O que a história registra sobre todos aqueles que se agacharam ao poder de momento, que dilaceraram suas nações, humilharam seus cidadãos e espalharam terror, a opressão e a morte? O poder é efêmero e a infâmia eterna.
Os traidores são as criaturas mais vis da humanidade. Não têm escrúpulo, moral, vergonha ou dignidade, apenas ambições. Em geral são medíocres e, por isso, se prostituem por qualquer mísera paga e desprezam os valores da decência e da civilização para que suas insignificâncias adquiram relevância, ainda que efêmera. Na história é a cobiça que engatilha as estocadas traiçoeiras. Elas, invariavelmente, são responsáveis por cicatrizes institucionais permanentes, hemorragias democráticas duradouras, sangramentos civilizatórios e feridas profundas por várias gerações. Para o chanceler de Napoleão Bonaparte, o tortuoso Talleyrand-Périgord, que apunhalou o próprio imperador, “traição é uma questão de datas”. A traição é tradição e transborda de abjetas infidelidades. Judas Iscariotes encabeça a lista dos infames e é a tradução de deslealdade. O mais conhecido tartufo do mundo delatou Jesus Cristo aos soldados romanos em troca de 30 moedas. Atormentado, suicidou-se. Outro emblema secular da perfídia é Marco Júnio Bruto, Brutus. Ele se aliou ao general Caio Cássio para usurpar o poder e assassinar o imperador Júlio César. O discurso de Marco Antônio nas escadarias do Senado romano seccionou os apóstatas, eviscerou os dissimulados, expôs habilmente os reais inimigos do povo e, sobretudo, reabilitou César, vítima da emboscada fatal. Brutus suicidou-se dois anos depois.
O cortejo das falsidades na história é engrossado pelo marechal Phillipe Pétain, oficial francês que esfolou a própria pátria e se curvou a Adolfo Hitler para pisotear a França. Ele foi acusado de deportar 77 mil pessoas para os campos de extermínio. Seu legado foi a vergonha, a infâmia e, ao final, a condenação à morte, convertida depois em prisão perpétua. Heinrich Himmler, carniceiro da SS nazista, antevendo a queda ensaiou a falseta contra Adolf Hitler e negociou a rendição da Alemanha com os Aliados em troca de sua liberdade. Fracassou. Ele foi considerado criminoso de guerra. Preso, se matou. Na América do Sul maior símbolo da insídia é o ditador chileno Augusto Pinochet, ídolo de Bolsonaro. Em agosto de 1973, o presidente Salvador Allende indicou Pinochet para assumir o comando do Exército, um dos militares que considerava mais leais. Semanas depois, Pinochet chefiou uma quartelada internacional para derrubá-lo, bombardeou o Palácio La Moneda e implantou uma ditadura sanguinária. Pinochet ofereceu um avião para a fuga de Allende, mas a conspiração era mais cruel: atirar o presidente golpeado da aeronave.
No Brasil a face mais tenebrosa da impostura é Joaquim Silvério dos Reis, um coronel da cavalaria, reles delator, figura deletéria sacralizada pelos Torquemadas da operação Lava Jato, que também enganou a Nação e experimentou um triunfo temporário, obtido através da usurpação, ilicitudes e transgressões. Joaquim Silvério se tornou um dos traíras mais famosos do país. Para escapar das suas dívidas com a Coroa, ele entregou Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, líder dos inconfidentes que acabou enforcado e esquartejado. Além das dívidas anistiadas, o alcagueta foi premiado com uma pensão vitalícia. Desnecessário sublinhar qual Joaquim é reverenciado e qual é amaldiçoado. A nova face dessa impostura, da ganância pelo poder e dinheiro é Sérgio Moro. Esse caráter deformado traiu a Constituição, traiu a verdade, traiu a história, traiu o Judiciário, traiu procuradores, traiu o governo que serviu e traiu o partido que o acolheu. Sente agora o fio da lâmina fria da insídia em sua nova legenda, o União Brasil. A legenda escalou uma candidatura fake à presidência e favoreceu Lula, a cabeça guilhotinada por Moro nos cadafalsos traiçoeiros da Lava Jato.
