atencioso, começou a se comportar de maneira algo rude com os dissidentes.
Houve um aniversário na casa de João Vitor Strauss, editor-assistentes, por coincidência primo de Guzzo, e lá uma troca de informações geral e a conclusão definitiva: estava em marcha um enorme passaralho destinado a tirar os recalcitrantes da redação. E os primeiros da fila eram os que participaram da comissão que levou o manifesto a Guzzo.
A pressão maior foi sobre mim mesmo. O Secretário de Redação era Carmo Chagas, com quem trabalhei no início de carreira, como repórter para as matérias de música. Tinha-o tanto em conta que o convidei para padrinho de casamento.
Àquela altura, eu não conseguia uma reportagem de peso, não emplacava uma pauta sequer. Com a saída de Mino, Guzzo tornou-se diretor e Carmo ascendeu ao cargo de Secretário de Redação, ansioso por conquistar a confiança de Guzzo.
Certo dia, ele reuniu os repórteres da Geral em torno de sua mesa para alertar para meu fim como jornalista. Disse que, no começo de carreira, eu era um repórter promissor, no qual a revista apostara, mas agora estava liquidado para o jornalismo. E eu tinha apenas 25 anos.
Fui até ele, Disse-lhe que estava sendo covarde. Eu estava praticamente impedido de fazer qualquer reportagem de maior fôlego. Sem essa visibilidade, como conseguiria emprego em outro veículo?
Passei a investigar casos por conta própria. Quando houve a compra da Light pelo governo, percebi o movimento e levantei todos os dados. Busquei contato com Oscar Pimentel, figura-chave, consegui entrevistas em Brasilia, antes mesmo que a Economia se desse conta do fato. Quando a compra aconteceu, houve uma correria para preparar a capa. Na reunião, disse que já tinha todos os dados. Precisava apenas de uma entrevista em Washington. Mandei a pauta para o correspondente Roberto Garcia. Guzzo colocou um colega para editar a matéria de Garcia e o colocou como coautor da reportagem,
Quando a tentativa de passaralho tornou-se explícita, a a reação da redação foi inesquecível. Formou-se uma frente tácita de apoio recíproco, que impediu, por algum tempo, a ofensiva de Guzzo. A redação mostrou uma coesão poucas vezes vista na imprensa brasileira. A ponto de Guzzo propor uma trégua, incumbido Carmo Chagas de ser o porta-voz.
Em um sábado de manhã, houve nova reunião no sindicato, desta vez com Carmo representando a direção da revista. A reunião terminou no ar, sem que os jornalistas fossem convencidos por seus argumentos.
Na época, eu morava em um pequeno apartamento, na parte de baixo da Brigadeiro Luiz Antonio, na rua Monsenhor Passalacqua. A reunião terminou antes do almoço. Ao chegar no apartamento, liguei a TV e veio a notícia da morte precoce do Papa João Paulo I.
Imediatamente rumei para a Abril para ajudar no fechamento. Ajudei a recolher telex, e outros trabalhos de office boy. No final da tarde, enquanto esperava o elevador, Carmo veio ao meu encontro. Agradeceu efusivamente o empenho, disse que sabia de minha vontade de levantar a história da Petrobras, nos seus 25 anos, e me prometeu que viajaria para Rio de Janeiro, Salvador e Brasília para tocar o trabalho. Certamente queria que eu fosse vender sua candidatura a diretor da revista.
Minha resposta foi seca:
- Não vim para a redação por causa da reunião no sindicato, mas por profissionalismo!
Na segunda-feira, o mural da revista tinha uma carta de Guzzo agradecendo o profissionalismo dos jornalistas e iniciando a lista de agradecimentos pelo meu nome.
Mas sabia que era apenas uma jogada tática, enquanto ganhava tempo.
Fiquei mais algum tempo na revista, consegui escrever a reportagem sobre a Petrobras. Pouco tempo depois, o inesquecível Kleber de Almeida, Editor de Economia do Jornal da Tarde, convidou-me para pauteiro e chefe de reportagem de Economia.
Saí a tempo da revista. Pouco tempo depois, Guzzo contratou Elio Gaspari, que já trabalhara na Veja. Com a mão pesada de Gaspari, sob as asas de Guzzo, certamente qualquer resistência se esboroaria.
No meu último dia convidei Sérgio Pompeu para um jantar. Contei-lhe tudo o que havia passado e ele, surpreso:
- Porque não me procurou?
Disse-lhe que era problema meu e não queria aumentar o desgaste dele com Guzzo.
Meu último contato com a redação foi na saída de Pompeu, o doce Pompeu, que sempre atuara como mediador dos arroubos de Mino Carta e Guzzo. A despedida foi em um bar. Eu, já no Jornal da Tarde, pediram-me que fosse para dizer o que os jornalistas ainda empregados na Veja não poderiam dizer.
Fiz um breve discurso sobre a importância jornalística de Pompeu, e de como o marketing pessoal – ausente em Pompeu – ajudava a criar falsos mitos.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)