A histórico de rasteiras é longo. Em 2004, Moro era um obscuro juiz da primeira instância. Naquele ano, o ex-magistrado construiu uma doutrina personalíssima da transgressão jurídica. Um verdadeiro libelo incensando a operação “Mãos Limpas” da Itália e o promotor Antônio Di Pietro, que se tornou o vade mecum dos lavajatistas. Em um artigo ele redigiu uma súmula fascista: presunção da inocência pode ser mitigada para encarcerar suspeitos indefinidamente; prender para delatar; banalizar coercitivas; deslegitimar a classe política e abusar publicidade opressiva contra os investigados. O código peculiar do então magistrado, recepcionado literalmente pela Lava Jato anos depois, foi capital para fraudar a história e roubar uma eleição presidencial em 2018. A operação “Mãos Limpas” não nasceu como projeto de poder, mas a superexposição ensejou alguns mandatos populares. A origem da Lava Jato é a cobiça pelo poder político. A diferença explica tudo. Sérgio Moro não apenas redigiu um arrazoado bizantino. Aplicou o manual fascista anos depois, quando comandou a Lava Jato. Com esses métodos colocou, por anos, os tribunais superiores de joelhos, temerosos de contrariar as arbitrariedades. Usou impunemente o método de “vazar como peneira” contra os alvos selecionados. Expediente para antecipar a culpa e traficar o julgamento dos autos para a mídia, igualmente manipulada e traída por ele.
O sacerdote da perfídia assumiu ter divulgado um grampo duplamente ilegal. A conversa entre a então presidente Dilma Roussef e Lula, que resultou no veto ilegal do STF à posse do ex-presidente na Casa Civil. O áudio foi captado além do horário autorizado e era estranho da competência da primeira instância. Moro grampeou criminosamente advogados, atuou em férias para abortar a liberdade do ex-presidente Lula, bem como vazou uma delação imprestável de Antônio Palocci às vésperas da eleição em 2018. Não era juiz, era parte. Tudo fez impunemente. Foi julgado como parcial e incompetente pelo STF em março de 2021. A ONU ribombou para o mundo o complô e o mesmo veredito. Jamais se penitenciou pelo desaforo e usurpação. Alegou ter feito em nome do “interesse público”, mas a verdadeira motivação era pessoal. Ao sentenciar Lula rascunhou o salvo-conduto ao fascismo de Bolsonaro e sua corja. Corrupiando entre a militância política e a meliância jurídica, Sérgio Moro converteu-se no demônio da conveniência e exorcizou a prevalência das leis sobre as pessoas. Ele era a própria lei e o Estado, o nosso Luís XIV. Traiu o juramento da magistratura, traiu a toga, traiu a história e traiu a Constituição Brasileira, notadamente o Estado de Direito, as liberdades e as garantias. “Traidor da Constituição é traidor da pátria”, cravou Ulysses Guimaraes na promulgação da Carta cidadã em 1988.
Em meados de 2019 explodiram os diálogos promíscuos da Lava Jato, expondo as vísceras do maior escândalo judicial brasileiro. Moro foi traído pela “língua” e captado por um “hacker”. Nas conversas, o ex-juiz aparece sugerindo inversão de fases da operação, escalando procuradores para oitivas, ditando notas ao MP para desacreditar o “showzinho” da defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando fontes para encorpar a acusação contra Lula. Moro empunhou o tridente tendencioso do acusador, investigador e juiz, carbonizando o sistema judiciário. A infidelidade da Lava Jato contra a soberania nacional, flagrada em várias conversas mencionando a participação de agências estrangeiras, seria recompensada com recursos repatriados. Entre eles os R$ 2,5 bi da Petrobrás, cancelados posteriormente pelo Ministro Alexandre de Moraes. O cachê pelo michê jurídico lubrificaria o projeto próprio de poder com candidatos em todos os estados e a salivação presidencial de Moro. Figuras deploráveis, exibiam-se como puras para piratear o Estado usando baixas artimanhas. Uma procuradora queria atingir “Lula na cabeça”. Dallagnol fala em “arrancar” e “queimar a cabeça do nosso alvo” externando um pervertido “tesão” em escrever a denúncia. Crimes de lesa-pátria, de altíssima traição, embalavam as pretensões políticas da quadrilha. Em conluio, traíram a confiança da Nação reiteradamente e a prostituição acabou parindo um bastardo golpista.
Pela prisão ilegal do favorito em 2018, foi recompensado com o Ministério da Justiça. O falecido Gustavo Bebianno confidenciou em uma entrevista que Paulo Guedes lhe contou ter conversado com Moro “cinco ou seis vezes” antes do segundo turno das eleições sobre a possibilidade de assumir o Ministério da Justiça. O vice-presidente Hamilton Mourão também confirmou as conversas antes do segundo turno. No sim a Bolsonaro, Moro traiu parte da Lava Jato que se sentiu manipulada e apontou o dedo para o comportamento adulterino. “Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito toda a operação fica com cara de ‘República do Galeão’, uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois”, profetizou o procurador João Carlos de Carvalho Rocha. “Moro já cumprimentou o eleito. Como perde a chance de ficar de boa, pqp”, desabafou a procuradora Janice Ascari. Laura Tessler, procuradora criticada por ele, fez a vezes de oráculo: “além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ (Lava Jato). Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto … se juntar a ele vai queimar o Moro”. Tão puro…
Por 14 meses, Moro foi esturricado como um sabujo do capitão e fez vistas grossas para delitos graves de seus amigos alçados ao poder. Nesse período mostrou quem ele verdadeiramente é. “Absolveu” Onyx Lorenzoni pelo crime de caixa 2, silenciou sobre a execução covarde de Marielle Franco, desprezou o laranjal do PSL e capitulou diante da denúncia de peculato contra Flávio Bolsonaro. Na corrupção malcheirosa das rachadinhas se apressou em limpar a sujeira: “Sobre movimentação financeira atípica do senhor Queiroz (Fabrício), o senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio”, absolveu o ex-Juiz universal. Moro mostrou ser adepto da vindita e cuspiu no prato onde antes se refestelou. Ao ser enxotado do governo, imputou ao capitão um delito que não pode comprovar. O controle político da PF, segundo a memória imprecisa de Moro, poderia ser atestado na perturbadora reunião ministerial de 22/04/2020 onde são externadas as maiores barbáries institucionais da história brasileira. Depois de perder posição estratégicas no governo (COAF, PF e PGR), o então ministro saiu atirando no governo que ajudou a eleger conspurcando a toga. Depois de trair a Nação para empossar Bolsonaro, traiu o demônio que cultuou e serviu.
Após ser mastigado e excretado pelos infames, migrou para os EUA e virou sócio e consultor em uma firma que faturou alto com a Lava Jato. Confessou, como pré-candidato a presidência pelo Podemos, ter embolsado um cachê espúrio de US$ 45 mil por mês da consultoria americana Alvarez & Marsal. Renda de R$ 10 mil/dia ou R$ 3,7 milhões em 10 meses e não se sabe qual foi o trabalho foi realizado. O patrocínio milionário foi admitido – como estratégia política suicida – para uma nação de famintos e vítimas da fraude jurídica que ele perpetrou para quebrar empresas, paralisar milhares de obras e desempregar em massa. A companhia internacional Alvarez & Marsal obteve 78% do faturamento (R$ 65 milhões) a partir de empresas investigadas pela Lava. A candidatura presidencial, que já esboroava, esfarelou de vez e ele resolveu rebaixar as aspirações, mudar de partido e disputar o Senado por São Paulo. O trânsfuga correu para o União Brasil. “Para a surpresa de todos, tanto a Executiva Nacional quanto os parlamentares souberam via imprensa da nova filiação de Moro, sem sequer uma comunicação interna do ex-presidenciável”, anotou Renata Abreu, presidente do Podemos, em 31/3/2022. A infidelidade foi dupla: traiu o padrinho político, Álvaro Dias, e o Podemos, partido que o abrigou para disputa presidencial e o esperou o quanto ele pediu. Os cúmplices do farsante no passado são os apunhalados no futuro.
Ardiloso, como todos os impostores, caiu em uma arapuca no União Brasil de Luciano Bivar. Cresceu os olhos gananciosos para a cornucópia do fundo eleitoral e partidário da nova legenda e do tempo de TV. Bivar o tirou da disputa presidencial pois ele próprio, Bivar, seria o candidato da sigla ao Planalto. Moro, então, traiu o povo paranaense e maquinou nova fraude: o suposto domicílio eleitoral em São Paulo, para ciscar uma vaga no Senado Federal. A falsidade grosseira, da índole dos desertores, foi barrada. O possível comprovante do vínculo efetivo com o estado era uma mera hospedagem em um hotel paulista. Por quatro votos a dois, o TRE/SP concluiu que o ex-juiz não comprovou vínculos políticos, afetivos, familiares ou profissionais com São Paulo e o despachou de volta para o Paraná. No estado, ele rivaliza com Álvaro Dias pela única vaga do Senado. Depois de trair os eleitores paranaenses se albergando em São Paulo, pedirá votos aos conterrâneos para destronar seu padrinho político do Senado, um parricídio. Bivar, que o decapitou da tribuna presidencial, recuou da candidatura ao Planalto. Disputará a Câmara em Pernambuco, onde Lula supera os 60% dos votos. A lâmina metálica da traição escorre sobre as veias trêmulas do carrasco, cuja vida estará sempre atormentada pelo sangue dos inocentes esguichado da sua guilhotina traiçoeira na 13 Vara de Curitiba.
A Lava Jato foi, por anos, um Estado paralelo, saqueando a legalidade e conspirando contra a República, a Federação e a democracia através do sequestro do sistema Judiciário. Os diálogos exalam delitos graves e não devem seguir impunes. As transgressões de Sérgio Moro e do MP, além de repulsivas, expõem crimes que envolvem denunciação caluniosa, fraude processual, falsidade ideológica, prevaricação e outras. Deveriam estar presos pelos delitos confessados, além das mensagens que negaceiam. Em 2018, Di Pietro, ídolo de Moro e carrasco da “Mãos Limpas”, confessou: “Fiz uma política sobre o medo e paguei as consequências”. Di Pietro obteve mandatos, criou um partido e, apanhado em malversação de fundos eleitorais, teve uma queda vertiginosa do céu ao inferno. A história sempre se encarregou de desmascarar e condenar os patifes e seus asseclas à fornalha da torpeza. Os facínoras, as ignomínias e a perfídia passam, enquanto os princípios morais que forjaram a humanidade são imorredouros. Os valorosos podem até sucumbir por eles, mas os princípios não morrem jamais.
O mais aterrorizante da meliância jurídica encabeçada por Sérgio Moro e parte do MP foi o esfarelamento generalizado do Brasil: político, institucional, econômico, social e o envenenamento do Estado Democrático de Direito. No Judiciário, lacerando as leis, lanhando os códigos e rasgando o sagrado direito de defesa, Sérgio Moro reencarnou o traiçoeiro Brutus e sacou da toga impura a adaga contra um inocente, uma facada nas costas da Constituição, da Nação, da nossa história. No MP, Deltan Dallagnol, como o cúmplice Caio Cássio em Roma, regeu conspiradores para caçar Lula, com incisões de “power points” e outras perfídias pontiagudas. O que a história registra sobre todos aqueles que se agacharam ao poder de momento, que dilaceraram suas nações, humilharam seus cidadãos e espalharam terror, a opressão e a morte? O poder é efêmero e a infâmia eterna. “O mal que os homens fazem, sobrevive a eles”, sentenciou Marco Antônio no funeral de Júlio Cesar, repleto de “homens honrados”, reles traidores como Sérgio Moro, que se transformou no maior programa de infidelidade do Brasil.
WEILLER DINIZ ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)
— Weiller Diniz é jornalista